Share the post "5 de outubro de 1143: o primeiro dia do resto da vida de Portugal"
A 5 de outubro de 1143, D. Afonso Henriques e o seu primo Afonso VII de Leão e Castela assinavam o Tratado de Zamora, uma data que muitos historiadores apontam como a verdadeira data da independência do Reino de Portugal.
Por isso, para além de neste dia se assinalar a implantação da República, em 1910, também se pode festejar o 879º aniversário do país com as fronteiras mais antigas da Europa.
Esta coincidência entre os festejos de simpatizantes monárquicos e empedernidos republicanos só é possível num país com uma história tão longa e rica como a que Portugal ostenta. Do Condado Portucalense até às fronteiras atuais vão muitos séculos de guerras, intrigas, amores, desamores, traições e engenho.
Há quem admita apenas como data definitiva da independência portuguesa o dia 23 de maio de 1179, altura em que o Papa Alexandre III emitiu a Bula Manifestis Probatum, estabelecendo em definitivo Portugal como reino independente e Afonso Henriques como o seu rei.
Mas bem antes, Portugal já se tinha começado a livrar das amarras que o impediam de gerir o seu próprio destino. E a data que marca essa vontade de liberdade é mesmo 5 de outubro de 1143.
5 de outubro de 1143: o primeiro dia português
Não se sabe muito bem em que data nasceu D. Afonso Henriques (embora 1109 seja o ano mais pacífico), nem onde terá vindo ao mundo de facto (Guimarães defende a tradição, mas Viseu reclama com factos históricos).
O que é certo é que o primeiro rei de Portugal está no campo de batalha a 24 de junho de 1128, num confronto decisivo pelo controlo do condado que lhe tinha sido legado pelo pai.
De um lado está Afonso Henriques e a generalidade dos barões portucalenses, e do outro as tropas lideradas pelo senhor galego Fernão Peres de Trava e D. Teresa de Leão. Sim, era a mãe do rei de Portugal e não, ele nunca a colocou a ferros, tão pouco lhe bateu.
Foi a famosa batalha de São Mamede, que ninguém afirma com certeza absoluta onde se travou, para além de se saber ter sido nos arredores de Guimarães, e saldou-se por uma vitória dos portugueses em toda a linha.
A partir daqui, o jovem Afonso inicia uma caminhada imparável até à liderança incontestada do Reino de Portugal.
Escaramuças ibéricas
Contudo, do outro lado estava sempre o reino de Leão e Castela, que via Portugal como uma extensão natural dos seus territórios. Afonso Henriques é que não foi na cantiga e as suas acções ao longo dos anos foram claras no propósito de criar um estado uno e independente.
E como a melhor defesa é, regra geral, o ataque, o nosso primeiro rei iniciou algumas incursões em terreno leonês, que na altura incluía também toda a Galiza.
Aproveitando o conflito que o seu primo mantinha com a mais distante Navarra, Afonso Henriques invade Tui, mas Afonso VII força a devolução da cidade, acabando ambos por assinar o Tratado de Tui, em 1137.
Aclamação
Dois anos depois, em 1139, já encontramos Afonso Henriques ocupado com o alargamento das suas fronteiras a sul, sendo neste ano que vence a decisiva batalha de Ourique (diz-se que no Baixo Alentejo, mas também não há certezas) contra os muçulmanos, sendo que estes estavam em muito maior número.
A vitória foi retumbante e Afonso Henriques não só é aclamado rei ainda no campo de batalha, como também começa a usar oficialmente o título de Rex Portugallensis, ou Rei dos Portugueses.
Só que quando se pensava que o primeiro rei de Portugal iria continuar por ali abaixo, ele decide romper o Tratado de Tui, ainda recentemente assinado, e volta a invadir a Galiza.
Um pouco farto das escaramuças com o primo, Afonso VII de Leão e Castela entra com o seu exército Portugal adentro e só pára perto de Arcos de Valdevez, onde se dá o agora famoso Recontro de Valdevez, um torneio medieval que terá evitado uma sangrenta batalha.
5 de outubro de 1143: não à vassalagem
D. Afonso Henriques sempre recusou prestar vassalagem ao primo, proclamado imperador de Leão e Castela, mantendo sempre um rumo firme de encontro a uma solução que lhe garantisse a almejada autonomia.
Isso aconteceu a 5 de outubro de 1143, em Zamora, perante o cardeal Guido de Vico, enviado pelo Papa Inocêncio II como legado da Santa Sé à Península Ibérica.
Só que o acordo obrigou D. Afonso Henriques a mais uma habilidade diplomática. É que muito embora Afonso VII de Leão e Castela reconhecesse o título de rei ao seu primo, também ficava claro que Afonso Henriques reconhecia aquele como Imperador das Espanhas e, como tal, seu suserano.
Aliás, Afonso VII cedeu-lhe a fortaleza de Astorga, vínculo claro da vassalidade devida. O rei português acaba por dar a volta ao texto, fazendo-se vassalo de São Pedro, ou da Santa Sé, vai dar ao mesmo, a quem passa a pagar um tributo anual de quatro onças em ouro, prometendo ainda defender a cristandade dos infiéis.
Independência irreversível
Ou seja, Afonso Henriques colocava-se sob a proteção de um suserano que na Idade Média estava muito acima do Imperador das Espanhas.
O Papa aceitou o tributo em ouro, mas recusou o outorgar o termo de rei a Afonso Henriques, chamando-lhe apenas dux. A confirmação eclesiástica do ambicionado título só chegaria em 1179.
No entanto, é legítimo considerar 5 de outubro de 1143 o primeiro dia completo de Portugal enquanto país independente.
Foi em Zamora que se tornou irreversível o movimento autónomo que há muito medrava na sociedade portucalense de então e que encontrou em D. Afonso Henriques o seu líder para o difícil combate com o poderoso vizinho castelhano. Foi há 878 anos e é mesmo o primeiro dia do resto da vida de Portugal.