Em meados do século XVII, a vida religiosa não era o fim da linha, tão pouco apenas fruto de um qualquer chamamento.

Era mesmo uma opção de vida e das mais populares. Soror Mariana Alcoforado viu-se amarrada a um destino que não escolheu, que não desejou, mas que acabou por marcar o seu papel na história.

Nesta fantástica história de amor, onde os especialistas ainda debatem onde termina a realidade e começa a lenda, há ingredientes suficientes para uma série de televisão de sucesso.

Há pais autoritários, invasões de forças estrangeiras, militares nobres e, claro, uma mulher obrigada a seguir um percurso que lhe é imposto, mas que acabaria por fintar.

Soror Mariana Alcoforado: amor trágico

Janela do convento
A janela do convento de onde Mariana terá visto Noel pela primeira vez

Mariana Alcoforado nasceu em 1640, na cidade de Beja, e com apenas 12 anos dá entrada no Convento de Nossa Senhora da Conceição. Aqui começam as teorias a divergir. Há quem sustente que a jovem estava determinada em consagrar a vida a Deus, havendo, por outro lado, quem refira que foi para o convento contra a vontade, subjugada à vontade do pai e ao testamento da mãe, que a nomeava freira naquele convento.

Mesmo não mostrando grande apetência pela vida religiosa, Mariana Alcoforado submete-se, como tantas outras jovens da época, à vontade paterna e inicia uma vida de clausura que nunca desejou e da qual, no início, sonhava libertar-se. No entanto, estava prestes a acontecer algo que iria marcar a sua vida para sempre e que fez dela uma das personagens mais fascinantes do século XVII português.

Na altura, Portugal estava envolvido na guerra da Restauração com Espanha. Desde 1580 que os espanhóis, através de dinastia filipina, reinavam em Portugal. Contudo, em 1640, os portugueses revoltaram-se e iniciaram uma série de escaramuças militares com os vizinhos castelhanos, mais poderosos e em maior número. Por isso, era preciso ajuda para garantir que a independência portuguesa não fugia de novo.

Um dos países que se prontificou a ajudar Portugal foi a França e no exército enviado pelos gauleses para ajudar a proteger as fronteiras portuguesas vinha alguém que iria mudar para sempre a vida da então já Soror Mariana Alcoforado.

O oficial francês

Noel Bouton de Chailly, marquês de Chamilly, era um oficial francês que em Beja lutava nas fileiras portuguesas na guerra da Restauração. Soror Mariana Alcoforado, então com 20 anos, terá visto Noel pela primeira vez a partir de uma janela do convento de Beja, enquanto as forças militares executavam algumas manobras. Foi amor à primeira vista, iniciando-se aí uma ligação amorosa controversa e, segundo os cânones da época, quase impossível.

Não obstante estar presa aos votos da vida religiosa, o instinto físico foi mais forte e Mariana Alcoforado e o marquês de Chamilly iniciaram uma intensa relação amorosa. Consta que a freira clarissa portuguesa introduziu o militar francês na sua cela durante várias noites, mas a relação acabou por ser descoberta entre grande escândalo, ainda mais porque Mariana pertencia à poderosa família Alcoforado.

Sabendo que a sua vida podia estar em risco, Noel Bouton abandonou Portugal, a pretexto da doença de um irmão, deixando a promessa de vir resgatar a freira amada da clausura e viverem livres o amor que os unia. Mariana Alcoforado esperou ansiosa por uma libertação que nunca iria acontecer.

Convento em Beja
O Convento de Nossa Senhora da Conceição, em Beja, onde viveu e morreu Mariana Alcoforado

As cartas de Mariana

Desesperada com a falta de notícias, a jovem religiosa decidiu escrever ao militar francês que tanto amava. As missivas, cinco no total, refletem a evolução pungente dos sentimentos de Mariana Alcoforado, desde a esperança pelo regresso do amado, a incerteza de que tal viesse a acontecer e, por fim, a certeza do abandono e do final daquele amor intenso, mas proibido.

Mariana acabaria por recuperar do desgosto, dedicando-se de maneira firme à vida religiosa, chegando a abadessa do convento onde deu entrada com tenra idade. Morreu em 1723, em Beja, mas antes já tinha entrado de forma definitiva para o imaginário nacional e até internacional.

É que em 1669, por razões ainda hoje desconhecidas, são publicadas em França as cinco cartas de Mariana Alcoforado para Noel Bouton, sob o título de Les Lettres Portugaises. E aí começava uma polémica que dura até hoje e que nunca foi devidamente esclarecida.

O que está em causa é a autenticidade das cartas publicadas em Paris. Seriam mesmo os escritos da freira portuguesa? Rouseau, em França, Alexandra Herculano e Camilo Castelo Branco, em Portugal, são algumas das personalidades que rejeitam Mariana Alcoforado como a autora. Júlio Dantas escreveu um peça famosa inspirada nos eventos de Beja, mas nunca tomou uma posição clara sobre a veracidade, ou não, dos amores e desamores em causa.

A verdade é que dificilmente alguma vez se saberá de onde saíram em concreto aquelas cartas. Por isso, encerramos com aquilo que se sabe, para lá de qualquer dúvida: Mariana Alcoforado foi uma personagem real, o escândalo em torno da sua pessoas também é bem verdadeiro e o livro com as suas alegadas cartas foi um sucesso literário estrondoso. Até hoje permanecem as cartas de amor de uma freira portuguesa.

Veja também