O desenrascanço esteve sempre bem marcado no ADN do português. Um jeito aqui, outro jeito acolá, e tudo se vai resolvendo. Artur Virgílio Alves dos Reis esticou essa característica para lá dos limites e acabou por passar à história como o maior burlão da história em Portugal.
Dirão muitos que a golpada de Alves dos Reis não se compara a algumas que vamos lendo nas notícias da atualidade. Talvez, mas não é o valor da burla que está em causa nesta história.
É a audácia de um homem em conceber um plano que de tão louco só podia resultar. Ou seja, quase que resultava, porque a burla foi descoberta e o competente castigo aplicado.
Por isso, nada melhor do que mergulhar na fantástica história de Alves dos Reis, o homem que fabricou notas de 500 escudos e quase comprou o Banco de Portugal. O plano começou a ser gizado há precisamente 100 anos, em 1924.
Alves dos Reis: um crime à portuguesa
Nascido em Lisboa, a 8 de setembro de 1896, Artur Virgílio Alves dos Reis foi o cérebro por detrás da maior falsificação de notas da história, todas com a efígie do navegador Vasco da Gama.
Contudo, se este é o crime pelo qual passa à história, Alves dos Reis também falsificou documentos e assinaturas, comprou ações de forma ilegal, passou cheques sem cobertura, forjou habilitações, enfim, um impressionante número de delitos.
E é em Angola, país onde chega em 1916, que começa a sério a sua carreira de trambiqueiro. Falsificou um diploma de Oxford e apresentou-se na então colónia portuguesa como engenheiro formado numa escola inexistente, a Polytechnic School of Engineering.
Segundo o documento, era especialista em tudo: física, metalurgia, mecânica, engenharia civil, geologia, enfim, um absoluto génio.
A verdade é que o esquema africano resultou e Alves dos Reis acabou por comprar (com um cheque sem cobertura, claro está) a maioria das ações dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola, em Moçamedes, conseguindo assim a fortuna que tanto ambicionava.
É que a falta de dinheiro tinha-o obrigado a sujeitar-se a humilhações várias perante a abastada família da mulher, Luísa Jacobetty.
Regresso a Portugal
Com o pico no peito por não ser reconhecido na metrópole, regressa a Lisboa, em 1922, iniciando-se na revenda de automóveis.
No entanto, o espírito golpista que por ali sempre andava a medrar levou-o a tentar apoderar-se a Companhia Ambaca. Aqui, o golpe começou de forma idêntica aos anteriores esquemas, ou seja, passou cheques sem cobertura. A novidade agora é que depois de entrar na companhia, usou o dinheiro da Ambaca para cobrir os cheques que tinha passado anteriormente.
Contudo, este golpe não correu como o previsto e antes que Alves dos Reis conseguisse assumir o controlo total da Ambaca, acabou por ser detido por desfalque, sendo ainda acusado de tráfico de armas.
Seria na prisão, no entanto, que iria gizar a sua mais ambiciosa burla, aquela que precisamente o faria passar à história como o maior burlão português. Estávamos em 1924.
Alves dos Reis: a multiplicação das notas
A Waterlow & Sons, em Londres, era, na altura, a empresa encarregue da impressão de notas para o Banco de Portugal. Para lá chegar, Alves dos Reis forjou um contrato, que conseguiu ver reconhecido num notário, falsificou as assinaturas da administração do Banco de Portugal e colocou o plano em marcha.
Como é óbvio, não estava sozinho. A magnitude do golpe exigia uma equipa bem concertada. Neste esquema tinha por cúmplices o financeiro holandês Karel Marang, um espião alemão e, entre outros, José Bandeira, irmão do embaixador português em Haia.
A situação política em Portugal à época era absolutamente efervescente, com governos formados numa esquina, caídos na seguinte e uma crise económica desesperante.
Aproveitando esta situação, Alves dos Reis convence os ingleses que a impressão das notas deve ser feita de forma muito reservada e que o dinheiro se destinava a um empréstimo para o desenvolvimento de Angola.
A delirante, mas meticulosa, natureza de Alves dos Reis levou-o ainda a falsificar cartas do Banco de Portugal para a Waterlow & Sons. Estava tudo pronto para um golpe perfeito, ou quase, que podia fazer do filho de um modesto cangalheiro lisboeta um dos mais importantes homens do país. E as máquinas começaram a funcionar.
Notas impressas
Perante toda a documentação, aparentemente em ordem, a empresa inglesa imprimiu 200 mil notas como valor nominal de 500 escudos. Para se ter a noção do valor da burla estamos a falar de qualquer coisa como 1% do PIB português da altura.
A efígie era a de Vasco da Gama e a data 17 de novembro de 1922. A dada altura, o número de notas falsas a circular era quase idêntico ao de verdadeiras. Como é que chegaram ao país? Atrás dissemos que um dos cúmplices era irmão do embaixador português em Haia. Pois muito bem, chegaram por via diplomática.
Fundar um banco
Quando se está carregado de dinheiro e se pretende fazer ainda mais dinheiro qual o caminho mais rápido? Fundar um banco. E foi o que fez Alves dos Reis, que criou, em Junho de 1925, o Banco Angola e Metrópole.
Escusado será dizer que para conseguir o alvará se dedicou a mais uma série de falsificações. Começou aí um período de vida faustosa, com gastos sumptuosos.
No entanto, havia um objectivo ainda por alcançar. É que o Banco de Portugal, na altura, era em parte privado. Por isso, Alves dos Reis aposta na compra de ações para o controlar e, desta forma, cobrir as falsificações e impedir investigações. Não conseguiu, mas esteve perto de controlar a fonte do dinheiro em Portugal.
Alves dos Reis: o princípio do fim
Diz o povo, e com razão, que quando a esmola é grande, o pobre desconfia. E a verdade é que logo em 1925 surgem rumores de que haveria notas falsas em circulação, muito embora os especialistas em contrafação nada tivessem detetado. Alves dos Reis estava descansado.
Até surgir em campo a imprensa, mais precisamente o jornal O Século, o mais importante da altura no país.
Alguns jornalistas, intrigados com o que se passava no mercado cambial, questionavam os empréstimos do Banco Angola e Metrópole a juros muito baixos, não recebendo depósitos.
Juntando as pontas, os jornalista refizeram o novelo e a 5 de dezembro de 1925 o esquema sai a público. Os enormes depósitos de notas de 500 novas em nome do banco de Alves dos Reis noutras casas de câmbio são investigados e é aí que se deteta uma nota duplicada, situação que se iria multiplicar nos dias seguintes.
Prisão e morte
Alves dos Reis foi preso a 6 de dezembro de 1925. Durante o seu tempo na prisão, convenceu um juiz que o Banco de Portugal estava envolvido no esquema e, pasme-se, conseguiu falsificar documentos no cárcere.
Julgado, em 1930, foi condenado a 8 anos de prisão e 12 de degredo. Acabou por ser libertado em 1945. Falido, é de novo condenado por uma burla, desta vez com a venda de café angolano. Morre em 1955, vítima de ataque cardíaco.
Alves dos Reis teve tudo e ficou sem nada. Tudo conseguiu, nada manteve. Passou à história como o maior burlão da história portuguesa, embora face ao que foi acontecendo no país desde o seu grande golpe até aos dias de hoje isso seja discutível…
Alves Reis, uma história portuguesa – Francisco Teixeira da Mota (Oficina do Livro)
Alves dos Reis, burla à portuguesa – Alexandre Honrado (Edições Asa)