O Mundial de Ralis está de volta ao nosso país, entre 11 e 14 de maio, e Arganil, uma das mais míticas etapas do rali de Portugal, está de volta à ribalta internacional.
Depois de muitos anos de hiato, o frenético e potente som dos motores, que continuou na mente dos aficionados do Rali, voltou a ouvir-se na Serra do Açor.
Para quem não sabe, esta pequena vila é toda ela rali. As excursões dos mais ferrenhos adeptos da modalidade, com muita comida e bebida à mistura, começam dias antes da prova e ao fim de algumas horas, todos parecem conhecer-se há muito.
É uma forma única de vive o automobilismo, numa região que tem créditos firmados na história da velocidade em Portugal. Conheça agora um pouco da história que faz Arganil brilhar no meio da poeira e perigosos precipícios.
Arganil, a capital do rali em Portugal
A pequena vila de Arganil situada no centro de Portugal tornou-se mundialmente conhecida devido aos ralis.
Até ao regresso, em 2019, cativou e apaixonou os arganilenses entre 1967 e 2001 e trouxe ao país milhares de adeptos nacionais e internacionais, ano após ano, com o Mundial da especialidade a deslocar-se anualmente às serras circundantes à vila.
Por aqui passaram pilotos que fizeram a história do Rali, como Mikkola, Alen, Salonen, Sainz, Kankkunen, Auriol, Biasion, Makinen, McRae, Burns.
Mais recentemente, a vila recebeu Ogier, Neuville, Latvala, Tanak, Sordo, Lappi. Pilotos nacionais como Fernando Peres, Rui Madeira, Carlos Bica, Joaquim Santos, José Carlos Macedo, José Miguel Leite Faria, Pedro Azeredo, entre muitos outros, também fazem parte da história de Arganil.
Registos à parte, a verdade é que as colinas por trás da vila há muito são um fabuloso parque de diversões para pilotos de ralis, já que as estradas são enormemente excitantes, tanto para os pilotos, como para os espetadores.
Além disso, os troços desta etapa permaneceram um mistério ao longo dos anos. O facto de as estradas nas colinas não estarem registadas, fez de Arganil um mistério irresistível para os estrangeiros.
Mas o que tem Arganil tão de especial?
Para reforçar esta mística, nada como recordar as palavras de Carlos Bica, antigo piloto e o primeiro a sagrar-se campeão nacional quatro vezes consecutivas, entre 1988 e 91, ao jornal “O Minho” em 2019:
Os de Fafe gostam muito de dizer que a ‘catedral’ é lá, mas, nos ralis, a ‘catedral’ de Portugal é Arganil e sempre o foi, desde o tempo do Londres – México (…). E eu, no estrangeiro, quando digo que sou de Arganil, todas as pessoas falam do rali.
Contudo, não foi de um dia para o outro que Arganil ganhou a sua mística. Desde o seu início, em 1967, que conta com feitos dignos da história dos ralis.
- No ano de estreia da etapa, Jean Pierre Nicolas (Renault 8 Gordini) vence.
- Em 1968, nada menos que 44 equipas desistiram na ligação Góis-Arganil.
- Um ano mais tarde, em 1969, o inglês Tony Fall destaca-se “misteriosamente”. Uma das muitas histórias da prova.
- Em 1977, a Câmara Municipal de Arganil passou a oferecer um prémio monetário ao piloto que fizesse o melhor tempo no cômputo das duas passagens. Giovanni Salvi, em Ford, foi o piloto contemplado.
- Em 1978, Hannu Mikkola (Ford) venceu Arganil 1 e 2, mas Markku Alen (Fiat) levou a luta até Sintra e venceu o rali.
- Já 1979 foi o ano em que mais quilómetros se percorreram nos caminhos de Arganil. A juntar à tradicional versão de 43Km, correu-se neste ano outra versão, Fajão-Arganil, com 45,5Km, terminando também perto de Folques.
A título de curiosidade, alguns dos maiores engarrafamentos de trânsito de espetadores na história do Mundial de Ralis registaram-se em Arganil.
1980: o mistério Markku Alen e Walter Rohl
Dentro dos episódios de toda a história de Arganil, enquanto prova do rali de Portugal, este tem de ser destacado dos restantes.
Era 1980 e um par de Fiat 131 Abarth abordava a prova lusa do Campeonato do Mundo, não com uma mas com duas ‘lendas’ de serviço: Markku Alen e Walter Rohrl. O finlandês, com três vitórias em solo lusitano no seu currículo, era o favorito ao triunfo, liderou no começo do rali, mas apenas numa especial.
Como contou Rohrl, “na altura era novo na equipa e Alen era o Sr. Portugal, tinha ganho tantas vezes e andava sempre depressa neste rali – e daquela vez era o mesmo”.
É então o momento em que chega Arganil, uma extensão que ia ser disputada sob condições climatéricas muito difíceis. Algo que parece não ter amedrontado Rohrl, que, contando com o nevoeiro, fez cinco vezes um trabalho de reconhecimento.
“Sabia que o nevoeiro viria, por isso treinei esta especial mais do que qualquer outra. (…) Passei a conhecê-la bem. Tão bem que pude deitar-me, fechar os olhos e fazê-la na minha mente. Quando abri os meus olhos estava no final da especial”.
E Rohl fez isso mesmo, sabendo de cor as curvas e as retas daquela classificativa, apesar dos seus 44 km. Mesmo assim sem quaisquer pontos de referência, escondidos pelo nevoeiro.
“Parei o relógio e o tempo era o mesmo que eu tinha feito. Era 3m48s mais rápido do que todos os outros”, asseverou o piloto alemão. Este é um dos capítulos mais famosos da história da passagem do Rali de Portugal por Arganil.
E o presente?
Tal como referido no primeiro parágrafo, em 2019, esta etapa voltou com toda a força. E, com ela os troços de piso demolidor, a temível ronda de Arganil, o palco de derradeiros duelos entre pilotos, que tão desportivamente decisivos se tornaram na prova.
O estónio Ott Tanak, em Toyota Yaris, venceu a 53.ª edição do Rali de Portugal, acabando por conquistar o primeiro campeonato da sua carreira no final do ano.
De lá para cá, Arganil não mais saiu do roteiro do Rali de Portugal. Este ano não foge à regra e, uma vez mais, são esperadas milhares de pessoas para ver passar as grandes máquinas da atualidade.