Share the post "Artigo 13: a Internet não vai desaparecer, mas pode mudar muito"
O Artigo 13 faz parte de um pacote legislativo que está em discussão no Parlamento Europeu para melhorar a protecção dos direitos de autor na Internet, dentro da União Europeia.
O objectivo inicial parece meritório: alterar a situação que se vive um pouco por todo o mundo no que diz respeito à protecção dos direitos dos autores dos conteúdos publicados online, situação que o Presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, classificou de verdadeiro “faroeste digital”.
Atualmente, já existem alguns tipos de protecção que tentam garantir que os criadores que música, vídeo, imagens e sons originais, consigam receber algum retorno pela sua criatividade divulgada online. Costumam derivar da legislação própria aplicada noutras áreas, como a publicação de livros, filmes ou fotografias. Mas estas opções já se revelaram bastante inúteis no que diz respeito à web, porque não existem mecanismos eficazes para fiscalizar e aplicar a lei.
Prova disso é que junto dos mais jovens, a noção de direito de autor ou da necessidade e dever de retribuir e dar retorno aos autores dos materiais que se partilham online é quase inexistente. E foi precisamente junto deste público que o alarmismo e o maior pânico se gerou face ao novo Artigo 13. Mas o que está verdadeiramente em causa nesta proposta de legislação?
O que é o Artigo 13?
Tal como veio da União Europeia a iniciativa de proteger a privacidade dos dados pessoais dos utilizadores da Internet, chegou agora uma tentativa de proteger os autores de conteúdos publicados na web. E como? Criando duas novas “figuras” no mundo digital: a link tax (taxa dos links) e o upload filter (filtros de upload).
Link Tax: plataformas pagam para ter conteúdo
O objectivo é garantir que artistas, intérpretes, autores, editores de notícias e jornalistas sejam pagos pelo seu trabalho quando este é partilhado em plataformas como o YouTube e o Facebook, ou por agregadores de notícias, como o Google News. Sendo assim, estas plataformas teriam de negociar acordos com os autores sobre a utilização dos seus conteúdos.
Com a nova lei aprovada, se um criador de conteúdo web partilha links de outros criadores e com essa partilha vai ganhar dinheiro, ele teria de repartir os seus ganhos com os criadores originais.
Esta seria uma forma de remunerar os direitos de autor a partir das receitas publicitárias geradas pelas redes sociais e agregadores de conteúdos. Por exemplo, o Google teria de celebrar acordos de licenciamento com autores e pagar os respetivos direitos autorais de todas as imagens que contenha no seu motor de busca.
Upload filters: para detectar conteúdo sujeito a direitos de autor
Para que a link tax possa funcionar, as plataformas digitais e os agregadores de conteúdo, teriam de criar um sistema de filtragem dos uploads que recebem, para conseguir analisar e identificar se o conteúdo em upload é passível de estar protegido por direitos de autor. Só assim conseguiria identificá-lo e garantir que uma parte das receitas geradas pela visualização desse conteúdo na sua plataforma seria partilhada com o titular desses direitos.
Sendo assim, com a nova lei, plataformas como o Facebook, YouTube, Twitter e Instagram, teriam de ter estes mecanismo criados para limitar a partilha dos conteúdos que não estivessem autorizados pelos seus autores. Por exemplo, músicos que façam covers de músicas conhecidas podem ter o seus vídeos bloqueadas pelo YouTube se este detectar que essa cover não é autorizada pelo autor da música original.
O que pode mudar se a lei for aprovada?
Menos conteúdo online vs. mais conteúdo justo
As novas directivas passam a responsabilizar as plataformas de vídeos e redes sociais pela filtragem dos conteúdos. São elas que têm de celebrar os acordos com os titulares dos direitos de autor e, no futuro, seriam estas plataformas a ser responsabilizadas por qualquer violação dos mesmos.
E é aqui que reside a primeira grande crítica a esta proposta. Pensando no exemplo do YouTube, no actual modelo de “faroeste” são carregados para a plataforma mais de 400 horas de conteúdo por minuto.
É fácil de perceber que analisar todos os vídeos sob esta nova perspectiva envolveria consideráveis esforços e recursos. É por isso igualmente fácil de prever que, como resultado mais provável e imediato desta exigência, a plataforma passe a bloquear os conteúdos e uploads nos quais a dificuldade em identificar os titulares dos direitos de autor envolvidos iria atrapalhar as suas metas financeiras.
O resultado pode ser que muitos dos actuais vídeos, imagens e músicas divulgados online poderão passar a estar bloqueados. Em contrapartida, saberíamos que todo o conteúdo disponível online estaria a dar retorno financeiro para quem o criou, dando-nos a nós, pequenos utilizadores que apenas partilhamos conteúdo sem obtermos retorno financeiro dessa partilha, liberdade para o continuarmos a fazer sem qualquer custo acrescido e sem sentimentos de culpa.
Críticas ao Artigo 13
Um filtro que pode proteger, mas também segregar
O grande desafio está na construção dos filtros que as plataformas vão criar, e na capacidade que esses filtros terão de, por exemplo, fazer a distinção entre conteúdo modificado (memes, paródias, etc.) e conteúdo original, ou em identificar claramente uma cover não autorizada.
É fácil perceber que as plataformas, com os interesses financeiros que as movem, vão privilegiar nos seus filtros os grandes criadores dos quais já dependem, ficando sem tempo e interesse em investir nos filtros que podem analisar os pequenos produtores de conteúdos, que ainda não lhes dão receitas via publicidade.
Para alguns, esta situação transformaria uma lei que pretende ajudar os criadores numa espécie de máquina que geraria uma forte segregação dentro das plataformas, fazendo com que pequenos canais de divulgação possam fechar ou pelo menos, demorar mais tempo a ganhar popularidade.
Nada que já não aconteça um pouco, graças aos algoritmos utilizados no actual modelo de comunicação gerido pelo verdadeiro oligopólio Google e Facebook, mas que até aqui ainda mantinha algumas réstias do original espírito “random” e anárquico dos criadores da Internet.
Autores vs. utilizadores
E foi precisamente Tim Berners-Lee, o criador da World Wide Web, e Jimmy Wales, fundador da Wikipédia, que já vieram questionar este novo projecto de lei, alertando para o facto da Internet se poder tornar mais um meio de vigilância automatizada, que acaba por controlar os utilizadores. Do lado deste dois famosos encontramos muitos parlamentares europeus e jovens YouTubers que já lançaram campanhas como a #SaveYourInternet.
No extremo oposto, temos os autores e músicos que já vieram defender a legislação, dando-lhe as boas-vindas, já que há muito defendiam a necessidade de serem criados mais e melhores mecanismos que pudessem proteger os conteúdos que produzem.
Ainda está tudo em discussão
Neste momento ainda nada é definitivo e a lei só vai a votação final no inicio de 2019. Se a Internet vai deixar de ser livre sob o disfarce da protecção dos direitos de autor, é ainda um capítulo por escrever na história da World Wide Web. Tal como o capítulo que conta a história de como uma lei europeia conseguiu pressionar os gigantes da comunicação a partilhar os seus rendimentos com os utilizadores e criadores do seu rentável conteúdo, obrigando-os a mudar o modelo de negócio.
Para muitos, o que está em causa é uma tentativa da União Europeia para tentar remediar alguns dos pontos mais negativos que existem no modelo de vida e comunicação online actual.
Se essa tentativa vai falhar e ainda vai tornar esse modelo mais negativo do que já é, ainda não sabemos e, para contrariar esta tendência, é importante manter aberta a discussão. Contribuir, sem alarmismo e pânico, para debater o que está verdadeiramente em jogo nesta discussão pode ajudar a que a Internet evolua para ser mais eficiente e justa.
Esta é também uma boa altura para alertar os utilizadores digitais mais distraídos sobre as questões da justiça na partilha dos rendimentos conseguidos à conta da criatividade alheia e para a forma como os gigantes das plataformas actuam no que diz respeito à seleccção e distribuição de conteúdos. A Internet não vai acabar, mas podemos e devemos participar na discussão de como queremos que ela seja no futuro.