Uma onda de consternação assolou o Brasil e o Mundo quando se soube do acidente que vitimou Ayrton Senna. Para além de um extraordinário piloto de F1, também se perdeu um Homem reto e sensível.
O Grande Prémio de San Marino de 1994 decorreu no dia 1 de Maio, em Ímola, Itália. A curva Tamburello, uma das mais desafiantes do circuito, assistiu a um dos 4 acontecimentos que assombraram a prova, mas sem dúvida, o embate do Williams FW16 no muro de betão foi um dos mais dramáticos da Fórmula 1 e do desporto motorizado em geral.
Em 2021 comemoram-se 27 anos de saudade daquele que foi, para muitos, o melhor piloto de todos os tempos.
GP de San Marino de 1994: o fim de semana mais trágico de sempre da F1
O primeiro acidente registado nesse fatídico fim-de-semana foi o do também brasileiro Rubens Barrichello (na altura ainda na Jordan Hart), que aconteceu durante os treinos-livres, na designada variante baixa, enquanto circulava a 220 km/h.
O piloto ficou ferido com pouca gravidade. Depois de assistido na pista, foi transportado para o hospital de Bolonha. No entanto, não viria a participar na prova por aconselhamento médico.
O segundo acidente desse mesmo fim-de-semana aconteceu a 30 de Abril, durante a qualificação para o Grande Prémio, e provocou a morte de Roland Ratzemberger (num Simtek Ford).
O piloto austríaco perdeu o controlo do seu monolugar na curva Villeneuve enquanto circulava a 314,9 km/h após a sua asa frontal se ter desintegrado, fazendo com que este perdesse o controlo do seu carro e batesse com enorme violência num dos muros da pista.
Este acidente deixou todo o pelotão da Fórmula 1 muito abalado, mas em especial Ayrton Senna, como contou na altura o médico Sid Watkins, que terá pedido ao piloto brasileiro para o ajudar a cancelar a prova. Mas, esta acabaria mesmo por se realizar, apesar dos alertas dados por Ayrton Senna sobre as pobres condições de segurança do circuito italiano.
Ainda uma outra circunstância manchou o GP de F1 de San Marino. O acidente na grelha de partida entre JJ Letho (Benetton) e o português Pedro Lamy (Lotus). No momento da partida, o primeiro não arrancou e o piloto português bateu em cheio na traseira do Benetton. A violência do impacto fez com que um pneu se soltasse e ferisse nove pessoas na bancada ao atravessar a cerca de proteção da pista.
O acidente de Senna
Após isto, a corrida retomou e deu-se o fatídico acidente de Ayrton Senna, que sai da reta a 210 km/h embatendo violentamente no muro da curva Tamburello. O carro número 2 da Williams, com o embate, rodopia e quase volta à pista.
Apesar da prontidão da assistência e de todo o empenho do médico da F1, Sid Watkins, e da equipa do clínico, o tricampeão do mundo viria a falecer, aos 34 anos, devido às múltiplas lesões sofridas.
Ayrton Senna: apaixonado por velocidade desde criança
Com uma legião de fãs espalhada pelo mundo, Ayrton Senna da Silva começou cedo a interessar-se pela velocidade e pelo mundo do desporto automóvel. Natural de São Paulo (Brasil), filho de Neyde Senna e de Milton da Silva, o jovem desde cedo foi incentivado pelo pai para a competição automóvel.
Aos 4 anos, Senna já mostrava dotes de piloto ao volante de um kart. Aos 9 conduzia jipes com grande agilidade e aos 13 anos já participava em competições oficiais.
Primeira vitória definiu o futuro
O que Ayrton Senna viria a ser ficou definido em 1977 quando conseguiu a primeira vitória numa competição oficial. Foi nesse momento que o então jovem piloto decidiu que era naquele mundo que queria viver.
Aplicado, disciplinado e senhor de uma grande inspiração, dedicou diariamente muitas horas ao treino. Em 1981 começou a competir na Europa, sagrando-se campeão inglês de Fórmula Ford 1600, ao conquistar 12 vitórias em 20 corridas.
Dois anos mais tarde conquistou o título de campeão inglês de Fórmula 3, na equipa Dick Benners, com 13 vitórias em 21 corridas.
Ayrton Senna triunfou ainda naquele que é uma das mais desafiantes corridas do desporto automóvel, o Grande Prêmio de Macau, alinhando pela Teddy Yip’s Theodore Racing Team. Num ascendente impressionante aproximou-se rapidamente da disciplina rainha: a Fórmula 1.
Fórmula 1 abre portas ao piloto brasileiro em 1984
O ano de 1984 marca o ingresso do piloto brasileiro na F1 ao volante de um Toleman. Apesar de pouco competitivo, o Toleman permitiu a Ayrton Senna conquistar o primeiro ponto no seu terceira corrida, no GP da África do Sul, repetindo o resultado na prova seguinte, na Bélgica.
Ayrton Senna por apenas uma vez não conseguiu garantir a participação numa prova. Algo que aconteceu, curiosamente, no mesmo GP de San Marino, em 1984.
“Beco”, como era carinhosamente conhecido em criança, viria a redimir-se no GP do Mónaco de 1984, ao conseguir uma incrível qualificação que lhe permitiu partir do 13.º lugar, e, numa pista onde ultrapassar é quase impossível, chegou com relativa facilidade ao 3.º lugar. Chovia copiosamente, condições que, como era sabido, eram do agrado de Ayrton Senna e onde se sentia “um peixe dentro de água”.
Após ultrapassar Niki Lauda e conquistar o 2º posto, Ayrton Senna chegou-se a Alain Prost, líder da prova. A pertinência da chuva ditou a interrupção da corrida por motivos de segurança numa altura em que Senna já tinha passado o piloto francês. Mas, as regras ditam que nestes casos a classificação que conta é a da volta anterior.
Não consegui ultrapassar o francês, mas conquistou assim o seu primeiro pódio da Fórmula 1, ao volante de um modesto Toleman. A este pódio somaria, neste ano, mais dois. E o piloto brasileiro começava a chamar a atenção “dos grandes”.
Passagem pela Lotus: anos de ensinamento
“Quando penso que já cheguei ao meu limite, descubro que tenho forças para ir além”.
– Ayrton Senna
As temporadas seguintes, 1985, 1986 e 1987 Ayrton Senna passou-as na Lotus. O carro, com pintura em cor preta e grafismos em dourado (ouro) chamava a atenção.
O primeiro ano foi marcado por algumas vitórias, mas também por momentos de frustração, pois a máquina fazia bons tempos nos treinos, mas nas provas, acabava por sucumbir deixando Ayrton longe do seu objetivo. Ainda assim, em 1986 conquista um segundo lugar em casa, no GP do Brasil.
No ano seguinte apercebendo-se das limitações do motor do Lotus, o piloto brasileiro explora outros caminhos para chegar aos lugares de topo. Nesse sentido, em prova, adia a troca de pneus face aos seus adversários conquistando preciosos lugares.
A temporada de 1987 começa com novo patrocinador e novas possibilidades. Mas, o sucesso não chegou e Ayrton acaba por assinar pela McLaren.
A chegada à McLaren e a conquista de 3 títulos mundiais
“Correr, competir, eu levo isso no meu sangue. É parte de mim. É parte de minha vida”.
– Ayrton Senna
Era desta forma que Ayrton Senna se descrevia como piloto. E encaixa perfeitamente no espírito com que chega em 1988 à McLaren. Ao lado de Alain Prost, no primeiro ano enquanto equipa, os dois pilotos conquistam 15 das 16 provas, com Senna a conseguir o primeiro título mundial de pilotos.
No entanto, a relação com Prost nem sempre foi amigável, e 1989 marca um ano de guerra psicológica entre os dois. Alain Prost conquista o seu tricampeonato (GP Japão), mas, as disputas em pista eram cada vez mais agressivas.
No ano seguinte, 1990, a temporada arranca com os dois pilotos em equipas diferentes. Ayrton mantém-se na McLaren e Prost muda-se para a Ferrari. E, foi precisamente no GP do Japão, onde no ano anterior tinham tido uma disputa em pista, que os dois pilotos voltam a esgrimir posições, só que desta vez com vantagem para Ayrton Senna que conquista o segundo título mundial de pilotos, a que se seguiu um terceiro título no ano de 1991.
Anos seguintes pouco estimulantes levaram Ayrton para a Williams
As temporadas seguintes mostraram a Ayrton Senna as fragilidades das máquinas da McLaren que pouco a pouco perderem competitividade para outras escuderias.
Na altura ainda equacionou mudar-se para a Fórmula Indy, mas tal não aconteceu. O passo lógico era assinar pela Williams, mas a animosidade que tinha com Alain Prost mantinha-se e, enquanto este estivesse na equipa, a mudança não aconteceria.
Terminar a temporada de 1993 no segundo lugar no campeonato abriu finalmente a porta para a entrada na Williams, equipa pela qual ansiava correr e onde se ofereceu até para correr sem receber ordenado.
Uma cláusula contratual com Alain Prost impedia que a Williams contratasse Ayrton, mas o piloto francês teve conhecimento da intenção da Williams em contratar o brasileiro e acabou por retirar-se.
Na Williams e com uma pré-temporada prometedora, Ayrton Senna estava optimista, apesar de ter afirmado que o carro era por vezes instável. O início da temporada não foi animador, talvez prenúncio do que estaria para acontecer…
Ayrton Senna: o homem para além do piloto
“Não sei conduzir de outra maneira que não seja arriscada. Quando tiver de ultrapassar vou ultrapassar mesmo. Cada piloto tem o seu limite. O meu é um pouco acima do dos outros”.
– Ayrton Senna
O exímio piloto de Fórmula 1, que conduzia com mestria à chuva, não vivia só para as corridas. Manifestava interesse ainda pelos jet skis, motos, aeromodelismo e também por helicópteros.
Além de administrar diversas marcas e empreendimentos, o piloto patrocinou vários programas filantrópicos que tinham por objetivo ajudar crianças carenciadas.
Após a sua morte, a sua irmã Viviane Senna fundou o Instituto Ayrton Senna, cujo fim é oferecer oportunidades de desenvolvimento a crianças e jovens mais necessitados.
Senninha para ensinar os ideais de Ayrton
Para divulgar os ideais que defendia, a dedicação e gosto pela vitória foi criada a personagem Senninha com o objetivo de fazer chegar estes ensinamentos ao público infantil ajudando a modelar melhores seres humanos no futuro.
Por mais de uma vez e por instituições e entidades díspares, bem como por profissionais de comunicação social, Ayrton Senna foi considerado o melhor piloto da história da Fórmula 1, tendo mesmo sido eleito pela revista “Isto É” como desportista do século XX no Brasil.
Livro para ensinar gerações vindouras. Filme para imortalizar o melhor piloto
Durante a sua vida o piloto fez questão de preservar e dar a conhecer ensinamentos de condução. Preocupado com a segurança, quer dos circuitos, quer enquanto piloto, escreveu em 1991 um livro sobre técnicas de pilotagem de automóveis de corrida.
A obra intitulada “Guidare in Pista”, da Editora La Mille Miglia Editrice, foi editada posteriormente em inglês “Ayrton Senna’s Principles of Race Driving”, Editora Hazleton Pub e, também em português “A Arte de Pilotar”, Editora Globo (1993).
A sua vida deu também origem a filmes como: “Senna: O Brasileiro, o Herói, o Campeão”, um documentário com co-produção de França, Brasil, Reino Unido e Estados Unidos.
Os títulos de Ayrton Senna: dentro e fora de pistas
Durante a sua vida e também postumamente, Ayrton Senna foi distinguido com algumas das mais altas condecorações atribuídas pelo Estado brasileiro.
- Medalha do Mérito Santos-Dumont – 1987;
- Título de Benemérito do Estado do Rio de Janeiro – 1988;
- Título de Jaguar da Força Aérea Brasileira – 1988;
- Medalha da Ordem do Mérito Esportivo do CND – março de 1990;
- Título de cidadão honorário do Rio de Janeiro concedido pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – 1991;
- Comenda da Ordem de Rio Branco da Presidência da República – 14 de fevereiro de 1992;
- Medalha da Ordem do Mérito Aeronáutico – Grau de Cavaleiro – 1993;
- Ordem do Ipiranga no grau de Grão-Cruz. (Póstuma) em 1994;
- Ordem Nacional do Mérito – Grau de Grã-Cruz. (Póstuma) em 1994;
- Grau de Grã-Cruz da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho. (Póstuma) em agosto de 1994.
Para a memória: Ayrton Senna
- 161 – Grandes prémios disputados;
- 65 – Pole Positions;
- 41 – Vitórias;
- 2982 – Voltas na Liderança;
- 19 – Voltas mais rápidas;
- 3 Títulos de Campeão Mundial.
“Ele foi o melhor piloto que já existiu”.
– Niki Lauda