Share the post "Ayrton Senna: o prodígio que deu um recital à chuva em Portugal"
Ayrton Senna foi o melhor piloto que eu vi. Ponto. Não arrisco dizer que foi o melhor de sempre, até porque é um debate para o qual nem sequer estou habilitado. Estas escolhas estão no domínio da irracionalidade e cada um terá a sua.
A verdade é que a Fórmula 1 se transformou radicalmente nos últimos anos, pelo que é normal que se sinta uma certa nostalgia com o piloto brasileiro que a 21 de abril de 1985 vencia em Portugal o primeiro grande prémio de uma carreira gloriosa, precoce e tragicamente terminada.
As primeiras memórias, se bem que difusas, que guardo da Fórmula 1 vão até às inebriantes voltas de Gilles Villeneuve, à condução nervosa, mas espetacular, de Didier Pironi ou o professoral Alain Prost, pouco apreciado em Portugal por duas razões simples: a condução cerebral e a nacionalidade francesa. E depois apareceu Senna.
Sim, também havia Nelson Piquet, Keke Rosberg, Michelle Alboreto, enfim, uma galeria de grandes condutores. Só que Ayrton Senna era diferente. Por isso, vamos fazer uma viagem até um dia louco no Autódromo do Estoril, nos tempos em que o circo da Fórmula 1 passava regularmente por terras lusas.
ayrton senna: um piloto nato
A primeira coisa que toda a gente recorda desse grande prémio é a intempérie que se abateu sobre o autódromo. Logo que chegaram os resultados dos primeiros treinos, percebeu-se que algo diferente estava para acontecer.
Estávamos nos tempos pré-internet e a única forma de saber os tempos dos pilotos era acompanhar treinos e corrida em direto pela televisão, sempre com a narração das autorizadas vozes de Adriano Cerqueira ou Domingos Piedade (ambos já desaparecidos).
Logo na qualificação, Ayrton Senna, ao volante do inesquecível Lotus-Renault preto e dourado, assumiu a pole-position, reservando os outros dois lugares do pódio para Alain Prost (McLaren-Tag) e Keke Rosberg (Williams-Honda).
Na grelha de partida ainda figuravam nomes enormes da história do automobilismo, como Niki Lauda, Nelson Piquet ou Gerhard Berger. Mas o brasileiro da Lotus começou logo ali a escrever a história da corrida.
Corrida sob chuva intensa
No dia do grande prémio, uma bátega de água inacreditável fustigou o Estoril sem piedade e Ayrton Senna aproveitou para um verdadeiro recital de condução à chuva.
E não foi um acaso, note-se. Senna haveria de demonstrar mais vezes ao longo da carreira que conduzia como ninguém um carro de Fórmula 1 em condições meteorológicas adversas.
É que já no ano anterior, 1984, Senna tinha dado uma lição de condução debaixo de chuva no mítico Grande Prémio do Mónaco. No entanto, o carro que pilotava era um muito limitado Toleman, mas o piloto brasileiro ficou logo debaixo de olho.
Em Portugal, e já ao volante de um bem mais competitivo Lotus-Renault, lançou-se para um verdadeiro espetáculo motorizado, fazendo 67 voltas ao circuito com o à vontade de quem rola em asfalto seco num dia de sol.
Contudo, nem começou bem o Grande Prémio de Portugal, uma vez que antes da corrida o motor Renault rebentou e Ayrton Senna chegou a pensar que não seria ainda ali que subiria ao lugar mais alto do pódio.
No entanto, os mecânicos conseguiram, em contra-relógio, arranjar o motor, surgindo ao mesmo tempo um dos maiores aliados do piloto: a chuva.
Acidentes e desistências
A prova ficou marcada por uma série de acidentes e muitas desistências. O primeiro foi Jonathan Palmer (ao volante de um Zakspeed), mas depois sucederam-se os abandonos. Ricardo Patrese, Andrea de Cesaris, Jacques Laffite, Philippe Alliot, Niki Lauda, Alain Prost ou Keke Rosberg são apenas alguns dos nomes que foram ficando pelo caminho.
Dos que terminaram a corrida, só Michele Alboreto, em Ferrari, conseguiu terminar na mesma volta que Senna. Todos os outros (Elio de Angelis, Nigel Mansell ou Stefan Johansson) foram brindados com voltas de atraso em relação ao brasileiro.
ayrton senna: glória interrompida
O carro que Ayrton Senna pilotou nesse ano era o Lotus 97T, uma evolução do 95T do ano anterior, equipado pelo motor Renault V6 Turbo e pneus Goodyear.
Com o patrocínio da John Player Special, o carro tornou-se um ícone, com o seu desenho simples, mas inovador em termos aerodinâmicos, e a cor preta, com letras douradas, que o tornavam rapidamente identificável em qualquer ponto da pista.
No entanto, não era um carro muito confiável sob o ponto de vista mecânico, levando Ayrton Senna a muitas desistências (seis, mais concretamente), que lhe custaram a possibilidade de logo ali discutir o Mundial de Pilotos.
O resto, como se costuma dizer, é história. Ayrton Senna venceria 41 grandes prémios ao longo da carreira, conquistando três campeonatos mundiais de condutores. Acabaria por morrer ao volante de um Williams, num chocante acidente no Grande Prémio de San Marino, no circuito italiano de Imola, a 1 de Maio de 1994.
Goste-se ou não do estilo, Senna ascendeu por direito próprio ao panteão dos grandes pilotos da Fórmula 1, ao lado de nomes como Juan Manuel Fangio, Jim Clark ou, mais recentemente Michael Schumacher. Uma vida inesquecível, vivida a uma velocidade estonteante.