Nos antigos livros da escola, o Alentejo era o celeiro de Portugal. Mas podemos dizer que há vários “alentejos”, desde o mar até às serranias. O Baixo Alentejo, esse era uma terra de planícies sem fim, onde as searas se multiplicavam e o bafo quente do estio se fazia sentir a cada esquina. Havia quem jurasse que mesmo no pico do inverno era verão.
Esta é uma viagem por terras onde as jornas de sol a sol deram lugar a um vasto território onde se podem conhecer recantos que julgávamos impossíveis, onde em qualquer tasca se come de forma superior e onde o visitante que chega por bem é sempre bem recebido. Bem-vindo ao Baixo Alentejo.
Baixo Alentejo: história, vinhos e gastronomia
O termómetro do carro aponta para temperaturas pouco comuns para quem vem do inconstante (para não dizer frio) Norte. A amaldiçoar os dias quentes do Baixo Alentejo, aquele que cola a roupa ao corpo, seguimos por uma estrada que parece não ter fim, sem nenhuma placa, nenhuma paragem, ninguém para nos indicar que é já ali. Mesmo que esse já ali demore uma imensidão de tempo.
O carro lá foi rolando, preguiçoso, e eis damos por nós a meia dúzia de quilómetros da Vidigueira. Salvos pelo gongo, pensamos. E não é que estávamos certos? Logo à entrada da vila saciamos a sede, mata-se a fome e damos entrada num Alentejo onde cada hora parece uma eternidade.
Dominado por uma estátua de Vasco da Gama, cujos restos mortais aqui permaneceram entre 1539 e 1880, o centro da Vidigueira é o ponto de partida para uma rápida visita a um concelho que tem na excelência dos seus vinhos um dos grande cartões de visita. As ruínas do castelo, a igreja da misericórdia, as ruínas romanas de São Cucufate ou o Miradouro da Ermida de São Pedro são algumas das atrações que merecem uma visita. Havendo tempo e disposição para enfrentar o calor.
Sentado à mesa, com um fenomenal Calducho à frente, esforço-me por pensar o que tenho em comum com esta terra. É então que me lembro que foi para a Vidigueira que sumiu um amor de adolescência, daqueles que ao fim de três dias julgamos serem para toda a vida, mas que afinal apenas duram uma semana. Pés ao caminho que o passado é museu.
Beja: a capital
Quem vem a somar quilómetros pelo Baixo Alentejo, chegar a Beja é quase rendentor. A estrada, que parece ter vida própria, finalmente dá descanso e deixa-nos numa cidade repleta de história. Capital da região, tem pouco mais de 23 mil habitantes (o que faz dela um espelho do que é hoje o Alentejo), e tem vindo a ter no turismo uma eficaz mola de desenvolvimento.
A Torre de Menagem do castelo de Beja é o primeiro ponto de contacto com a cidade, a que se junta um périplo pelo património, como o Carmelo do Sagrado Coração de Jesus, a Ermida de Santo André ou a vila romana de Pisões. São vestígios de uma história cujos primeiros sinais se situam 400 anos antes de Cristo, mais concretamente no tempo dos celtas.
E depois há o amor. Outra vez, o omnipresente amor. Terá sido em Beja, no século XVII, que a freira Mariana Alcoforado se apaixonou pelo oficial de cavalaria francês Conde Chamilly, tendo-lhe enviado cinco cartas apaixonadas, publicadas pela primeira vez em Paris, em 1669. A obra, denominada Cartas Portuguesas, tornou-se um clássico e a prova de que o amor não escolhe idade, raça ou convicção religiosa.
Ervidel e a Barragem do Roxo
Dentro do carro ninguém sabe porquê, mas o trajecto seguinte levou-nos até Ervidel. Não há muito que recomende esta freguesia do Baixo Alentejo. Os guias são quase omissos. Mas quando se dá de caras com a albufeira do Roxo, rapidamente percebemos a injustiça. Ou, pelo menos, agradecemos que nem toda a gente esteja a par de uma paisagem destas.
Sempre que entramos no Baixo Alentejo temos a sensação de que a qualquer momento a sede nos vai vencer e que não haverá água durante quilómetros. São sugestões cinematográficas, que desaparecem assim que esta massa de água nos aparece à frente dos olhos.
A albufeira do Roxo é um verdadeiro paraíso, e Ervidel como que o seu centro. Os vinhedos do bom vinho alentejano sucedem-se e os olivais denunciam aquele que muitos consideram um dos melhores azeites do mundo.
O cante de Aljustrel
O que nunca nos podemos esquecer é que Ervidel é parte do concelho de Aljustrel e dificilmente se encontram melhores exemplos do espírito alentejano do que nesta terra batida pelo calor e por uma hospitalidade sem igual. De repente, parece que o cante alentejano ecoa em cada edifício, que as paredes caiadas contam histórias e, claro está, que a gastronomia é uma dádiva dos deuses. Mas já lá vamos.
Mesmo com a temperatura a subir, o castelo de Aljustrel, o Cerro da Magancha, o Moinho de Vento ou a Ermida de Nossa Senhora da Assunção de Messejana, são atrações obrigatórias, antes de um opíparo jantar, onde gasalhos, migas, açordas, cozidos de grão e ensopados deitam por terra qualquer veleidade de dietas e afins.
Antes de um merecido descanso, este passeio pelo Baixo Alentejo passa ainda por Minas da Juliana, um pequeno, e típico, povoado alentejano, com meia dúzia de ruas e um sossego surreal, ideal para quem procura momentos de descanso e introspeção. Como o nome indica, trata-se de um antigo couto mineiro, agora vítima de um profundo processo de desertificação.
Mas o espírito do Baixo Alentejo permanece por aquelas bandas e ainda há os resistentes, a maioria deles na freguesia de Santa Vitória, que esperam pacientemente por dias melhores, enquanto o tempo rola devagar.
Baixo Alentejo: desaguar em Mértola
O rumo incerto desta viagem pelo Baixo Alentejo levou-nos, por fim, até Mértola, terra raiana de muitos encantos. Situada numa elevação na margem direita do Guadiana, oferece-se com um longo casario branco, num povoado abraçado por uma secular muralha.
É uma zona onde o turismo é já uma fonte importante de receita para o município, que se vale da sua localização privilegiada para atrair cada vez mais gente a múltiplas atividades, em especial as relacionadas com a natureza.
A viagem termina assim num banco junto ao rio, a observar ao longe Espanha. mas rapidamente se percebe que a hora é de procurar poiso e, mais importante, onde sentar à mesa. Afinal, o peixe do rio ou o gaspacho não se comem sozinhos.