É provável que o leitor seja da opinião de que estudar os benefícios de ler poesia possa contribuir, de alguma forma, para despir esta forma de arte da sua verdadeira essência. Não será o único. A tendência para bipolarizar a ciência e a arte faz parte de uma história com uma longa jornada (se calhar não tão dilatada assim: Leonardo DaVinci não as cisava, bem como muitos dos seus renomados contemporâneos).
À procura dos benefícios de ler poesia
Também não o faz John Maeda, autor e presidente da Escola de Design de Rhode Island: ” as respostas a grandes questões como “o que é verdade?”, “porque é que interessa?”, “como podemos levar a sociedade avante?” são ambas desejadas exaustivamente” quer pela arte, quer pela ciência. A curiosidade, a necessidade de mente aberta e o processo que exige falhar repetidamente são apenas algumas das características que as sobrepõem.
No meu caso pessoal, caio bastantes vezes no hábito – bastante cansativo, confesso – de pesar, em momentos de pausa, os benefícios retirados na seleção entre um hobbie ou outro: surfar ou dedicar-me à horta, ler um romance ou absorver não-ficção.
Poderei culpar o utilitarismo da sociedade e a sua tendência para procurar os resultados práticos imediatos em tudo o que fazemos… ajudará também reconhecer que tenho uma “alma” hippie, enclausurada num cérebro yuppie e que, sendo assim, não há muito a fazer. Se se identifica com a minha condição, poderá imaginar a minha alegria quando encontro informação que ratifica a utilidade dos meus passatempos prediletos.
Posto isto – quis conhecer melhor os benefícios de ler poesia, uma arte ancestral de tradição oral, na origem, e cuja versão escrita terá nascido há pelo menos 4.000 anos.
O efeito “arrepiante” da poesia
Quando
“Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.”
Sophia de Mello Breyner Andresen, in ‘Dia do Mar’
Sentiu um arrepio em algum dos excertos? Saiba que, caso seja um apreciador de poesia, tem 100% de probabilidade de ter vivido esse efeito na pele (leitores pouco regulares responderam da mesmo forma numa média bastante significativa de 76,7%).
Os sinais fisiológicos de resposta a esta arte foram estudados por Winfried Menninghaus (2017), numa investigação que envolveu tecnologia de ponta: electromiografia facial (medição da actividade muscular do rosto), a famosa imagem por ressonância magnética funcional (que detecta variações no fluxo sanguíneo no cérebro em resposta à atividade neural) e até câmaras de alta resolução para capturarem os efeitos do arrepio na superfície da pele.
Entre outras conclusões, observou-se que esta forma de arte é capaz de induzir experiências emocionais intensas, recrutando – aquando do estímulo – o circuito neural básico de recompensa. Curiosamente, este recrutamento está intimamente ligado a sensações negativas, essenciais para a sobrevivência do indivíduo e da espécie, o que pode tornar paradoxal associarmos poesia a bem-estar neste artigo.
De facto, parecem factores que se excluem mutuamente – bem-estar e sensações negativas – mas a verdade é que a poesia induz a um “intenso envolvimento, atenção focada e permanente e potencial de alta memorabilidade”, permitindo assim esta justaposição de emoções e sensações.
O estudo demonstrou também que – ao contrário do que outros sugeriram – a linguagem poética não pode ser substituída por uma arte que se julgava idêntica em relação aos efeitos fisiológicos: a música. Este facto abre possibilidades novas à poesia, dando-lhe espaço e quem sabe, permitindo-lhe outro protagonismo.
Os autores do estudo acreditam que, o facto da poesia estar naturalmente embutida na música (não instrumental) e ser alvo de menor atenção, tem mais que ver com a diminuta exposição desta durante a infância e adolescência, pela forma como é ensinada na escola (demasiadamente analítica) e pelo desconhecimento geral do prazer e forte compromisso emocional que a poesia pode proporcionar.
Poesia terapêutica
Tendo sido alvo de considerável escrutínio por parte da ciência no que diz respeito aos benefícios de ler poesia, estudos encontram evidências de que poderá ser útil:
- No tratamento da depressão;
- No alívio de tendências suicidas;
- No aumento da sensação de bem-estar em doentes graves;
- Como exercício de catarse.
Isto entre outras condições. Agregam-se tantos efeitos que permitiu o nascimento de um novo braço da terapia, a poesia terapêutica. Psicologia pop ou não, é já adoptada em vários hospitais e clínicas um pouco por todo o mundo como tratamento auxiliar, sendo sistematizada e divulgada pela Associação Nacional de Poesia Terapêutica nos E.U.A com as suas raízes em 1969.
Conclusão: ganhe saúde, leia poesia
Resumindo, além do bem-estar geral que irá viver quando ler boa poesia, estará a somar uma interessante estimulação intelectual, melhoria da memória, aumento da capacidade de introspecção e cultura, pelo menos.
Mas acima de tudo, o essencial é que usufrua. Se escreve poesia, vai gostar de uma das frases do poeta e Prémio Nobel Saint John Perse: “À pergunta habitual ‘Porque é que escreve?’, a resposta do poeta será sempre a mais curta: “Para viver melhor’”.
Pergunte-me “Porque é que lê?” e eu parafrasearei de novo Perse: “para viver melhor”.
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