Miguel Pinto
Miguel Pinto
09 Set, 2021 - 10:33

Caipirinha contra a pandemia: uma fantástica história brasileira

Miguel Pinto

Reza a lenda de que a resposta dos brasileiros à pandemia de gripe espanhola, em 1918, foi a invenção da caipirinha. Conheça toda a história.

barman a preparar caipirinha no Brasil
O artigo continua após o anúncio

A caipirinha é quase a bebida nacional do Brasil, tendo-se espalhado um pouco por todo o mundo. O seu sabor refrescante e inebriante conquistou milhões de adeptos e as formas de a confeccionar multiplicaram-se por estilos e sabores.

No entanto, a origem da caipirinha não está diretamente ligada a momentos de diversão, mas antes a um problema sanitário muito parecido com a pandemia da COVID-19 que o mundo recentemente enfrentou.

Assim, para percebermos melhor onde e como nasceu a caipirinha temos que recuar até 1918, ano em que o mundo se debatia com a gripe espanhola, uma pandemia que se acredita tenha dizimado cerca de um por cento da população mundial. Como é óbvio, o Brasil não foi exceção, registando nessa altura cerca de 35 mil mortos, 15 mil dos quais só no Rio de Janeiro, então a capital do país.

Por isso, era importante encontrar uma forma de combater a maleita que estava a arrasar o mundo e os brasileiros não o fizeram por menos: a caipirinha foi uma das respostas à gripe espanhola. Assim, criaram uma bebida que haveria de disseminar-se pelo mundo inteiro a uma velocidade estonteante, resistindo a pandemias, guerras e modas.

CAIPIRINHA: a origem de uma bebida global

Jornal brasileiro nos tempos da gripe espanhola

Reza a lenda que terá sido na cidade de São Paulo (atualmente a maior cidade do Brasil) que se recorreu pela primeira vez a um remédio caseiro para fazer face à gripe espanhola. Assim, a mistura de cachaça, limão e mel foi uma das soluções que os brasileiros tentaram para obstar ao avanço da pandemia. Obviamente que se estava a assistir ao nascimento da caipirinha.

O sucesso foi tal, pelo menos no que diz respeito aos supostos efeitos benéficos que a mistura traria, que o preço dos limões disparou e o fruto quase que desaparece das mercearias. É que uma pandemia pode ser tramada de conter, mas o mercado ganha sempre a sua parte.

Curiosamente, em 1918, uma das peças de teatro com maior sucesso em cena na cidade de São Paulo chamava-se A Caipirinha. Para quem acha que não há coincidências, está explicada a origem da bebida.

Instituto Brasileiro da Cachaça confirma

Esta explicação é corroborada pelo próprio Instituto Brasileiro da Cachaça, que na sua página na internet revela que foi dessa receita supostamente terapêutica que nasceu a famosa caipirinha. Na altura, tratava-se de um xarope feito através da maceração de pedaços de limão com casca, mel e cachaça, havendo ainda registo da utilização de alho na mistura.

O artigo continua após o anúncio

Mas de quem terá sido esta brilhante ideia? Ora bem, aqui as certezas são um pouco mais difusas, mas há quem atribua a autoria da receita a Paulo Vieira, proprietário de terras em Piracicaba, no estado de São Paulo, que teria criado a receita para a ministrar aos seus camponeses afetados pela gripe espanhola.

Contudo há quem conteste frontalmente esta hipótese e democratize a caipirinha, ou seja, foi uma invenção anónima que se espalhou por todo o estado de São Paulo como mezinha para combater a pandemia.

Sepulturas centenárias em Eyam
Não perca Eyam: a quarentena que no século XVII salvou milhares

Outra explicação para a caipirinha

Mas também há quem refute esta teoria sanitária e localize o nascimento da caipirinha no século XIX, também em Piracicaba, terra de latifundiários. Assim, terá surgido como uma bebida para comemorações importantes, afirmando-se como um símbolo da cultura de cana na região.

Sendo uma bebida regional e de excelente qualidade, chegava mesmo a substituir o whisky ou os vinhos importantes. No entanto, mesmo nascendo no seio da alta sociedade, a caipirinha rapidamente se tornou popular entre o povo, algo a que não seria alheio o baixo custo dos ingredientes para a preparação da bebida.

Entretanto, com a pandemia já debelada, a caipirinha ia fazendo o seu percurso rumo à fama. No seu estado berço, São Paulo, foi servida durante a Semana de Arte Moderna de 1922, ganhando imensa popularidade entre os artistas, sendo que por volta de 1930 já é possível encontrar a bebida em estados como Minas Gerais ou o Rio de Janeiro. E foi sofrendo algumas mutações: o limão deu lugar à lima, o mel foi substituído pelo açúcar, o alho saiu da ementa, e aparece o gelo para a tornar mais refrescante.

Caipirinha contra a pandemia no Brasil

Como fazer uma excelente caipirinha

Por isso, é deveras importante saber fazer uma caipirinha de qualidade para aproveitar todo o sabor de uma bebida que também conquistou Portugal. Assim sendo, aqui fica uma receita para a caiprinha perfeita, sem sabor amargo, sem excesso de cachaça ou cheia de açúcar no fundo:

  • Corte as limas em fatias finas e esmague levemente com o açúcar. Não esmague de mais nem utilize uma batedora;
  • Corte limas ao meio e depois em fatias finas, tipo meia-lua;
  • Volte a esmagar levemente as fatias de lima com o açúcar num copo baixo (e não esqueça que esmagar em demais vai deixar a bebida amarga);
  • Encha o copo com gelo e deite a cachaça, misturando os ingrediente e finalizando com algumas fatias de lima;
  • Se vai preparar caipirinha para muita gente tenha sempre em atenção a regra dos terços: uma parte do copo ou jarra de fatias de lima, uma parte de gelo e uma parte de cachaça;
  • Não se esqueça que quanto melhor a cachaça, melhor a caipirinha.

Como é óbvio, beber caipirinhas em catadupa não vai livrar ninguém de eventualmente ser infetado e desenvolver a COVID-19.

Há mais ou menos um século, os ainda tímidos avanços sanitários que iam surgindo a conta gotas mundo fora, favoreciam o aparecimento de supostos remédios caseiros e mezinhas populares.

O artigo continua após o anúncio

Os brasileiros foram mais longe e criaram um remédio caseiro que se pouco serviu perante a pandemia de gripe espanhola, acabou por se transformar numa verdadeira instituição no país e no mundo!

Veja também