Cambedo da Raia é uma aldeia localizada em Chaves, na freguesia de Vilarelho da Raia, cuja história lhe conferiu alguma má fama. Mas já lá vamos…
O nome curioso desta aldeia tem duas origens prováveis: poderá derivar da palavra pré-românica “camba”, que significa arco ou círculo. Ou poderá derivar da palavra “camba, ae”, que significa pata de quadrúpede. Ambas as possibilidades relacionam-se com a distinta configuração topográfica da aldeia: o formato circular.
Felizmente que circular é apenas o terreno e não a história do local, visto que Cambedo da Raia conseguiu, apesar de tudo, livrar-se de um passado negro.
Batalha de Cambedo: já ouviu falar?
A Guerra Civil espanhola, que terminou em 1939, teve grande impacto nesta aldeia portuguesa. Apesar do país estar sob o regime ditatorial de Salazar, logo longe de ser um país perfeito para planear uma fuga, foram muitos os guerrilheiros antifranquistas espanhóis que procuraram refúgio em terras lusas. Tal aconteceu por ser lá que viviam muitos familiares e amigos.
Dessa forma, a aldeia transmontana acolheu, entre 1936 e 1946, inúmeros espanhóis, guerrilheiros ou exilados, que ali procuravam guarida. Em resposta a esta atitude, o Governo Português não se deixou ficar impávido e sereno, antes decretou guerra aos invasores.
Assim, a 19 de dezembro de 1946, sucedeu-se a Batalha de Cambedo que opunha guerrilheiros antifranquistas espanhóis às forças da Guarda Civil Espanhola e elementos portugueses da Guarda Nacional Republicana, da Guarda Fiscal, do exército e da PIDE.
A presença de forasteiros na região não era uma novidade. Aliás, sempre existiram grupos de guerrilheiros que operavam no Noroeste de Espanha e escolhiam zonas da região de Trás-os-Montes para se refugiar, tendo, assim, nas aldeias como esconderijos seguros. Mas tal não aconteceu em Cambedo da Raia e a batalha acabou mesmo por acontecer.
Reunião secreta em Cambedo da Raia
No final de 1946, diversos grupos espanhóis em localidades portuguesas próximas a Cambedo preparavam uma reunião secreta para discutir a situação espanhola, bem como fazer um balanço do fim da Segunda Guerra Mundial. Porém, esses grupos não estavam imaculados. Neles encontram-se infiltrados da Guarda Civil Espanhola que, sabendo dos planos, informaram os superiores. Em seguida, as autoridades portuguesas foram alertadas e juntaram-se para preparar uma operação conjunta em grande escala contra os resistentes republicanos espanhóis. Mas o embuste foi descoberto pelos guerrilheiros, exceto pelo grupo que se encontrava em Cambedo da Raia.
Rapidamente foram cercados pelas tropas luso-espanholas, e de nada lhes valeu a forte resistência, pois o combate era em tudo desigual: em número de soldados, em quantidade e tipo de armas utilizado. Como consequência, morram vários espanhóis, entre os quais alguns guerrilheiros bem conhecidos da época, como Bernardino García e Juan Salgado Riveiro e outros foram presos, como Demetrio García Álvarez e Manuel Bárcea.
Os restantes grupos que conseguiram ficar a salvo foram, consequentemente, perseguidos, até que optaram por deixar as bases criadas no Norte de Portugal. Mas a história não fica por aqui. Consta que alguns guerrilheiros optaram mesmo por ficar em Cambedo, tendo-se escondido na casa de uma vizinha, a Dona Albertina. Quando foram descobertos, a casa foi fortemente atacada com granadas de morteiro da Guarda Nacional Republicana e ficou totalmente destruída.
Escavações arqueológicas
Recentemente, foram levadas a cabo escavações na casa da Dona Albertina e foram descobertos pedaços de pratos, alguidares, ossos de animais e até uma moeda parcialmente destruída pelo fogo causado pelo impacto da granada. Tamanha destruição da singela habitação de uma senhora que estava no local errado à hora errada.
Nessas mesmas escavações, foram ainda encontrados quatro refúgios onde os guerrilheiros se escondiam em momentos de perigo ou necessidade.
Esta batalha foi de tal forma violenta e falada que aparece citada no poema “O Cambedo” de Xosé Luís Méndez Ferrín, um político e escritor galego, um dos mais representativos da literatura galega contemporânea.
Em 1999, foi criada uma lápide em homenagem aos mortos desta batalha, que pode ser observada na Igreja de Cambedo.
Cambedo da Raia: má fama ainda persiste?
Durante décadas, Cambedo da Raia era vista como uma aldeia maldita, precisamente por albergar os ditos malfeitores, foras-da-lei e criminosos. Era esta a imagem passada pelo Governo de Salazar, também numa tentativa de justificar o ataque avassalador que também destruiu os bens e tirou a vida aos cidadãos inocentes da aldeia.
“O ataque foi brutal porque foi um desses casos que ilustram a aparição da guerra industrializada, moderna. A aldeia estava habitada por civis e tornou-se num alvo militar, justamente como se tinha feito na Guerra Civil espanhola e depois na Segunda Guerra Mundial” – palavras do arqueólogo português Rui Gomes Coelho, que dirigiu os trabalhos de escavação.
E é nos dias de hoje que se vão conhecendo mais pormenores de um momento que ficará guardado na História de Portugal.