Ao longo dos tempos o uso de canábis medicinal sempre suscitou muitas discussões e tensões, daí que as opiniões acerca da sua utilização com finalidades medicinais se dividam. Como tal, ainda que as opiniões se apresentem muitas vezes bem vincadas, a ciência acredita que é importante efetuar mais pesquisas acerca dos seus mecanismos de ação, de forma a minimizar o máximo possível os efeitos colaterais e maximizar a resposta terapêutica.
Em Portugal, e apesar das alterações legais possibilitarem o tratamento com medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis, até ao momento ainda não houve pedidos de autorização de comercialização de medicamentos ou produtos submetidos ao Infarmed – é preciso que as empresas façam um pedido de autorização de colocação dos produtos no mercado para que estes possam ser prescritos.
Mas tudo isto é realmente benéfico para o paciente? Quando e como deve ser recomendado o uso de canábis medicinal?
Aplicações terapêuticas da canábis medicinal
A partir da planta da canábis podem ser confecionadas diferentes substâncias e preparações (por exemplo, chás, óleos e cápsulas), no entanto, o fabrico de canábis medicinal deve estar devidamente aprovado, garantindo a sua qualidade.
Com o progressivo aumento da esperança média de vida e o consequente aumento da incidência de doenças prolongadas, incuráveis e progressivas, ressurgiu o interesse pela canábis medicinal, na medida em que se sabe que os agentes canabinóides possuem um considerável papel terapêutico no tratamento da sintomatologia associada a este tipo de doenças.
Vários estudos clínicos mostram que o espetro de ação dos canabinóides se adequa às seguintes situações:
- Efeitos ansiolíticos e euforizantes nas situações de ansiedade e depressão;
- Analgesia, inclusive para dor neuropática;
- Perceção da dor diminuída e aumento da tolerância à dor;
- Ação anti convulsivante;
- Estímulo do apetite no estado de caquexia (perda rápida de massa corporal e tecido adiposo);
- Diminuição da pressão intraocular, útil nos casos de glaucoma;
- Atividade anti tumoral e anti-inflamatória no cancro;
- Alívio dos sintomas associados ao enjoo, náuseas e vómitos;
- Relaxamento muscular para alívio da espasticidade (aumento involuntário da contração muscular).
Canábis medicinal em Portugal
A 18 de julho de 2018 foi estabelecido o quadro legal para a utilização de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais (Lei n.º 33/2018). Posteriormente, já em 2019, teve lugar a regulamentação da prescrição da dispensa em farmácia dessas mesmas substâncias e preparações (Decreto-Lei n.º 8/2019).
Estas alterações legais possibilitam o tratamento com medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis no nosso país, desde que as seguintes condições sejam cumpridas:
- As preparações disponibilizadas devem cumprir todos os requisitos necessários no que à demonstração da respetiva qualidade e segurança dizem respeito;
- Toda a cadeia de produção e distribuição deve ser conhecida e controlada, de forma a garantir que todos os produtos são produzidos de acordo com as boas práticas vigentes;
- Os doentes não devem ser expostos a riscos desnecessários e evitáveis, pelo que a utilização da canábis medicinal deve acontecer apenas nos casos em que os tratamentos convencionais não produziram os efeitos esperados ou provocaram efeitos adversos relevantes;
- A utilização da canábis medicinal deve sempre estar dependente da avaliação clínica efetuada pelo médico, tendo em conta as indicações terapêuticas aprovadas;
- A dispensa destes produtos apenas pode ser realizada na farmácia e sempre mediante apresentação da respetiva prescrição médica.
O Infarmed identificou 7 terapêuticas consideradas apropriadas para utilização de preparações e substâncias à base da planta da canábis:
- Espasticidade associada à esclerose múltipla ou lesões da espinal medula;
- Náuseas, vómitos (resultante da quimioterapia, radioterapia e terapia combinada de HIV e medicação para hepatite C);
- Estimulação do apetite nos cuidados paliativos de doentes sujeitos a tratamentos oncológicos ou com SIDA;
- Dor crónica (associada a doenças oncológicas ou ao sistema nervoso, como por exemplo na dor neuropática causada por lesão de um nervo, dor do membro fantasma, nevralgia do trigémio ou após herpes zoster);
- Síndrome de Gilles de la Tourette;
- Epilepsia e tratamento de transtornos convulsivos graves na infância, tais como as síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut;
- Glaucoma resistente à terapêutica.
Breve história da canábis
Foi uma das primeiras plantas cultivadas pelo ser humano, inicialmente utilizada como fonte de fibras para o fabrico de tecidos e cordoaria a partir do seu caule. Posteriormente terá tido início a sua utilização para fins medicinais e espirituais, nomeadamente na medicina chinesa.
Apenas mais tarde foi introduzida na Europa, quer para fins de utilização recreativa, quer para fins medicinais, nomeadamente no tratamento de doenças infeciosas como o tétano, a raiva e a cólera, bem como no alívio da dor. Inicialmente, a canábis terá sido ilegalmente importada para os Estados Unidos da América a partir do México, sendo aprovado, no ano de 1937, uma lei que regulamentava a utilização da canábis medicinal.
Atualmente, as opiniões acerca da utilização da canábis continuam a ser controversas e contraditórias. Se, por um lado, há países que a consideram uma droga e a proíbem e criminalizam, outros caracterizam-na como uma droga leve autorizando o seu uso.