Ainda que elas estejam lá para defender os nossos interesses, a nossa relação com as seguradoras nem sempre é harmoniosa. Sendo possível a ocorrência de falhas na prestação do serviço contratado, convém saber que, se sentir lesado, pode escrever uma carta de reclamação à seguradora ou até a outras entidades mediadoras de conflitos.
Por que deve escrever uma carta de reclamação à seguradora?
Dar a conhecer à companhia de seguros que não está contente com o serviço prestado é sempre o primeiro passo. Por um lado, a carta de reclamação à seguradora dá início a um processo de resolução interna do conflito – que é mais rápida e sai mais barata para si e para a empresa. Por outro lado, é ético da sua parte, enquanto cliente, avisar a seguradora de que está descontente antes de avançar para ações mais arrojadas.
São vários os motivos que podem tornar necessária uma carta de reclamação. Além da simples má prestação do serviço, também pode reclamar por discordar da interpretação que a empresa fez da lei ou até por estar descontente com a forma como o seu processo foi gerido pelo colaborador responsável pelo seu caso.
De resto, praticamente todas as companhias de seguros têm um provedor do cliente, que existe precisamente para receber as reclamações dos clientes e ajudar as partes a chegarem a um entendimento.
Como reclamar?
Antes de mais, mantenha presente que as companhias de seguros são empresas burocráticas por natureza, pelo que quanto mais formal for na abordagem, melhor. Independentemente do motivo da reclamação ou do que pede à seguradora, faça sempre uma exposição por escrito e junte-lhe toda a documentação de suporte que tiver. Se houver testemunhas relevantes para o caso, inclua também os respetivos contactos.
Convém também notar que as reclamações devem ser feitas no prazo de 15 dias após o evento a que dizem respeito, por isso vai querer trabalhar na carta logo que possível.
O que deve constar na carta de reclamação à seguradora
Mais uma vez, há que lembrar que as seguradoras são burocráticas e gostam de informação detalhada, por isso esse deverá ser o seu principal cuidado na hora de escrever uma carta de reclamação.
Comece por identificar-se a si e à apólice de seguro de que é titular. Se o tomador do seguro e a pessoa segurada forem diferentes, não custa ser também específico nesse detalhe, identificando ambos.
Ao expor a causa da reclamação, faça por ser sucinto e muito claro. Use frases curtas (uma ideia por frase), linguagem simples e direta. Seja específico quanto ao que pretende que a seguradora faça por si (uma indemnização, um reembolso, a reparação de um bem,…). Se o incidente envolver colaboradores da própria seguradora, procure identificá-los.
Terminado o texto, junte-lhe toda a documentação que tiver que comprove o que aconteceu, como recibos, faturas ou declarações amigáveis. Se houver testemunhas cujo relato é relevante para o processo, identifique-as na carta (nome e contactos), para que a seguradora possa procurá-las e ouvir o que têm a relatar.
Terminada a carta de reclamação à seguradora, é importante garantir que ela chega às mãos de quem importa. Para isso, envie-a como carta registada com aviso de receção para a seguradora ou para o mediador onde contratou o seguro. Ao fazê-lo vai receber um documento comprovativo do envio da carta, que deve guardar até ao fim do processo.
Em alternativa, pode optar por enviar a carta de reclamação à seguradora por e-mail. Neste caso também deve guardar uma cópia de todas as comunicações que fizer com a empresa, embora seja sempre aconselhável informar-se junto de um advogado sobre a validade legal dos comprovativos que está a guardar.
Nome do remetente e
Morada completa
Nome do destinatário
Morada completa
Localidade e data
Carta registada com aviso de receção
Assunto: Pedido de indemnização
Apólice n.º ___________
Exmos. Senhores,
Conforme minha comunicação anterior, enviada no dia 21 de junho do corrente ano, a queda de um raio no prédio onde moro provocou alguns danos em vários aparelhos elétricos na minha habitação, o que foi confirmado pelo vosso perito, que orçamentou a reparação dos mesmos em 280€ (duzentos e oitenta euros).
Por isso, foi com alguma surpresa que recebi a vossa carta com data de 28 de junho, onde referem que não se responsabilizam pelos prejuízos que sofri, argumentando que o seguro multirriscos-habitação que contratei não abrange este tipo de riscos.
De facto, a leitura atenta das condições gerais da apólice permite concluir que os danos causados por raio se encontram cobertos sem qualquer restrição. Por outro lado, também não existe qualquer menção nas condições especiais ou nas condições particulares da apólice que os exclua.
Assim sendo, exijo que assumam as vossas responsabilidades, pagando a reparação dos aparelhos elétricos danificados no prazo máximo de 10 dias, período após o qual terei de recorrer a todos os meios ao meu dispor, inclusive o judicial, para defender os meus direitos.
Sem mais de momento, subscrevo-me, apresentando os meus melhores cumprimentos,
O segurado
Assinatura
Anexo: Orçamento de reparação dos aparelhos avariados.
Onde reclamar sobre a seguradora
Se, após enviar a carta de reclamação à seguradora, não obtiver qualquer resposta ou não conseguir que o conflito seja resolvido, pode sempre recorrer a algumas entidades externas de mediação de conflitos. Saiba, contudo, que esta abordagem pode ser demorada e até, em alguns casos, implicar custos para si.
Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF)
Esta entidade regula as seguradoras em Portugal e tem como missão proteger os interesses dos tomadores de seguros e pessoas seguras. Pode recorrer a ela gratuitamente, mas saiba que o parecer que esta entidade emitir não é vinculativo – ou seja, a seguradora não é obrigada a seguir as orientações desse parecer.
Ainda assim, o apoio desta entidade pode fazer a diferença na resolução do conflito, já que nenhuma seguradora estará interessada em contrariar a entidade que a supervisiona.
Para reclamar junto da ASF pode enviar uma carta, escrever no livro de reclamações desta entidade ou preencher o formulário de reclamação disponibilizado no portal.
Provedor do Cliente do Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (CIMPAS)
Esta entidade existe especificamente para analisar cartas de reclamação de seguradoras submetidas por tomadores de seguros, segurados, beneficiários e outros lesados. Os pareceres que emite também não são vinculativos, são apenas recomendações para as seguradoras.
Neste caso, é importante saber que só pode reclamar junto do CIMPAS depois de já ter reclamado junto da companhia de seguros. Terá de provar que essa reclamação foi feita há mais de 30 dias e que não obteve resposta ou que recebeu uma resposta com a qual não concorda. O provedor também dispõe de 30 a 45 dias para analisar e emitir um parecer sobre a sua reclamação.
O CIMPAS tem ainda a vantagem de oferecer, no site, modelos de carta de reclamação à seguradora e ao próprio provedor. Pode aproveitá-los como base para o seu documento.
Associações de Defesa do Consumidor
Além do provedor, associações como a DECO ou os Centros de Informação Autárquica ao Consumidor (CIAC) podem intervir em seu nome e tentar chegar a uma solução para o conflito com a seguradora.
Se, no primeiro caso, a ajuda pode implicar o pagamento de alguns custos, no segundo caso o serviço é tendencialmente gratuito. Procure o CIAC mais perto de si no portal da Direção Geral do Consumidor.
Julgados de Paz
Os julgados de paz são centros de mediação de conflitos semiformais e servem para resolver questões relacionadas com responsabilidade civil ou incumprimento de contratos.
O serviço dos julgados de paz também é gratuito e são vários os balcões espalhados pelo país. Tenha só em atenção que os julgados de paz não intervêm em processos que envolvam valores superiores a 15 mil euros.
Centros de Arbitragem de Conflitos de Consumo
Estes centros são algo semelhantes aos Julgados de Paz e também podem ajudar com a sua carta de reclamação da seguradora. Há vários espalhados por todo o país, mas também aqui se aplica um limite aos valores envolvidos no processo que ainda é mais baixo do que o dos julgados de paz: são apenas 5.000€.
Pode procurar no Portal do Consumidor por um Centro de Arbitragem – que deve estar na área metropolitana onde o seu contrato de seguro foi celebrado.
Tribunal Judicial
Este deve sempre ser o último recurso para qualquer conflito, não só porque já sabemos que a Justiça é lenta, mas também porque vai precisar dos serviços de um advogado e isso vai implicar custos para si.
Ainda assim, se nenhuma das outras opções resultar e/ou o valor envolvido no processo for muito elevado, os tribunais podem ser a última porta de saída. Para dar entrada num processo judicial, procure um advogado que o oriente por toda a burocracia e o represente nas sessões.