Share the post "Controlar o teletrabalho: o que as empresas (não) podem fazer"
Portugal foi dos primeiros países da Europa a enquadrar, em 2003, o regime de teletrabalho na lei laboral. No entanto, em tempo de pandemia, com a adaptação forçada referido regime, o processo não tem sido pacífico, em especial no que toca às empresas que procuram controlar o teletrabalho o melhor que podem.
Desde o confinamento obrigatório de março de 2020 que a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) recebeu vários pedidos de esclarecimento relativamente ao uso de software que permite às empresas o controlo da atividade do trabalhador.
A lei aplicável ao contexto proíbe qualquer controlo abusivo, sob pena de serem violados vários princípios de proteção de dados.
Mas, afinal, quais são os limites legais para que uma empresa possa controlar o teletrabalho dos seus colaboradores? Explicamos-lhe tudo.
Patrões proibidos de controlar teletrabalho
Controlo sem limites
Para muitas empresas, saber se o trabalhador cumpre o horário laboral, implica o recurso a ferramentas completamente desadequadas e intrusivas.
Alguns dos programas utilizados pelas empresas para controlar o teletrabalho têm uma capacidade quase ilimitada. Permitem o acesso ao computador do trabalhador e controlam tudo, sem exceção: os dados pessoais, as fotografias, as teclas usadas e a respetiva velocidade, tiram ‘screen shots’ sucessivos do écran, enfim, têm controlo absoluto.
Ainda mais grave é o facto de isso ser feito de forma oculta, sem conhecimento do trabalhador, o que, mais do que proibido, é abusivo e ilegal.
O controlo do teletrabalho deve limitar-se ao estritamente necessário.
Vida privada
O uso de ferramentas tecnológicas para controlo do trabalho à distância coloca em causa a privacidade do colaborador, um direito básico.
De acordo com os artigos 20º e 21º do Código de Trabalho, sobre os Direitos de Personalidade, não é permitido o controlo do desempenho profissional do trabalhador. É considerada a proibição da videovigilância, geolocalização e radiofrequência, no domicílio.
Tratando-se de um contrato de trabalho subordinado, é permitido controlo por parte da entidade empregadora, sem por em causa a privacidade das pessoas, apenas no que se refere a horários e objetivos.
Objetivos e horários
Ao empregador é permitido fixar objetivos e registar horários. Para o efeito, pode criar obrigações de reporte com a periodicidade que entenda ajustada, por escrito ou em reuniões por teleconferência, previamente agendadas no meio que se considere mais adequado.
Segundo a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) o registo dos tempos de teletrabalho por parte das empresas é uma necessidade aceitável pela lei, podendo, para tal, recorrer a soluções tecnológicas específicas.
A entidade patronal pode, assim, fazer um registo idêntico daquele que já era feito em contexto de empresa, como o início e o fim da atividade, assim como a pausa para almoço. Da mesma forma que poderá utilizar uma ferramenta de registo e/ou partilha de conteúdos, atividades ou informações referentes aos objetivos determinados para as funções.
Contudo, qualquer registo deve ser feito com recurso a programas que respeitem a privacidade do trabalhador.
Software ou similar
Caso a empresa não tenha nenhuma ferramenta para o devido registo e controlo da atividade do colaborador, nos limites acima referidos, pode usar outros meios para o efeito, nomeadamente o envio obrigatório de email, de SMS, mensagem no chat ou mesmo um telefonema, por exemplo, que permita, para além de controlar a disponibilidade do trabalhador e os períodos de trabalho, demonstrar que não foram ultrapassados os tempos máximos permitidos por lei.
Há uma certa tendência, de parte a parte, para “esticar” o tempo no regime de teletrabalho. Porém, o horário laboral deve ser respeitado, d mesma forma que no regime presencial.
Como é controlado o trabalho a distância
Várias empresas usam programas “ocultos” para controlar o teletrabalho. Que programas são utilizados para esse fim?
Programas mais utilizados
Contam-se entre os softwares proibidos para o controlo remoto, os seguintes: TimeDoctor, Hubstaff, Timing, ManicTime, TimeCamp, Toggl e Harvest.
Segundo a CNPD, são ferramentas que recolhem, em excesso, dados pessoais dos trabalhadores, promovendo o controlo do trabalho num grau muito mais detalhado do que aquele que pode ser legitimamente feito nas instalações da entidade empregadora, impondo, na prática, mais obrigações aos trabalhadores em casa do que quando estão na empresa.
Em causa está a “violação do princípio da minimização dos dados pessoais”.
De acordo com sindicatos e comissões de trabalhadores, é necessário definir regras mais rigorosos para o teletrabalho, que ganhou um peso sem retorno durante a pandemia da COVID-19.
Recomendações
A Comissão Nacional de Proteção de Dados emitiu um conjunto de orientações que enquadram algumas das principais questões que têm sido levantadas por empresas e trabalhadores, sobretudo relacionadas com o controlo, quer dos tempos de trabalho, quer da atividade laboral prestada em regime de teletrabalho.
No âmbito do Direito, especialistas consideram importante que as comissões de higiene e segurança possam fazer visitas à casa do teletrabalhador para confirmar que a sua privacidade está salvaguardada, que tem condições ergonómicas de trabalho, que tem um horário definido que é cumprido e que está em igualdade de condições e direitos com os outros trabalhadores que exercem funções nas instalações da empresa, nomeadamente o direito ao subsídio de refeição.
A visita domiciliária é uma das medidas previstas na lei, inscrita no artigo 170º do Código do Trabalho, que enquadra a privacidade em regime de trabalho remoto. No entanto, também esta tem limites. As visitas podem ocorrer sem pré-aviso, mas nunca fora do horário laboral.
Para além disso, devem ser definidas as compensações pelo uso de um espaço doméstico, de computador e outros instrumentos próprios, consumo de água e energia, seguro de acidentes de trabalho. Situações que, durante o primeiro confinamento, não foram tidas em conta. Os custos ficaram, em grande parte dos casos, por conta dos trabalhadores.
No que respeita a alterações às normas constantes no Código do Trabalho, que considera o teletrabalho uma forma “atípica, residual e marginal”, as opiniões dividem-se. Porém, exclui-se a possibilidade, nestes casos, de isenção de horário, sob pena de o trabalhador não “desligar”.
Por isso, há quem defenda a eliminação do artigo 218º do Código do Trabalho, que estabelece essa possibilidade.
E ainda…
Para proteção do trabalhador, é importante que todas as condições sejam definidas num documento escrito. É igualmente necessário que os trabalhadores que desempenham as suas funções a partir de casa não se desliguem da empresa e mantenham relações com as chefias e com os colegas, em especial aqueles que assumem funções sindicais.
Teletrabalho em Portugal
Apesar de pioneiro no reconhecimento jurídico, o regime de teletrabalho nunca se destacou em Portugal. Sempre foi fraca a adesão das empresas e os numeros disponíveis no que toca a esta matéria são, igualmente, escassos.
Em 2017, os dados do Eurofound colocavam o país na cauda da Europa, com apenas 11% dos profissionais a trabalho remotamente. Desses, só 2% o faziam de modo permanente. No entanto, a modalidade é, sobretudo, registada entre trabalhadores independentes. No que diz respeito aos trabalhadores por conta de outrem (TCO), os números, ainda que mais recentes, pioram.
Segundo dados dos quadros de pessoal do Gabinete de Estatística e Planeamento do Ministério do Trabalho, em outubro de 2018, num universo de 2,8 milhões de TCO, apenas 779 estavam abrangidos pelos designados “contratos de prestação subordinada de teletrabalho”, o equivalente a 0,02% do total.