Teresa Campos
Teresa Campos
15 Abr, 2020 - 12:28

COVID-19 pode causar danos no coração, fígado, cérebro e rins

Teresa Campos

Os médicos receiam que a COVID-19 deixe marcas, mesmo depois do paciente ter recuperado da doença. A COVID-19 pode causar danos a longo prazo?

Mulher protege-se do covid-19 que pode causar danos

Principalmente para os doentes mais graves, o novo coronavírus tem-se revelado um agente invasor bastante agressivo, capaz de causar danos muito além dos pulmões. A questão é que, mesmo depois dos pacientes recuperarem e já não terem o vírus, os efeitos da infeção parecem permanecer. Esta circunstância conduz a uma pergunta: será que a COVID-19 pode causar danos a longo prazo?

Num estudo recente, cientistas chineses observaram as análises ao sangue de 34 pacientes com COVID-19, durante o seu internamento hospitalar e a conclusão a que chegaram é que os doentes com sintomas moderados a graves, mesmo já recuperados da doença, continuavam a não apresentar um hemograma com valores normais. Será este um sinal de que a COVID-19 pode causar danos a longo prazo? Saiba o que dizem os especialistas.

Será que a COVID-19 pode causar danos a longo prazo?

Efetivamente, em alguns casos de infeção pelo novo coronavírus, após dois testes negativos, os pacientes continuaram a evidenciar falhas nas funções do fígado, por exemplo.

Porém, os efeitos a longo prazo da COVID-19 podem não ficar por aí. Os cardiologistas estão, igualmente, a avaliar os efeitos do novo coronavírus no coração, mesmo depois do vírus estar inativo. Um estudo chinês revelou que a falência cardíaca foi verificada em 12% dos pacientes já recuperados da COVID-19.

Se os pulmões não forem capazes de distribuir corretamente o oxigénio pelo corpo, o coração pode ficar sobrecarregado e, assim, enfraquecer. Este é um problema bastante preocupante numa doença como a COVID-19, caraterizada pelas suas consequências a nível respiratório. Contudo, muitos médicos têm verificado que mesmo pacientes com o novo coronavírus , mas sem problemas respiratórios, têm evidenciado danos no coração.

Mulher com sintomas de arritmia

Possíveis efeitos pós-COVID-19

De acordo com Harlan Krumholtz, cardiologista na Yale University, a COVID-19 pode causar danos e não é só um distúrbio respiratório. Segundo Krumholtz, esta doença pode afetar o coração, o fígado, os rins, o cérebro, o sistema endócrino e o sangue.

Porém, ainda pouco se sabe sobre as consequências desta doença a longo-prazo, uma vez que os primeiros sobreviventes da COVID-19 têm pouco mais de 3 meses de recuperação. Além disso, a necessidade de tratar os novos doentes que surgem constantemente não tem deixado muito tempo para os especialistas avaliarem a evolução das cerca de 370.000 pessoas que, em todo o mundo, já recuperaram da COVID-19.   

Ainda assim, muitos médicos receiam que os órgãos afetados pelo novo coronavírus não recuperem totalmente, mesmo depois do paciente estar curado. Isso significa que os organismos dos indivíduos que tiveram COVID-19 podem ficar mais vulneráveis durante meses ou mesmo anos.

Joseph Brennan, cardiologista em Yale, defende que haverá sequelas a longo prazo. Embora ainda não haja certezas, Brennan adianta que esta doença é tão avassaladora, que haverá seguramente pessoas recuperadas que irão sofrer complicações de saúde a longo prazo.

Outra possibilidade que está a ser equacionada é a do novo coronavírus ficar “adormecido” no corpo durante anos, podendo “acordar” mais tarde, sob uma forma diferente. Aliás, este não seria o primeiro vírus a comportar-se assim, já que o herpes, o vírus da hepatite B e o vírus causador do ébola são apenas alguns exemplos de agentes infeciosos que podem ficar durante décadas “inativos” e, passado esse tempo, ressurgirem sob outras formas, muitas vezes mais dolorosas e graves.

Multicare

É tempo de pôr a saúde em primeiro lugar.

Consequências a longo prazo dos outros coronavírus

O conhecimento acerca das consequências a longo prazo dos outros coronavírus também vem sustentar a tese de que, muito provavelmente, a COVID-19 tem efeitos no organismo do indivíduo, mesmo depois dele estar recuperado.

Assim sendo, no caso do SARS, por exemplo, 1/3 dos doentes recuperados tiveram problemas nos pulmões, anos após a infeção por aquele coronavírus. Já no que se refere ao MERS, cerca de 1/3 dos pacientes ficou com fibrose pulmonar permanente.

De Hong Kong chegam relatos de indivíduos que tiveram COVID-19 e referem que ainda sentem dificuldade em realizar algumas das atividades que faziam no passado. Owen Tsang Tak-yin, Diretor do Departamento de Doenças Infeciosas do Princess Margaret Hospital em Hong Kong, declarou aos jornalistas que algumas das pessoas que tiveram o novo coronavírus podem ter uma perda de 20% a 30% da sua função pulmonar, mesmo depois de já estarem recuperadas.

Melina Hosseiny é radiologista e lidera uma equipa que recomenda que as pessoas que já recuperaram da COVID-19 façam exames regulares aos pulmões, de modo a avaliar possíveis consequências permanentes ou a longo-prazo, como a fibrose pulmonar.

raio x a pulmões

Algumas dificuldades do estudo

Além dos obstáculos à investigação já indicados, há outra dificuldade com que os investigadores se deparam. Sabe-se que indivíduos com problemas de coração, fígado, sangue ou pulmões têm um risco mais elevado de desenvolver complicações, se infetados pelo novo coronavírus.

Assim, os médicos vêem-se a braços com a dificuldade de perceber se alguns desses problemas em doentes já recuperados foram, efetivamente, causados pela COVID-19 ou se, na verdade, estão relacionados com as complicações de saúde pré-existentes. Por isso, saber se a COVID-19 pode causar danos é fundamental.

riscos de covid-19 com doenças pré-existentes
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O que já se sabe garantidamente é que quando os pacientes com COVID-19 demonstram sintomas de infeção, a função de vários órgãos pode estar comprometida. Assim, quando um órgão começa a falhar, os outros tendencialmente também começarão a fraquejar. Por isso, o resultado pode ser um dano generalizado no corpo, que pode provocar AVC’s, ataques cardíacos e embolias.

Harlan Krumholtz, cardiologista em Yale, adianta que esta infeção pode prejudicar o coração e que alguns doentes com COVID-19 desenvolvem insuficiência cardíaca ou arritmias. Essa falência cardíaca enfraquece o coração, o qual pode recuperar através de medicação e hábitos de vida saudáveis. Porém, é altamente provável que estes indivíduos se tornem pacientes de cardiologia para toda a vida.

Mais estudos

Na sequência destes efeitos, há outra consequência que se afigura como possível e que tem a ver com o surgimento de coágulos de vários tipos. Num estudo de caso recentemente publicado no New England Journal of Medicine, médicos chineses relataram que um paciente com sintomas graves de COVID-19 apresentava vários coágulos no corpo e, ainda, exibia a existência de uma proteína chamada antifosfolípido.

O síndrome antifosfolípido pode surgir como resposta a uma infeção, mas também pode causar problemas, como coágulos nas pernas, rins, pulmões e cérebro. Contudo, embora esta possa ser outra consequência a longo-prazo e o reflexo de que a COVID-19 pode causar danos, o cardiologista Joseph Brennan alerta para o facto desta ser uma doença nova e o conhecimento ainda ser pouco para fazer um prognóstico seguro acerca de um indivíduo recuperado.

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