A custódia partilhada de animais é um fenómeno em crescimento nas sociedades ocidentais. Tal não é de estranhar uma vez que os animais de estimação são cada vez mais encarados como membros da família e até como filhos.
Enquanto que antigamente uma separação facilmente podia acabar na decisão de dar os animais ou havia sempre algum dos donos que prescindia sem grande desgosto da companhia do seu amigo ao deixar a vida conjugal, hoje as coisas são diferentes.
Cada vez mais ouvimos histórias de processos de divórcio e separações em que os animais de estimação acabam envolvidos em disputas que chegam aos tribunais.
Em Portugal, o caso da Kiara, uma cadela pitbull disputada em tribunal por um casal que se separou depois de ter partilhado 6 anos a sua companhia, fez história como o primeiro caso do género a chegar aos tribunais.
O pedido da guarda total do animal, feito por ambos os donos, foi julgado pelo Juízo de Família e Menores de Mafra em 2019. Envolveu audição de testemunhas e perícia com veterinário antes da decisão final de entregar a custódia total à dona.
O facto do boletim de vacinas, chip e licença estarem em nome da dona não pesou muito na decisão, como seria de esperar, uma vez que legalmente os animais são vistos como propriedade dos seus donos.
Aparentemente o que ficou provado é que a mulher agiu sempre no interesse da cadela e com dedicação, o que não aconteceu com o dono.
Uma conclusão interessante, porque segundo a lei atual o bem-estar do animal é sempre o último critério a ser considerado por um juiz.
Custódia dos animais: que interesses acautela?
O Código Civil português afirma que em casos de divórcio, “os animais de companhia são confiados a um ou a ambos os cônjuges, considerando, nomeadamente, os interesses de cada um dos cônjuges e dos filhos do casal e também o bem-estar do animal”.
Isso quer dizer que a preocupação pelo interesse do animal está lá, mas aparece em último lugar, já que o principal é atender primeiro às necessidades de toda a família.
É fácil perceber a relutância judicial em conceder a custódia de animais recorrendo ao seu “melhor interesse” como acontece com as decisões sobre a custódia das crianças, que chegam a ser ouvidas em tribunal. Um animal não fala e fica difícil avaliar o que melhor lhe convém.
Havendo pouca jurisprudência sobre esta matéria, o caso do Tribunal de Mafra exemplifica, no entanto, uma tendência que já chegou a outros países europeus e também aos Estados Unidos da América.
Nestas batalhas de custódia partilhada de animais, cada vez mais frequentes, os tribunais que tradicionalmente olhavam os animais e decidiam o seu destino como meras posses do seu proprietário estão a mudar.
Tal como fez o juiz português, que recorreu a um profissional especializado para avaliar o comportamento da Kiara e dos seus donos, para perceber melhor como era o seu relacionamento com cada um dos dois, esta poderá vir a ser uma situação frequente para se decidir qual é o melhor interesse para o bem-estar do animal.
Vantagens da custódia partilhada de animais
Manter laços emocionais importantes
Se as relações entre os donos e as pessoas da família envolvidas são estáveis, é provável que o animal não sofra em demasia com a mudança de território. Para isso é importante ter cheiros e objetos a que esteja habituado nas duas casas onde vai passar a viver. É uma forma de o fazer sentir-se seguro.
Manter a ligação com o animal de estimação pode ser um conforto emocional importante para os donos numa altura em que toda a sua vida se encontra em grande mudança.
É especialmente importante se houver crianças envolvidas que têm de mudar de casa com frequência. Levar o seu animal de estimação consigo ajuda a criar uma sensação de segurança e normalidade numa situação que pode ser muito assustadora.
Manter o animal como ponto de ligação pode ajudar também os donos separados a verem-se com melhores olhos uma vez que se podem rever no amor que sentem em conjunto pelo “filho” que têm em comum.
É uma forma de se visualizarem noutro papel e de valorizarem o que de bom ficou do seu passado.
Desvantagens da custódia partilhada de animais
Utilizar animais para manter a relação
Se não é do interesse dos donos continuar a estar em contacto, a guarda partilhada vai ser sempre uma fonte de conflitos.
Estes casos são particularmente graves se a situação entre ambos já for agressiva e violenta, ou se um dos donos estiver a utilizar o animal para deliberadamente continuar a ver o outro e interferir na sua nova vida.
Se o juiz desconfiar desta situação, é pouco provável que decida pela custódia partilhada de animais uma vez que ela não será do interesse dos seus donos.
Quebra de rotinas afecta o animal
Para o bem estar do animal, as coisas também podem não ser fáceis. No caso dos animais de rotinas e territoriais (pior com os gatos do que com os cães), as mudanças muito frequentes de espaço causam desequilíbrios no seu comportamento.
Esses desequilíbrios podem dificultar a sua convivência com os donos ou com as novas pessoas com que estes partilhem a sua vida. Marcações de território inconvenientes e destruição de objetos ou mobília podem acontecer. Daí que a custódia partilhada de animais deva ser uma decisão ponderada.