Share the post "Sensação de já ter vivido algo: como a ciência explica o déjà vu?"
Déjà vu: aquela sensação estranha que invade os sentidos e nos faz ter a certeza de termos vivido aquele exato pedaço de tempo.
A situação é banal, as personagens são indiferentes. O relógio para por uma fração de segundos e os sentidos são absorvidos pelo momento que parece repetir-se, tal e qual como o seu cérebro diz que foi.
O termo vem do francês e traduzido em bom português quer dizer “já visto”. E encaixa bem na descrição. O que não se sabia até agora é que o fenómeno parece ter uma razão de ser. Na verdade, parece ter várias. Falta ainda acertar qual delas é de facto a correta.
Mas afinal, como desvenda a ciência um dos seus maiores mistérios? O que dizem os especialistas em psicologia sobre esta, que parece ser a mais mística e paranormal das sensações humanas? No segundo caso, a resposta parece estar relacionada com o nosso sistema de memória.
A Psicologia Cognitiva aponta dois caminhos para o o déjà vu
Em linhas gerais, nós temos uma memória para guardar objetos e outra para armazenar a informação de como esses objetos estão dispostos. A primeira funciona muito bem, mas a segunda nem por isso.
Então, imagine a seguinte situação: entrou num sítio com objetos novos dispostos de forma similar a alguma que já viu antes. É neste exato momento que os nossos dois tipos de memórias nos confundem e temos a sensação de que é uma situação familiar.
Já para os fisiologistas, o o déjà vu é…
A fisiologia, área de estudo da biologia, que é responsável por analisar o funcionamento físico, orgânico, mecânico e bioquímico dos seres vivos, diz que o déjà vu está relacionado com a troca de informações entre o sistema consciente e o sistema inconsciente.
Quando os dois sistemas não comunicam acertadamente entre si, acontece um atraso na saída da informação do inconsciente para o consciente. Este “curto-circuito” do cérebro faz com que tenhamos a estranha sensação de já ter visto aquela situação acontecer.
Então… e a ciência?
Os cientistas admitem: a sensação é mágica, mas não tem nada de única. Estudos feitos na Europa e nos EUA mostram que até dois terços das pessoas tiveram déjà vu pelo menos uma vez na vida.
Ainda assim, tão presente e recorrente, é um assunto complicado para a ciência. E a razão é simples: como recriar um déjà vu para estudá-lo?
Eis que surge uma luz ao fim do túnel: aquele tipo de pessoa que parece viver tomado pelo sentido de já ter vivido tudo. São os campeões do déjà vu. Morton Leeds, um estudante americano dos anos 40, era um rapaz com uma média de um déjà vu a cada 2 dias e meio. Surpreendente? Sim, de facto. As ocorrências podiam ser tão fortes, que Leeds chegava a ter náuseas.
Ele registou as sensações num diário, com precisão científica, e assim pôde identificar que a maior parte dos déjà vus que tinha aconteciam em momentos de stress. Este parecia ser um bom começo para investigar, e era de facto.
“Os resultados das nossas pesquisas atuais, com pacientes que respondem a questionários sobre os seus déjà vus, mostram exatamente isso – embora não saibamos a razão”, afirma o psiquiatra Chris Moulin, da Universidade de Leeds, em Inglaterra.
O inglês é um dos raros especialistas no assunto, e dedicado ao tema, decidiu estudar pessoas com déjà vus ainda mais frequentes que os do americano Morton Leeds. Em clínicas psiquiátricas, Moulin encontrou uma realidade aterradora: pacientes que vivem num eterno déjà vu, imersos numa vida onde tudo parece repetir-se.
Calma, eles não prevêm o futuro. É precisamente na zona do cérebro que governa a formação de memórias que reside a “falha”. Tomografias mostram que a massa cinzenta destes pacientes atrofiou no lobo temporal.
A teoria desenvolvida é que estas mentes acedem às lembranças ao mesmo tempo em que elas são gravadas na memória. É aí que acontece a ilusão de que o presente parece passado. Pronto, parece haver explicação. Mas ainda há mais.
Memorizar o que nunca foi vivido?
Uma outra linha da ciência, por exemplo, argumenta que o fenómeno pode não estar relacionado às falhas na nossa capacidade de gravar memórias. A revelação estaria nos pontos mais escondidos e desconhecidos do nosso cérebro. Seríamos capazes de guardar memórias do que nunca vimos? Sim, entendeu bem.
Dois cientistas norte-americanos decidiram romper barreiras e tentar alcançar o menos óbvio: recriar déjà vus em laboratório. Com a disponibilidade de alunos voluntários, psicólogos das Universidades de Dallas e Duke resolveram sair em busca da experiência e concluíram que somos capazes de “encontrar” memórias nunca antes registadas pela consciência.
Imagine: há uma rachadura na parede ao lado da porta de entrada do seu prédio. Todos os dias, mesmo não estando atento, registou a imagem que viu com o canto dos olhos. Não sabe que viu aquela imagem, nunca deu pela sua existência de forma consciente.
Numa bela manhã de sol, à pressa para cumprir os seus horários, olhou para a rachadura e… Tcharam. Teve a certeza de já ter visto antes aquele pedaço de parede a abrir. A verdade é que o seu inconsciente viu mesmo, e é daí que nasce o déjà vu.
A teoria da genética
A explicação que, para muitos, parece mais convincente aponta para uma falha que nos faz confundir a realidade.
O geneticista Susumu Tonegawa, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), trabalhava na análise de sensações humanas e os seus estímulos quando descobriu o ponto exacto do cérebro que é ativado quando temos o sentimento de já ter vivido algo.
Tonegawa supôs que com o déjà vu fosse o mesmo e que ele tivesse uma morada no cérebro. E tinha: um espaço pequenino e misterioso, dentro do lobo temporal, chamado “giro dentado”.
Mas para a ciência não basta criar a suposição e é preciso testá-la. O geneticista do MIT fez uso da engenharia genética e fez nascer um rato de laboratório com o “giro dentado” alterado. Para a experiência, juntou o rato transgénico a um rato normal numa caixa e iniciou uma série de pequenos choques nas patas dos animais.
A cada descarga elétrica, a reação era uma paralisia total. Ao pôr os animais numa outra caixa sem choques, Tonegawa pôde verificar que os ratinhos estavam condicionados: paralisavam de imediato ao entrar, como se a tortura fosse recomeçar.
De seguida, a experiência em laboratório comprovou que o roedor sem alterações genéticas rapidamente dava conta de que os choques não estavam a acontecer, enquanto que o ratinho com o cérebro alterado continuava paralisado.
O animal com o cérebro alterado não percebia que estava a ter uma memória que não o deixava sentir a realidade, e desta forma não conseguia diferenciar o presente do passado. Estava a ter um déjà vu.
O déjà vu acontece mais entre os jovens
Para compreender melhor a teoria do geneticista Susumu Tonegawa, imagine a situação: está num aeroporto e tudo o que vê é bastante semelhante ao que já viu em qualquer outro aeroporto, ou seja, temos cenários praticamente iguais à primeira vista.
Se um ponto exato do seu lobo temporal, chamado “giro dentado”, apresentar uma falha, vai paralisar por uns segundos tal como o ratinho alterado em laboratório. Terá um déjà vu.
Este exemplo ajuda a esclarecer a razão para o fenómeno acontecer mais entre a população jovem, que viaja mais e muda de ambiente mais vezes. É mais provável ter um déjà vu ao passear por um sítio novo do que na rua de casa, que é um ambiente ao qual está verdadeiramente habituado.
Afinal, o que é o déjá vu?
Quando o público conheceu a teoria de Tonegawa, alguns a definiram como a explicação definitiva para o mistério do déjà vu. No entanto, grande parte do mundo da ciência continua a acreditar que há mais por trás das cortinas e que as descobertas não ficam por aqui, enquanto que alguns cientistas defendem mesmo que o déjà vu possa ser como uma dor de dente e ter inúmeras possíveis causas.
Podemos optar por acreditar numa das teorias já mostradas e encarar como certa a psicologia, a fisiologia ou a genética, mas enquanto a ciência não decide e os cientistas não entram em acordo, podemos aceitar o enigma e continuar a acreditar que o déjà vu é de facto a estranha certeza de já ter vivido um exato pedaço de tempo. Porque para nós, o mistério tem sempre mais piada.