Há quem esteja à espera da fatura do cartão de crédito e há mesmo quem já não durma a pensar no que tem de pagar de IVA às finanças. Se está, provavelmente, a achar que vai ter um ataque de ansiedade enquanto analisa formas de liquidar o que deve, este artigo é para si. Não que tenhamos a solução, mas para que saiba que sim, a ciência já explicou que o dinheiro traz felicidade.
Dinheiro traz felicidade? A resposta científica
Já deve ter dado conta que alguns gastos geram um arrependimento profundo, mas que outros são vistos como uma mais valia.
Por exemplo: o tempo gasto numa viagem é automaticamente inserido no armazenamento das boas memórias, passando a fazer parte do passado. No entanto, um telemóvel que valha o seu salário, ainda que seja uma ferramenta com uma vida mais longa do que uma lembrança, pode custar mais ao bolso – e à cabeça.
Quando compramos um objeto de desejo, seja uma joia ou um computador de última geração, é muito improvável que o descartemos em pouco tempo. Vamos usufruir da satisfação da conquista e cuidar para que ele seja um bem com grande durabilidade.
É verdade: o sentimento de gratificação pelos bens materiais existe, mas engana-se quem pensa que gastar dinheiro desta fora nos faz mais feliz do que gastar em viagens, jantares e cinema.
Thomas Gilovich, psicólogo da Universidade de Cornell, realizou uma série de investigações para compreender como acontece a permanência da felicidade nas nossas vidas. O especialista concluiu nas pesquisas que quando gastamos dinheiro num objeto de desejo, a felicidade que ele nos traz é inversamente proporcional ao seu tempo de vida útil. Ou seja, não vai estar feliz com o seu iPhone pelos 2 ou 3 anos em que ele lhe fizer companhia.
Em sentido contrário vêm as experiências. O psicólogo provou que ir a concertos, cinema, jantares e festas, por exemplo, são eventos que nos ajudam a criar conexões com outras pessoas, passando a constituir a maior parte da nossa identidade – sendo esta uma felicidade mais duradoura.
A seguir à compra, o novo bem é banalizado
Esta alteração de sentimentos aconteceria, principalmente, porque uma das nossas características mais marcantes é sermos capazes de nos adaptarmos a tudo. Na verdade, a nossa capacidade de adaptação às circunstâncias é gigante.
Imagine: após um evento, negativo ou positivo, a nossa tendência é regressar ao estado anterior de felicidade. Ou seja, temos uma importante arma que nos ajuda a lidar com o luto ou um trauma, por exemplo.
No entanto, quando aplicamos esta característica ao nosso hábito de consumo, o saldo não é tão positivo. Estudos científicos sobre o tema mostraram que após a compra de um bem, o objeto é logo banalizado. Como? Passamos a incluir o bem material no contexto dos bens que já possuímos e ele perde a sua importância – que tinha na fase anterior à compra. Os cientistas chamaram este evento de “passadeira hedonista”, fazendo referência ao equipamento de ginástica que nos faz correr sem sair do lugar.
Experiências versus objetos
O estudo que Gilovich orientou, chamado de “Uma Vida Maravilhosa: o consumo de experiências e a busca pela felicidade”, deu um novo foco ao assunto. Durante três anos, a equipa do psicólogo acompanhou mais de dois mil voluntários, com idades entre os 21 e os 69 anos, questionando os diferentes grupos sobre os diversos tipos de contentamento experimentados: relacionados às experiências e às posses.
O resultado foi surpreendente: uma vivência particular, mesmo quando negativa, é vista como uma situação capaz de trazer benefícios – nem que seja apenas por dar uma boa história para contar ou por ser uma lição de vida.
Uma ida à praia, por exemplo, ainda que seja num dia chuvoso, pode fazer com que sejam criadas excelentes memórias e que as pessoas incluídas no passeio sintam que passaram tempo juntas – o que é gratificante. No entanto, um telemóvel avariado é uma verdadeira dor de cabeça. O dono nunca vai agradecer pelo ocorrido ou por passar tempo na companhia do objeto.
A comparação de bens versus a comparação de vivências
Podemos enumerar com facilidade tudo aquilo que temos como objetivos para um bem material: a velocidade, a segurança, o peso, o tamanho. Por isso mesmo, conseguimos comparar os objetos, enquanto é difícil fazer a comparação entre experiências – que são baseadas em parâmetros etéreos. Desta forma, a satisfação que as nossas posses provocam em nós é afetada diretamente pela comparação que todos fazemos com as posses que são dos outros.
No caso das experiências, podemos encontrar quem tenha feito uma mesma viagem nas férias, mas será impossível dizer quem aproveitou mais ou quem aproveitou menos o destino em questão. Cada um usufruiu do seu tempo de acordo com as suas expectativas e interesses. Há quem dê mais valor às idas aos restaurantes, enquanto outros preferem conhecer a vida noturna ou desfrutar da natureza.
A outra grande vantagem das experiências, para além de trazerem uma felicidade mais duradoura, é a oportunidade que elas oferecem para que sejam reforçados os laços entre as pessoas. Uma experiência, quando compartilhada, tem mais chances de ser agradável do que uma compra, por exemplo.
“Como as experiências contribuem mais para formar nossas identidades, quando compartilhamos um momento desse com alguém, dividimos algo mais profundo do que quando encontramos uma pessoa que possui o mesmo bem material”, revelou o psicólogo Gilovich.
A satisfação tem início na infância
É ainda na infância que damos conta, pelas primeiras vezes, que dinheiro traz felicidade. É quando surgem os primeiros sinais de satisfação com as nossas compras ou vivências. A forma como usamos o dinheiro ou o nosso tempo já tem impacto desde então.
Clarice Kunsch, psicóloga e pedagoga da Universidade de São Paulo, estudou contextos sociais de crianças que vivem com as agendas preenchidas e cercadas de bens materiais e presentes. A estudiosa brasileira concluiu que essas crianças são mais suscetíveis ao tédio.
“O número exagerado de brinquedos aparece como uma tentativa de suprir a ausência dos pais no dia a dia das crianças, habituadas a ganhar algo sem ao menos pedir”, revelou a psicóloga.
Kunsch acrescentou ainda que este tipo de rotina das crianças e de comportamento dos pais cria “pouca expectativa na conquista ou na realização de um desejo”, fazendo com que “rapidamente, os brinquedos fiquem obsoletos ou desinteressantes.”
Mais parques e centros de lazer
Um dos aspetos mais positivos que os resultados destes estudos mostram, é observar que alguns objetivos podem ter uma aplicação mais ampla. De acordo com Gilovich, os resultados podem alertar às autoridades e servir de guia para que haja investimento em infraestruturas mais globais, que possam proporcionar experiências gratificantes às populações. O psicólogo dá como exemplo a construção de mais cinemas, parques, teatros, casas de espetáculo ou trilhas naturais.
Esta pode mesmo ser a prova científica de que as melhores coisas da vida, de facto, custam menos euros do que os centros comerciais querem fazer acreditar – mas, ainda assim, fica provado que dinheiro traz felicidade, ou pelo menos oferece motivos para se estar feliz.
A mensagem final do estudo científico parece nos levar à reflexão comum aos tempos modernos: o dinheiro pode sim estar relacionado ao bem estar e à felicidade, mas é preciso saber fazer as escolhas certas.