Share the post "Discriminação financeira: somos todos iguais para bancos e seguradoras?"
A discriminação financeira acontece quando alguém, devido a uma condição específica, não consegue aceder a produtos ou serviços, ou acaba por conseguir, mas sendo penalizado.
A verdade é que a discriminação financeira, como qualquer outra, não tem qualquer tipo de base legal. O artigo 13º da Constituição Portuguesa estabelece que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.
“Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”, diz o mesmo artigo.
Ou seja, a discriminação é proibida, mas há casos em que é feita.
O que é a discriminação financeira?
Quando se fala em discriminação, pensa-se na maior parte das vezes em questões de raça, género ou orientação sexual. E este tratamento diferenciado acaba, muitas vezes, por dar origem a situações de discriminação financeira.
Ou seja, pagar mais ou não conseguir aceder a um serviço com base em fatores subjetivos. Mas a discriminação financeira também já ocorreu por motivos relacionados com a saúde.
Quem não se lembra da impossibilidade de as pessoas com cancro, por exemplo, – mesmo que tenha sido na infância – não conseguirem fazer um seguro de vida ou obter um crédito habitação? Isto porque os bancos e seguradoras entendendiam que o risco era maior, mesmo que a situação clínica estivesse perfeitamente controlada.
No entanto, desde novembro de 2021, com a promulgação da Lei nº75/2021, foram proibidas práticas discriminatórias e consagrado o direito ao esquecimento a todas as pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência.
Discriminação financeira nos seguros
Todos sabemos que o prémio de um seguro aumenta consoante o risco. Mas será legal penalizar quem teve uma doença? E é verdade que existem casos em que as mulheres pagam seguros mais elevados do que os homens?
O Guia de Seguros e Fundos de Pensões da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) esclarece que “na área dos seguros é especificamente proibido discriminar uma pessoa por ser homem ou ser mulher ou ser portador de deficiência ou ter um risco agravado de saúde”.
Mas na prática será que é isso que acontece?
A discriminação em razão do sexo
De acordo com o mesmo guia, é proibida a discriminação “de forma direta ou indireta, em função do sexo no acesso a bens e serviços”. Não pode pagar um prémio mais elevado apenas por ser mulher, explica a entidade responsável pela regulação e supervisão da atividade seguradora em Portugal.
“A lei prevê que não pode haver diferenças entre homens e mulheres na forma como são calculados os prémios dos seguros e as prestações pagas pelos seguradores”, garante o regulador.
Ainda assim, alerta que “essas diferenças são permitidas quando resultam de uma avaliação do risco baseada em dados estatísticos relevantes e rigorosos”. E aqui poderá existir alguma subjetividade, já que não se especifica qual a fonte desses dados.
Uma vez que a discriminação devido ao género é proibida, quem for vítima “tem direito a ser indemnizada, pelo segurador, pelos danos que tenha sofrido”.
A ASF diz também que o responsável pode “ser sujeito a responder num processo e condenado ao pagamento de uma coima e a outras sanções”.
Discriminação por deficiência ou risco agravado de saúde
E caso exista uma deficiência ou um risco agravado de saúde? A entidade supervisora assegura que “é proibido discriminar, de forma direta ou indireta” em função destes fatores.
A lei prevê punições para “atos ou omissões que violem o princípio da igualdade e que impliquem um tratamento menos favorável” a pessoas nestas situações.
Ainda assim, não se pode dizer que seja proibido ou que não se faça. “Em caso de deficiência ou risco agravado de saúde, é permitido aos seguradores, depois de avaliados os riscos, recusar fazer um seguro ou aumentar o valor do prémio, se estas decisões forem devidamente justificadas e resultarem de dados estatísticos relevantes e rigorosos”.
Isto quer dizer que, perante um cliente que possa apresentar fatores de risco – como por exemplo ser fumador – a seguradora pode aumentar o valor do prémio. E caso entenda, pode mesmo recusar fazer o seguro.
Ou seja, há situações em que um seguro de vida pode ser recusado. E, consequentemente, um banco pode não conceder um empréstimo, isto apesar de, por lei, o seguro de vida não ser obrigatório para o crédito à habitação.
Quais os direitos do consumidor?
O cliente deve ser informado sobre o agravamento do prémio e saber por que paga mais. O segurador “tem de indicar a diferença entre os fatores de risco específicos da pessoa e os fatores de risco de uma pessoa em situação semelhante, mas não afetada por aquela deficiência ou risco agravado de saúde”.
Caso o seguro tenha sido recusado ou o prémio aumentado, tem direito a pedir uma análise do caso e dos fatores de risco que ditaram este tratamento diferenciado. A análise é feita por uma comissão composta por representantes do Instituto Nacional para a Reabilitação, do segurador e do Instituto Nacional de Medicina Legal.
Estes especialistas elaboram um parecer sobre o assunto, mas este não é vinculativo. Ou seja, mesmo que se considere que não existia razão para a recusa ou agravamento, a seguradora não é obrigada a voltar atrás na decisão.
Discriminação financeira no acesso ao crédito
Já no que respeita à concessão de crédito, e em termos objetivos, o que é tido em conta pelo banco é a avaliação da solvabilidade do consumidor. Isto é, a instituição de crédito vai analisar dados para perceber se o cliente tem “capacidade e propensão” para cumprir com o contrato, ou dito de outra forma, se tem como pagar o empréstimo e qual o risco de incumprimento que pode existir.
Nessa avaliação são tidos em conta:
- A natureza e características do contrato de crédito;
- O valor do empréstimo;
- A idade e situação profissional;
- Os rendimentos ;
- As despesas regulares ;
- O cumprimento das obrigações assumidas pelo consumidor noutros contratos de crédito.
E é justamente neste último ponto que se podem verificar situações de discriminação financeira. Isto porque o incumprimento em créditos anteriores pode ser um impedimento à obtenção de um novo empréstimo.
Estar ou não na “lista negra” do Banco de Portugal
Daí a importância de, como se costuma dizer, “ter o nome limpo no Banco de Portugal”. A Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal guarda a informação sobre os seus empréstimos, incluindo eventuais incumprimentos. Assim, os bancos podem avaliar o risco inerente a cada pedido.
O registo (ou Mapa de Responsabilidades) fica “limpo” quando existe o pagamento da dívida. No entanto, alguns clientes queixam-se de que, mesmo assim, não conseguem obter empréstimos. Uma situação que pode dever-se à demora na atualização da base de dados, mas não só. É que, como diz a lei, podem existir outros fatores que reduzam a solvabilidade do consumidor, como por exemplo a falta de património ou fiador.
Assim, ter estado na “lista negra” do Banco de Portugal pode ser apenas um dos motivos para não aceder ao crédito. E como os bancos têm de avaliar o risco, poderá não ser uma situação de discriminação financeira, mas de falta de solvabilidade.
- Assembleia da República: Constituição da República Portuguesa (Artigo 13.º)
- Diário da República Eletrónico: Decreto-Lei n.º 72/2008 Estabelece o regime jurídico do contrato de seguro
- Banco de Portugal: Central de Responsabilidades de Crédito
- Banco de Portugal: Aviso n.º 4/2017 – Critérios a observar na avaliação da solvabilidade