Share the post "Efeito de contraste: e quando é o cérebro que nos faz gastar mais?"
Muitas vezes fazemos despesas desnecessárias quando vamos às compras e nem damos por isso — a não ser quando somos confrontados com o saldo da conta bancária. Com frequência, a culpa destes gastos inconscientes está numa pequena partida que o cérebro nos prega e a que a psicologia chamou de efeito de contraste.
Trata-se de um viés cognitivo que ocorre nos seres humanos de forma inconsciente e que consiste na tendência mental de avaliar as pessoas ou objetos por comparação com os seus pares.
Dito de forma mais simples, é aquilo que acontece sempre que consideramos algo mais bonito, maior ou mais caro/barato do que outro artigo semelhante. Um julgamento que assenta na comparação, e não numa avaliação individual do objeto.
Aplicação do efeito de contraste às finanças pessoais
O efeito de contraste manifesta-se em todas as áreas do nosso quotidiano, e as finanças pessoais não são exceção. Quando vamos às compras, por exemplo, avaliamos o custo-benefício de comprar um produto comparando-o com as características (e preço) de outros produtos semelhantes.
Pode dizer-se, genericamente, que o efeito de contraste é o que o leva a comprar um champô de uma marca conhecida em detrimento de um champô de marca branca: a noção de um melhor custo-benefício.
Também na forma como gerimos as nossas poupanças e investimentos há interferência do efeito de contraste. Como decide se aplica as poupanças num depósito a prazo ou se as usa para comprar ações de uma empresa? Através da comparação do custo-benefício, que, neste caso, assenta sobre o risco, a rentabilidade e os prazos de retorno financeiro. No fim de contas, é sempre uma comparação.
Porque é que o efeito de contraste é um problema?
O efeito de contraste é um processo natural do nosso cérebro, mas às vezes transforma-se numa armadilha para o nosso bolso, porque pode ser infundado.
Imagine que lhe propõem caminhar durante 10 minutos para poupar 10 euros num almoço. Vale a pena, certo? E se lhe propusessem caminhar 10 minutos até outro stand para comprar um carro que é 10 euros mais barato do que no stand onde está? Provavelmente já não parece um esforço que valha a pena. E no entanto continuamos a falar de dez minutos de caminhada para obter dez euros de poupança.
A única diferença está precisamente na forma como percepcionamos as duas situações: 10 euros de poupança num almoço de 20 euros parece muito melhor do que os mesmos 10 euros de poupança num carro de 10 mil euros. Tem tudo a ver com as proporções, que salientam ou reduzem o efeito de contraste.
No fim de contas, um maior ou menor efeito de contraste pode levá-lo a gastar mais do que realmente é necessário, sem sequer se dar conta disso.
A manipulação do efeito de contraste
Não é por acaso que as finanças comportamentais estudam o efeito de contraste: apesar de acontecer de forma inconsciente, esta distorção que ocorre na nossa percepção não só é previsível, como até manipulável.
Uma vez compreendido o funcionamento deste mecanismo, as marcas podem socorrer-se dele para convencer os consumidores de que os seus produtos são melhores, mais eficazes ou até mais baratos do que os da concorrência. Tudo vai depender dos estímulos que proporcionem ao consumidor.
Na verdade, basta que as marcas consigam manipular o ambiente em torno do produto no momento da compra: se o produto parecer melhor do que os que estão à volta, o efeito de contraste vai enviesar, à partida, a decisão do consumidor.
Não é difícil encontrar exemplos de manipulação da percepção se estiver atento ao que o rodeia, sobretudo nos momentos em que está prestes a gastar dinheiro. É possível até que já tenha notado alguma destas estratégias sem, no entanto, ter tido consciência do que provocava em si.
Nos supermercados
Já reparou que as cuvetes de carne premium são quase sempre pretas, em oposição às cuvetes brancas ou amarelas da carne mais barata? Tem a ver com a sua perceção de cor: nas cuvetes brancas, o sangue da carne fica visível e dá a sensação de maior sujidade, enquanto nas pretas tudo parece mais limpo (e, portanto, melhor e merecedor de um preço mais alto). O efeito de contraste faz com que queira comprar o que lhe parece melhor.
Na bolsa
Quantas vezes ouviu alguém dizer que as ações de uma empresa estão caras para aquilo que a empresa vale? Nunca. Sabe porquê? Porque a compra das ações é feita com base no efeito de contraste: a decisão de compra baseia-se no facto de elas estarem mais caras ou mais baratas do que nas semanas anteriores, e não no facto de serem caras por si só.
Nos saldos
Um produto que custava 100 euros e agora custa 70 parece uma pechincha ao lado de outro produto semelhante que sempre custou 70 euros. O efeito de contraste vai levá-lo a acreditar que o primeiro caso é um melhor negócio, porque está a comprar com desconto, em oposição ao produto que nunca baixou de preço – mesmo que os produtos sejam iguais.
Nas lojas
Já reparou que as lojas de roupa mais baratas estão mais remexidas do que as concorrentes mais caras? Também não é coincidência: o efeito de contraste leva-o a decidir, instintivamente, que as primeiras têm pechinchas que toda a gente quer (e que nem é preciso estar atento ao preço), enquanto as segundas são mais seletivas e cuidadas (e, por isso, justificadamente mais caras).
Dificilmente dará por si a comprar sem olhar para a etiqueta nas lojas caras, mas também não quererá procurar uma roupa executiva numa das lojas mais baratas.
No imobiliário
Um agente imobiliário atento vai mostrar-lhe casas muito piores do que aquilo que procura antes de lhe apresentar o imóvel que realmente quer vender-lhe. Mais uma vez, é um jogo com o efeito de contraste: depois de ver casas tão más, a última até lhe vai parecer bastante atrativa. Quem quereria comprar um pequeno T1 depois de visitar mansões magníficas?
Outras implicações do efeito de contraste
Agora que entende como opera o efeito de contraste, vai dar por si a notar que não tem implicações apenas no campo das finanças pessoais.
Pense, por exemplo, nas relações laborais: um candidato a um emprego é melhor ou pior quanto melhores ou piores são os que se candidataram à mesma vaga; ou nas relações amorosas: um candidato a parceiro parece mais ou menos atraente quanto mais ou menos atraentes forem os pares à sua volta; ou nas relações académicas: um aluno parece mais ou menos brilhante quanto mais ou menos sucesso tiverem os colegas da mesma turma.
A verdade é que todos os dias, a toda a hora, somos influenciados nas nossas decisões pelo efeito de contraste, não há volta a dar-lhe. Mas pode sempre tentar contrariá-lo, concentrando-se antes nas características individuais da pessoa ou objeto em análise, ao invés de se deixar influenciar pela comparação com outras pessoas ou objetos.
O que importa é que, pelo menos, já sabe que o efeito de contraste existe e que pode ter um papel preponderante nas suas decisões financeiras ou noutras. É mais um motivo para pensá-las várias vezes antes de as tomar!