Share the post "Como pensar (e concretizar) o caminho para a recuperação económica?"
O Grande Auditório da Fundação Caixa Geral de Depósitos – Culturgest, em Lisboa, foi o palco de mais um Encontro Fora da Caixa, subordinado ao tema: o “Caminho da Recuperação”. A iniciativa aconteceu na última sexta-feira, 18 de setembro.
O evento contou com a participação do presidente da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos, Paulo Moita de Macedo, do presidente do Conselho de Administração da CGD, Emílio Rui Vilar e de três convidados especiais: António Costa Silva, professor universitário e atual consultor do Governo, o escritor Gonçalo M. Tavares e o compositor e cantor Pedro Abrunhosa. Todos eles deram o seu contributo e partilharam a sua visão sobre os caminhos para a recuperação económica no contexto pós-pandemia. Gonçalo M. Tavares e Pedro Abrunhosa pelo lado do pensamento e Costa Silva pelo lado da concretização.
No princípio… era o pensamento
A abertura do evento esteve a cargo do presidente da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos.
Após uma breve introdução, e no âmbito do tema do evento, Paulo Moita de Macedo fez questão de sublinhar que, na escolha de qualquer caminho, é importante retermo-nos no exercício do pensamento, um vez que este tem capacidade transformadora, mas implica, a jusante, ação e atuação, sem as quais o pensamento não seria útil. “Há um momento em que, de facto, temos de tomar caminhos. Pensar, meditar e, obviamente, agir”.
Apresentou, deste modo, o objetivo de mais este Encontro Fora da Caixa, mas também a escolha dos convidados. Antes de dar espaço para que estas personalidades refletissem acerca do contexto atual e problematizassem o futuro, o presidente da Comissão Executiva da Caixa deixou uma garantia, a banca “está mais bem preparada para combater esta crise económica do que a anterior”.
O pensamento e a ação
Foi precisamente sobre o mote do pensamento e da ação que Pedro e Abrunhosa desafiou Gonçalo M. Tavares para a reflexão.
“Sim, de facto, há um grande conflito entre pensamento e acção. Se só ficássemos no pensamento, não existia fogo. Mas se não pensássemos também não”, disse o escritor.
Para Gonçalo M. Tavares, as pessoas estão sempre “a correr atrás do urgente”, quando o que é preciso é pensar no que é de facto importante e fazê-lo. “O importante é que tem de ser urgente”, acrescentando que, “normalmente, as pessoas só pensam em mudar de vida depois de estarem muito doentes. Será preciso estar muito doente (trate-se de uma crise, trate-se de uma doença coletiva) para mudar de vida? Não”.
É essencial ter a consciência que “pensar também é simplificar, dar dois passos atrás, ter uma perspetiva mais ampla e perceber o que é verdadeiramente importante”, referiu.
Fazer o que nunca foi feito
Coube, seguidamente, ao chairman da Caixa Geral de Depósitos apresentar o seguinte convidado e introduzir a entrevista realizada por André Veríssimo, diretor do Jornal de Negócios, a António Costa Silva.
Emílio Rui Vilar considerou que o contributo do professor universitário, gestor e conselheiro do Governo, responsável pela elaboração do plano de recuperação de Portugal para os próximos dez anos, é inestimável para o país. Saudou-o e elogiou-o pela sua audácia, conhecimento e cumprimento dos prazos do trabalho desenvolvido na Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica 2020-2030.
“Assumiu sozinho um trabalho para o qual qualquer outra pessoa teria pedido orçamentos (…). É muito mais que um académico e gestor. É um homem de uma cultura invulgar e também um cidadão que assume, na praça da opinião pública, a defesa do que acredita ser o bem comum”, afirmou.
“Creio que a qualidade do seu trabalho merece uma sequência”, continuou, acrescentando que “os portugueses anseiam por novos padrões éticos na gestão do dinheiro público e, por isso, estamos perante uma oportunidade imperdível”.
Frisou ainda que o sucesso neste caminho da recuperação passa pelo desenho da execução dos projetos e definição das prioridades. “Temos privilegiado o curto prazo e a promessa de ganhos imediatistas em detrimento de objetivos estruturantes de longo prazo”, salientou.
… concretizando a visão estratégica para o país
Entrevistado por André Veríssimo, António Costa Silva começou a sua breve reflexão com uma frase impactante: “Estamos perante a crise das nossas vidas (…) estamos perante uma pandemia que pôs o mundo do avesso, e que veio questionar todos os nossos paradigmas”.
Além dos desafios que se colocam à saúde, há também que lidar com o impacto que uma crise sanitária como esta tem ao nível das desigualdades sociais, dos recursos e da própria retração demográfica.
Todavia, segundo o autor do documento que define a visão estratégica para o plano de recuperação da economia portuguesa até 2030, também é verdade que, do ponto de vista tecnológico, veio acelerar a transformação digital e, além disso, “trouxe para cima da mesa o papel da revalorização do Estado e dos serviços públicos”.
Esta foi, aliás, uma dos temas que Costa Silva fez questão de aprofundar, acrescentando que, neste momento, é fundamental “não nos agarrarmos aos paradigmas anteriores, às ideias do passado. É fundamental, hoje, olhar para a importância dos serviços públicos e entender o papel do Estado como a nossa única e última defesa”.
“Eu defendo aqui que nós temos de reconfigurar todo o nosso sistema, pensar numa configuração virtuosa entre o Estado e o mercado. Os mercados são máquinas incríveis de inovação, criatividade, de geração de riqueza, mas também temos que ter a regulação do mercado, do Estado e sua intervenção. Se não tivermos esta combinação virtuosa, muito provavelmente vamos falhar em termos de futuro”.
“Para alcançarmos os nossos objetivos e isto é, no meu entender, absolutamente fundamental, precisamos de investir na qualificação do Estado, no Serviço Nacional de Saúde, na Administração Pública (…). Mas temos também que saber identificar, gerir e antecipar os riscos (sejam eles, sísmicos, climáticos, energéticos), capacidade que parece que estamos a perder. Temos de ser resilientes!”
Mobilizar os portugueses e as empresas portuguesas
Esta crise sanitária veio também agravar todos os problemas conjunturais da economia do país. “Temos uma economia que vive num mercado interno muito limitado; empresas descapitalizadas; uma dívida pública elevada, que é inibidora do crescimento; pouco investimento e uma produtividade baixa. Ainda por cima temos um colapso em termos da oferta e da procura. A recuperação vai ser muito mais lenta e grande questão que se coloca é como é que vamos sair daqui.”
Costa Silva propõe pensar de forma aprofundada a nossa economia, até porque “a riqueza de um país depende da complexidade e diversidade da sua economia e da sua capacidade de produzir produtos de alto valor acrescentado”, frisando que Portugal tem competências funcionais. Mas, o que é que está a falhar? “Porque é que não damos o salto?”
Na sua opinião, temos as competências funcionais, mas não damos o salto porque nos faltam as competências institucionais, a começar pela qualidade da gestão em todo o sistema (incluindo nas micro e PME). Considera também que damos muito pouca atenção ao marketing, não sabemos vender os nossos produtos nos mercados globais. E dá um exemplo: “somos um país que inventou a Via Verde e esqueceu-se de registar a patente da Via Verde. Não damos atenção nenhuma à internacionalização das cadeias de valor e temos que apostar aí.
Para responder a estes grandes desafios definiu, então, dez eixos estratégicos no Plano de Recuperação. Fez, contudo, questão de salientar que colocou a Cultura com um vetor fundamental destes eixos, pois, no seu entender é a marca distintiva de um país. É preciso entender que a Cultura tem impacto na economia, na criatividade, na inovação, na integração social (…)
Para terminar, e remetendo-se novamente aos eixos estratégicos, afirmou que é necessário apostar na interconectividade do país. Portugal só terá sucesso se estiver inserido nas redes globais (comerciais, energéticas, logísticas), se tiver qualificação, se apostar no SNS, no Estado Social, apostar no emprego, na reindustrialização, no 5G, nas cidades inteligentes (…)”.
Uma das principais ideias deste evento foi destacar que, para executar este projeto estratégico de longo prazo, é preciso unir e mobilizar o país em torno de uma visão que já existe. Ou seja, “Fazer o que nunca foi feito”, citando, precisamente, uma conhecida canção de Pedro Abrunhosa.