Share the post "Entrevista com Killa : arte, vida e os temas que definem o seu percurso"
Tivemos o privilégio de conversar com Killa, um artista português nascido em 1997 na cidade do Porto. Conhecido pelo projeto “Killa Was Here”, a sua obra reflete profundamente as vivências pessoais, explorando temas universais como o amor e a morte. Cada pintura de Killa é uma narrativa, uma janela para a sua vida ou para fatores externos que o inspiraram e tocaram de forma única.
Os seus trabalhos são marcados por elementos icónicos, como o Killa smiley face, as delicadas borboletas Killa e o mais recente símbolo que tem cativado o público: o teddy Killaz. Nesta entrevista, vamos mergulhar no universo criativo de Killa, compreender as histórias por trás das suas obras e explorar a essência artística que o torna tão singular.
Sobre a arte e o processo criativo
Ekonomista (EK) – Como descreves o teu estilo de arte? Quais as influências e referências que te ajudaram a moldá-lo?
Killa – Sempre fui adepto de delegar a caracterização e descrição do meu trabalho a terceiros. Não por preguiça de o fazer, mas por não gostar de enquadrar o meu trabalho em categorias ou estilos artísticos como normalmente fazem. Gosto de pintar e criar de forma natural e orgânica, seguindo os meus instintos e vontades como artista. Por outras palavras gosto de fazer o que me apetece sem me prender a barreiras estilísticas. Acredito que o meu trabalho é um reflexo da minha vida, experiências, sentimentos e emoções, materializadas em telas e objetos coloridos.
EK – Quais são as principais emoções ou mensagens que tentas transmitir através do teu trabalho?
Killa – Ultimamente tenho vindo a descobrir a mensagem da obra à medida que a vou criando. Ao invés de escolher uma emoção ou mensagem e criar uma obra que transmita a mesma, tento afastar-me deste instinto e criar aquilo que me apetecer naturalmente. Durante o processo de criação, entre pinceladas, vou entendo, umas vezes melhor do que outras, o porquê da obra estar a nascer, sem me prender nem debruçar muito sobre este processo de descoberta. O objetivo com o meu trabalho é suscitar algo no espectador. Sempre me fascinou a capacidade de uma obra de arte provocar reações e emoções fortes a quem a observa, e é este para mim o melhor feedback que posso receber em relação ao meu trabalho. O surgimento de uma conexão interior profunda entre um espectador e a minha obra. Fazer o espectador sentir algo intensamente apenas por observar o trabalho.
EK – Podes contar-nos um pouco sobre o teu processo criativo? Como começas uma nova peça e como decides quando está finalizada?
Killa – Tenho o hábito de andar com o meu bloco de desenho onde vou anotando e rabiscando qualquer ideia que me surja, de modo a não deixar escapar potenciais obras por entre o esquecimento da mente. Quando alguma destas ideias ganha força o suficiente na minha cabeça, tento concretizá-la. Se for necessário, faço alguns estudos em papel antes de avançar para a peça final, caso contrário, debruço-me imediatamente sobre a mesma. Há sempre mais alguma coisa que poderia fazer na obra, seja isso acrescentar ou subtrair algum elemento. No entanto, há uma altura em que sinto que a obra está terminada e aí dou o trabalho por finalizado.
EK – Que materiais e técnicas preferes usar, e porquê?
Killa – De momento tenho trabalhado mais com óleo sobre tela. Como não venho de um passado académico de artes, vou descobrindo e navegando entre diferentes materiais e técnicas à medida que estes me vão aparecendo. A fase de conhecer e experimentar algo novo , apesar de sempre desafiante, é algo que me fascina, de modo que pretendo continuar neste caminho de exploração artística sempre em busca de algo novo.
EK – Como é o equilíbrio entre o digital e o tradicional no teu trabalho? Preferes uma em relação à outra?
Killa – No âmbito do meu trabalho não tenho uma grande afinidade com arte digital. Gosto de obras palpáveis, presentes no mundo físico. Até a mexer num iPad tenho dificuldades para fazer um desenho ou ilustração, prefiro o papel e o lápis ou caneta. No entanto, fascina-me pensar nas infinitas possibilidades que o desenvolvimento tecnológico pode trazer para o mundo das artes, como é o caso da inteligência artificial. Mais como uma ferramenta para este campo do que propriamente um elemento substituto, mergulho nos até hoje impossíveis que a tecnologia vai permitir tornar em possíveis. A impressão 3D ocupa um papel central no processo de criação das minhas esculturas. Algo que anteriormente teria de ser esculpido à mão, consigo hoje fazer através desta tecnologia. Em acréscimo, reconheço que a evolução da arte digital tem vindo a dar palco a artistas digitais com talentos e trabalhos incríveis, e tento acompanhar de forma participativa e com entusiasmo as simbioses que poderão ser criadas entre os mundos digital e analógico dentro do universo das artes.
Carreira e projetos
EK – Como começaste a tua trajetória como artista? Tiveste um momento específico em que decidiste que a arte seria a tua carreira?
Killa – Desde que me recordo a arte esteve presente na minha vida. O hábito de pintar e desenhar já vem de muito novo. Logicamente, de uma forma muito descontraída e pouco séria, mas sempre encontrei um grande conforto e dediquei muito do meu tempo a criar. Apesar do meu percurso académico não ter passado pelas artes, quando terminei a minha licenciatura em gestão decidi arriscar no mundo das artes. Organizei , de forma independente, a minha primeira exposição que correu surpreendentemente bem, onde vendi praticamente todas as obras. A partir dessa exposição dediquei-me na totalidade à minha carreira como artista plástico.
EK – Qual foi o maior desafio que enfrentaste na tua jornada como artista até agora?
Killa – Não consigo escolher apenas um desafio como o mais relevante do meu percurso. Penso que o maior desafio como artista é termos a força de vontade necessária para acreditar que é possível vencer no mundo das artes. Acredito também que a única forma de ter essa força é através da obsessão em criar. Pelo menos é o que a mim me faz acreditar, dia após dia, mesmo quando por vezes as coisas não correm bem. É algo mais forte do que tudo o resto, como uma fome impossível de saciar.
EK – Podes contar-nos a história por detrás de algum projeto que foi particularmente especial ou marcante na tua carreira?
Killa – Em Dezembro de 2021 fiz uma exposição na Alfândega do Porto. Foi imediatamente seguida à pandemia do COVID19, ainda existiam algumas restrições mas já era possível organizar eventos desta natureza. Desde o início da pandemia que já não fazia exposições, nem mostrava o meu trabalho a ninguém para além de amigos que visitavam o estúdio ou clientes que foram adquirindo peças. Este intervalo de tempo sem fazer exposições ocorreu também durante uma fase primordial da minha carreira onde a vontade de expor o meu trabalho era imensa. A exposição contou com uma enchente de visitantes, havia uma fila enorme à porta e vendeu-se muito bem. Foi uma alegria enorme para mim ver tanta gente junta, a observar o meu trabalho, passado tanto tempo a produzir na solidão, ainda que extremamente satisfatória e confortante, do meu estúdio. Por todos estes fatores foi, até hoje, o momento mais especial na minha caminhada como artista.
EK – Tens algum projeto futuro que possas partilhar conosco? Alguma colaboração interessante ou exposição à vista (para além das atuais)?
Killa – Mudei-me do Porto para Marvila, Lisboa no inicio do ano, onde estabeleci o meu novo estúdio. Este ano expus em Madrid, duas vezes em Lisboa e acabo de regressar de uma exposição individual em Tokyo, Japão. Até ao final do ano vou realizar um open estúdio para mostrar o meu espaço, algo que o meu calendário ainda não tinha permitido. Em relação a projetos futuros, posso mencionar que em Março de 2025 vou participar na feira de arte ArtMadrid, representado pela galeria Nuno Sacramento Gallery. O ano de 2025 vai estar cheio de projetos especiais para mim, mas os mesmos, por enquanto, ainda não podem ser revelados.
Inspiração e vida pessoal
EK – Quem ou o que te inspira a criar? Há artistas ou movimentos artísticos que te influenciam diretamente?
Killa – Acredito que o meu trabalho é um reflexo direto das minhas experiências, positivas e negativas, neste mundo. Desta forma posso dizer que o que me inspira a criar é tudo aquilo e aqueles que me rodeiam. Faço o melhor para deixar pedaços dessa minha experiência materializados em tela ou qualquer outro meio.
Admiro o trabalho de vários e várias artistas que deixam, sem dúvida, a sua pegada na minha obra. Quando olho para os meus trabalhos, especialmente os mais antigos, consigo reconhecer as referências e traços desses mesmos artistas, em elementos isolados da minha obra. Com o passar do tempo, esses traços do trabalho de outros artistas vão ficando gradualmente para último plano e a personalidade do artista ganha força, começando a vir ,cada vez mais, ao de cima. Isso é, para mim, a caracterização de criatividade e o processo de construção da identidade de um artista.
EK – Como é o teu dia enquanto artista? Existe uma rotina específica que segues?
Killa – Encontro um grande conforto e bem-estar na minha rotina. Acordo por volta das 9 da manhã, tomo o meu café e preparo um bom pequeno almoço. De seguida faço o meu treino, de Muay Thai, Boxe ou musculação, dependendo do dia. Almoço por volta das 12:30 e chego ao estúdio entre as 13:30 e as 14:00. No início da tarde tento despachar as tarefas mais analíticas e menos entusiasmantes que acompanham o meu trabalho. E-mails, telefonemas, preparação de orçamentos, visitas ao estúdio, entre outras. Terminando-as fico com o caminho livre para trabalhar na obra ou grupo de obras que estiverem em processo de produção nesse momento. Por volta das 20:00 vou jantar. Regresso ao estúdio depois de jantar e estas são as melhores horas do meu dia. Consigo pintar sem interrupções nem distrações. Coloco a minha música no estúdio e mergulho de cabeça na obra que estiver a pintar. Perco a noção do tempo e de tudo o que me rodeia dentro do isolamento do meu estúdio. Por volta da 1/1h30 da manhã regresso a casa para fazer a última refeição e descansar.
EK – Quando não estás a criar, o que gostas de fazer para relaxar ou procurar inspirações?
Killa – O que eu gosto mesmo de fazer é criar. Tenho a felicidade de viver daquilo que mais gosto de fazer então não sinto a necessidade de procurar outras atividades para relaxar ou distrair-me do trabalho. Porém, encontro uma grande satisfação nos meus treinos, idas ao cinema e quando em contacto com a natureza. Para além disso, tento viajar o máximo possível. Sempre que viajo regresso cheio de ideias e com vontade de as materializar.
EK – Achas que a tua arte mudou ao longo dos anos? Se sim, o que impulsionou essa evolução?
Killa – Sem dúvida. Noto uma grande diferença nas minhas obras com o passar do tempo. Cada vez gosto mais do meu trabalho atual e inevitavelmente vou-me identificando menos com o mais antigo. Acredito que com o tempo vamos mudando e essas mudanças acabam por passar para a tela. Para além disso, como sempre experimentei estilos, técnicas e materiais diferentes, fui e vou encontrando aquilo que mais gosto de fazer.
EK – Como é que a tua cidade e o ambiente à tua volta influenciam o teu trabalho?
Killa – Não penso que a cidade onde estou afeta o meu trabalho. O meu estúdio é, para mim, um local distante de tudo o resto. Independentemente do que estiver a acontecer lá fora, quando aqui entro sinto-me desligado de tudo e profundamente conectado com a minha obra. Preciso de conseguir entregar a totalidade da minha atenção ao que estou a pintar. Não gosto de pintar entre conversas, nem de dividir a atenção com mais nada nem ninguém. Tenho ainda assim uma grande estima pela companhia da minha namorada ou dos meus amigos nestes momentos de criação porque consigo, mesmo com a presença confortante deles, entregar-me por completo à obra. Em acréscimo, a música acompanha todas as etapas do meu processo criativo, e nunca falta no estúdio uma boa playlist em concordância com aquilo que estiver a pintar.
EK – Como achas que a arte pode influenciar ou mudar a sociedade?
Killa – A arte tem, na minha opinião, um papel fundamental na sociedade, apesar de passar, para muitas pessoas, como despercebido. É o reflexo mais genuíno e verdadeiro da experiência humana, onde os criadores expõem e partilham as suas vulnerabilidades mais íntimas com todos, criando relações empáticas com pessoas que podem estar a passar por situações tão únicas que os fazem pensar que estão sozinhas neste mundo. Até que chega uma obra, pintura, música, poema , filme , ou qualquer outra forma de expressão artística, que os faz sentir compreendidos, e um bocadinho menos abandonados na imensidão deste planeta. Para mim é este o verdadeiro poder da arte. Se calhar existem pessoas que nunca perderam um pai, nunca terminaram uma relação amorosa, nunca se apaixonaram, nunca atingiram um pico de felicidade nem nunca bateram no fundo, e desta forma nunca encontraram um conforto grande nestas obras. Mas como ninguém saí impune desta experiência tumultuosa que é a vida, acredito que, eventualmente, todos irão, em algum momento, conectar-se com uma obra de arte que os toque verdadeiramente e faça compreender a importância da arte na sociedade.
Reflexões e mensagens para outros artistas
EK – Que conselho darias a artistas que estão a começar agora e querem encontrar o seu próprio estilo?
Killa – Não tenham medo de experimentar, arriscar e seguir referências de outros artistas. Por vezes certas “regras” que nos foram transmitidas acabam apenas por prejudicar as possibilidades infinitas do nosso ofício. Quanto mais nos conseguirmos aproximar daquele espírito infantil de imaginação e coragem em fazer o que nos apetece sem receio da opinião de terceiros, melhor para a nossa obra, a meu ver pelo menos. Com o passar do tempo e consequentemente a várias experiências, referências roubadas e processos de tentativa-erro, a nossa identidade artística vai florescendo.
EK – Como vês a tua relação entre a arte e as redes sociais hoje em dia? Achas que as plataformas digitais ajudam ou atrapalham o processo artístico?
Killa – No meu caso particular sinto que as redes sociais, nomeadamente o Instagram, ajudaram na divulgação do meu trabalho, especialmente numa fase inicial da minha carreira onde, devido à pandemia, era a única forma de partilhar e mostrar as minhas criações. Continua a ser uma excelente plataforma para partilhar a minha obra, que me permite chegar a todos os cantos do planeta. No entanto, não penso nem me lembro de gravar ou fotografar o meu processo criativo enquanto estou a pintar. Nem quero pensar. Vejo que as redes sociais criaram um novo nicho de artistas/criadores de conteúdo que debruçam a maior parte da sua atenção em criar conteúdo digital artístico ao invés de focar no resultado final da obra em si. No meu processo artístico, não existe muito espaço nem tempo para pensar em criar conteúdo para as plataformas. Mas reconheço e fico feliz por saber que estas plataformas também abriram portas a outros criativos que, apesar de diferentes formas, contribuem para a partilha de arte pelo mundo fora.
EK – Como lidas com críticas ao teu trabalho? Já, em algum momento, uma crítica fez com que mudasses a tua forma de criar ou pensar?
Killa – Acredito que as críticas podem ser bastante construtivas e enriquecedoras, mas não tenho em consideração qualquer crítico. Tenho a felicidade de ter pessoas à minha volta com opiniões importantes para mim, e tento sempre procurar as suas críticas em relação ao meu trabalho e de que modo o posso melhorar. Outras cujas opiniões não são tomadas em conta na íntegra, mas com algumas notas igualmente importantes e por mim reconhecidas e aplicadas no meu trabalho. Procuro colegas de ofício, com experiências diferentes da minha, para partilharem as suas opiniões, positivas e negativas em relação à minha obra. Especialmente quando estou a navegar numa nova técnica ou material, se conhecer alguém que já domine essa área, não hesito em perguntar de que maneira acham que poderia melhorar.
EK – Qual é o teu maior objetivo enquanto artista? O que gostarias que as pessoas sentissem ou pensassem quando veem a tua arte?
Killa – Não consigo reduzir o meu objetivo maior enquanto artista a apenas um “milestone”. Passa por conseguir expor o meu trabalho por todo o mundo, conseguindo conhecer novos sítios e culturas e dar a conhecer também o meu trabalho nestes locais. Por proporcionar a mim e à minha família uma vida feliz com tudo o que eu acredito a que têm direito. Espero também eventualmente conseguir inspirar jovens criadores a acreditarem que dá para ser artista, particularmente em Portugal, onde muitas vezes este sonho é desacreditado.
No que toca às reações do espetador em relação ao meu trabalho, o que mais me preenche de satisfação é saber que a obra foi capaz de, alguma forma, tocar no observador, despoletando algum sentimento ou emoção no mesmo. “Adoro”, ou até, “odeio” são reações bem recebidas para mim. A reação de indiferença em relação a uma obra é reflexo , a meu ver, de um trabalho não tão bem conseguido, e aquilo que diferencia arte decorativa de arte verdadeiramente poderosa. O “está fixe” ou “gosto” são a pior forma de feedback que posso receber. Preferia ter obras de tal forma únicas e impactantes que nem toda a gente as conseguiria ter em casa, do que criar imagens que facilmente encaixavam na casa e nos gostos de qualquer pessoa.
O fim da viagem pelo universo de Killa
Encerrar esta conversa com Killa é como fechar um livro que nos prende do início ao fim – uma mistura de inspiração, introspeção e emoção. As histórias e os símbolos que habitam o seu universo artístico vão além da tela, convidando-nos a refletir sobre as nuances da vida, os encontros do amor e os mistérios da morte.
Através do seu trabalho, Killa prova que a arte é mais do que estética; é uma linguagem poderosa, capaz de traduzir sentimentos profundos e conectar pessoas de forma universal. Que esta jornada pelo seu mundo criativo continue a cativar e inspirar todos aqueles que o descobrem. Saiba mais sobre este artista no seu site institucional e no Instagram.