O estatuto de agricultura familiar atribui, a quem pratica este tipo de atividade, um conjunto de benefícios. Além de facilitar o escoamento da produção e de reduzir algumas despesas, estas medidas incluem o acesso a financiamento e a criação de regimes especiais em termos fiscais e de Segurança Social.
O objetivo deste estatuto é reconhecer a especificidade da agricultura familiar.
Esta forma mais tradicional de trabalhar a terra perdeu importância nas últimas décadas, mas representa ainda uma grande fatia da agricultura nacional. Daí que tenha surgido a necessidade de reconhecer e de incentivar esta prática.
O RETRATO DA AGRICULTURA FAMILIAR
De acordo com dados apurados pelo Governo, a agricultura familiar representa mais de 240 mil explorações agrícolas, isto é, 94% das existentes. É mais de metade da superfície agrícola utilizada e mais de 80% do trabalho agrícola no nosso país.
Ainda assim, cerca de 30 % das explorações agrícolas recenseadas pelo INE não recebem pagamentos diretos ou apoios e incentivos ao desenvolvimento da atividade agroflorestal. Esta é uma das situações que se pretende corrigir.
Por outro lado, atividades como agricultura, produção animal, floresta e caça, assim como os serviços diretamente relacionados, têm um grande peso em determinadas áreas geográficas.
O estatuto de agricultura familiar pode abranger 100 mil agricultores e produtores agroflorestais.
O QUE É O ESTATUTO DE AGRICULTURA FAMILIAR?
É um conjunto de medidas específicas, aplicadas sobretudo a nível local, de forma a ir ao encontro das diferentes realidades da agricultura familiar nas várias zonas do país. O objetivo é, também, apoiar o desenvolvimento destas regiões.
O estatuto de agricultura familiar é atribuído desde que sejam cumpridas algumas condições de acesso. Sendo titular deste estatuto, que é concedido ao responsável da exploração agrícola, é possível aceder a diversos tipos de vantagens.
Quem pode aceder?
O estatuto de agricultura familiar pode ser pedido pela pessoa singular ou coletiva de direito privado titular da exploração agrícola. Tratando-se de uma pessoa coletiva, o capital social tem de ser detido em mais de 50% por sócios familiares entre si e que participem na atividade da exploração de forma regular.
Assim, o responsável pela exploração agrícola que queira candidatar-se, tem de cumprir os seguintes requisitos:
- Ter idade superior a 18 anos (tratando-se de pessoa coletiva todos os sócios deverão ter mais de 18 anos);
- Ser titular (enquanto proprietário, superficiário, arrendatário, comodatário ou outro direito) de exploração agrícola familiar:
- localizada em terrenos rústicos ou mistos regularizados no registo predial, nas Finanças e no cadastro geométrico;
- que utilize pelo menos 50% de mão-de-obra familiar;
- Ter um rendimento coletável menor ou igual ao valor do 4.º escalão do IRS (até 25.075 euros em 2020). Se for pessoa coletiva, deve apresentar o rendimento coletável (declaração de IRC) e os rendimentos coletáveis dos sócios, aferidos pelas últimas declarações de IRS. A soma de todos os rendimentos coletáveis não pode ultrapassar o valor do 4.º escalão do IRS;
- Não ter recebido no ano anterior ao pedido de reconhecimento do estatuto mais do que 5.000 euros de apoios decorrentes da Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia.
COMO PEDIR O ESTATUTO DE AGRICULTURA FAMILIAR?
Para que lhe seja atribuído o estatuto de agricultura familiar, pode fazer o pedido online através do site da DGADR. Se ainda não está registado neste site, terá de o fazer.
Caso já tenha apresentado o Pedido Único no ano anterior anterior à data de apresentação do pedido do Estatuto de Agricultura Familiar, terá de o indicar, sendo que neste caso cabe ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP) dar à DGADR os elementos necessários para instruir o pedido. Se faltarem informações, terá de as incluir, anexando também os documentos que as comprovem.
Caso não tenha efetuado o Pedido Único, deve preencher o formulário e incluir a documentação necessária. Os dados que digam respeito à exploração, nomeadamente culturas, animais, áreas regadas e localização da maior área cultivada devem ser os atuais à data de apresentação do pedido.
Depois de submetido o formulário é enviado para a área de utilizador um comprovativo eletrónico em que é referida a data e hora em que o pedido foi concluído e submetido com sucesso.
No prazo de 20 dias úteis, depois da submissão o pedido, é então disponibilizado o código de acesso ao título de reconhecimento do Estatuto de Agricultura Familiar, também através da área de utilizador.
Aí encontra um cartão com a identificação do titular e com esse código de acesso que pode imprimir para ser apresentado a terceiros.
No entanto, este cartão, só por si, não é suficiente para comprovar a titularidade nem a validade do estatuto de agricultura familiar. Para tal será necessário fazer a consulta online do título, através do código de acesso.
Validade e renovação
O estatuto de agricultura familiar é válido por um ano. O pedido de renovação deve ser feito até dez dias úteis antes do fim do prazo de validade. Enquanto estiver a ser analisada a renovação os direitos do titular mantêm-se.
Tal como na emissão, a renovação é feita através da página da DGADR. O pedido é considerado válido quando é enviado, através do site, um comprovativo com a data e a hora, dizendo que foi submetido com sucesso.
QUAIS OS DIREITOS E VANTAGENS?
O estatuto de agricultura familiar concede, aos seus titulares, uma série de direitos, numa lógica de “discriminação positiva”.
Dos subsídios europeus às energias renováveis, passando pelo acesso a mercados locais e fornecimento de entidades públicas, são várias as vantagens para quem pratica a agricultura familiar.
Algumas das medidas estão já implementadas, outras ainda em discussão. De qualquer forma, e uma vez que o estatuto de agricultura familiar está já em vigor, será uma questão de tempo até que todas estas vantagens estejam plenamente acessíveis.
Concursos dedicados e critérios de seleção específicos
No âmbito do estatuto de agricultura familiar, são criadas “medidas específicas de políticas públicas de apoio às atividades de exploração agrícola e florestal”. Estas medidas podem estar abrangidas por programas de desenvolvimento rural financiados pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural.
Estes concursos dedicados ou com critérios de seleção que dêem prioridade a agricultores familiares reconhecidos já começaram a realizar-se.
Medidas no âmbito dos Programas Operacionais
Estão previstas medidas financiadas pelos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, nomeadamente Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e o Fundo Social Europeu.
São medidas de caráter complementar aos apoios à agricultura familiar, que estão ainda em fase de discussão ou implementação.
Ordenamento do território em zonas desfavorecidas ou protegidas
A lei prevê igualmente medidas de caráter excecional para o ordenamento do território e a preservação da atividade agrícola e florestal nas “zonas desfavorecidas, com manifestos pontos fracos em relação a fatores naturais e sociais, ou em zonas protegidas”.
Em causa está a criação do regime de apoios MZD – “Manutenção da Atividade Agrícola em Zonas Desfavorecidas”, que será mais favorável para detentores do estatuto de agricultura familiar.
Além disso está também a ser testado o Projeto Serviços dos ecossistemas, para já em duas áreas piloto (Serra do Açor e Tejo Internacional). O objetivo é favorecer a utilização agroflorestal de terrenos nestas zonas, renumerando os proprietários pelo seu contributo ambiental. Este apoio incide, por exemplo, se for feita a substituição de eucaliptos por espécies mais resistentes ao fogo ou o tratamento de linhas de água.
Existem também programas a decorrer na Serra de Monchique ou no Pinhal Interior.
Ainda no âmbito destas medidas, foi publicado o Decreto-Lei n.º 29/2020, que cria o programa “Emparcelar para Ordenar”. O objetivo do programa é o de promover o emparcelamento rural simples com vista a aumentar a dimensão física e económica dos prédios rústicos. Inclui uma linha de crédito de apoio ao emparcelamento e subsídios não reembolsáveis para aquisição de prédios rústicos localizados em territórios classificados como vulneráveis.
Licenças de higiene e segurança alimentares mais simples
Os titulares do estatuto de agricultura familiar vão também beneficiar de regras mais simples para conseguirem ter acesso a licenças ao nível da higiene e segurança alimentares.
A medida destina-se a pequenas unidades de transformação e não está ainda implementada.
Maior envolvimento nos mercados locais
Foram feitas alterações legislativas (Portarias nº 133/2019 de 9 de maio e nº 338/2019 de 30 de setembro) para que os agricultores familiares possam ser integrados nas cadeias curtas de comercialização.
O escoamento da produção local e o contacto direto entre produtor e consumidor são alguns dos objetivos destes circuitos.
Desta forma, os pequenos agricultores têm acesso a mercados locais e o estatuto de agricultura familiar passa ser um critério de seleção nas candidaturas a estas iniciativas.
Prioridade para fornecer entidades públicas
O objetivo é dar prioridade aos produtores familiares no acesso ao fornecimento local de bens agroalimentares a escolas, hospitais, Instituições Particulares de Solidariedade Social e Forças Armadas.
A Lei n.º34/2019, de 22 de Maio, reflete já esta meta, uma vez que privilegia “a seleção de produtos de origem de proximidade” para consumo nestes locais. E obriga a que nesta escolha um dos critérios a ter em conta seja o facto de os produtos serem “provenientes de explorações com Estatuto de Agricultura Familiar”.
Reconhecimento das organizações de produtores
O Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020 prevê agrupamentos de Produtores de reduzida dimensão económica, de agricultores com o Estatuto da Agricultura Familiar ou relativos a produções multiprodutos com modo de produção sustentável.
A legislação nesse sentido está em preparação.
Linhas de crédito adaptadas
Está igualmente a ser discutida a criação de uma linha de crédito adaptada à dimensão da agricultura familiar.
O objetivo será facilitar o acesso dos pequenos produtores a financiamento.
Prioridade para alugar e comprar terras ao Estado
O acesso prioritário aos produtores familiares no arrendamento e compra de terras do domínio privado do Estado é outra das medias previstas pelo estatuto de agricultura familiar.
Gratuitidade na regularização do registo predial
Vai ser criado um procedimento especial simplificado e de custos reduzidos para o registo de primeira inscrição de aquisição, de reconhecimento da propriedade ou de posse de prédios rústicos ou mistos omissos da exploração agrícola familiar.
Apoios para formação, informação e aconselhamento
Estão já a ser implementadas as medidas para o desenvolvimento de apoios específicos para formação, informação e aconselhamento agrícola e florestal destinados a estes agricultores.
Benefícios na utilização do gasóleo colorido e marcado
Os benefícios adicionais na utilização do gasóleo colorido e marcado integram o Orçamento de Estado 2020.
Uma das medidas é a consignação de parte da receita do ISP cobrado sobre gasóleo colorido e marcado para projetos dirigidos ao apoio à agricultura familiar.
Outra diz respeito à majoração dos subsídios relativos à utilização de gasóleo colorido e marcado. Os detentores do estatuto de agricultura familiar que utilizem gasóleo colorido e marcado com um consumo anual até 2000 litros têm direito a uma majoração dos subsídios de 0,06 euros por litro.
Condições mais favoráveis para seguros agrícolas
Quem possuir o estatuto de agricultura familiar pode também beneficiar de melhores condições em seguros relacionados com a atividade.
Por exemplo, e de acordo com a Portaria n.º 61/2020, de 5 março (Regulamento do Seguro de Colheitas e da Compensação de Sinistralidade) o apoio é 60% do prémio para os agricultores com este estatuto.
Ainda no que respeita a este seguro, atribui-se a estas explorações uma majoração dos apoios à contratação de seguros (Portaria n.º 63/2020).
Redução dos custos de energia
Estão igualmente previstas condições de acesso mais favoráveis para agricultores familiares em matéria de redução dos custos de energia.
Incentivos à utilização de energias renováveis
O acesso a energias com base em fontes de produção renovável vai ser incentivado junto destes agricultores, concedendo-lhes condições mais favoráveis que estão ainda em análise.
Regime fiscal e de Segurança Social adaptados à agricultura familiar
O estatuto de agricultura familiar pode dar acesso a um regime fiscal mais favorável e a um regime de Segurança Social adequado às especificidades do setor. Ambos os temas estão ainda em fase de discussão ou implementação.
Serviço no Espaço Cidadão
Os locais onde funciona o Espaço Cidadão passarão a ter serviços destinados à agricultura familiar.
Ações nos Centros de Competências
As ações desenvolvidas pelos Centros de Competências que promovam o desenvolvimento tecnológico de produções de pequena escala passam a ser prioritárias.
- Direção-Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural: Estatuto de Agricultura Familiar –Minutas e candidaturas
- Direção-Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural: Estatuto de Agricultura Familiar – Orientação Técnica
- Diário da República Eletrónico: Portaria n.º 73/2019 Regulamenta o procedimento relativo à atribuição do título de reconhecimento do Estatuto da Agricultura Familiar
- Direção-Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural: Implementação das medidas do Estatuto de Agricultura Familiar (Agosto 2020)
- Diário da República Eletrónico: Decreto-Lei n.º 64/2018 Consagra o estatuto da agricultura familiar