As ruas largas são praticamente túneis naturais devido à sombra constante das árvores dos os passeios. Dificilmente se encontram prédios e os que existem têm no máximo quatro, cinco andares. Mesmo sem essa pressão de edifícios sentia-me desajustado.
Os exercícios de respiração, alongamentos e mantras que estava a fazer já há algumas semanas, simplesmente deixei de os fazer. Talvez por todo o conforto que tive. No quarto onde dormia tinha uma televisão gigante onde vi alguns filmes e um computador, que aproveitei para traçar mais ou menos um plano do meu trajeto para os próximos dois meses pelo norte da Argentina e do Chile, Bolívia até chegar a Cusco no Peru.
Fiquei em casa do Matias, um couchsurfer que além de já ter recebido mais de trinta desconhecidos em sua casa e de quem todos tinham deixado boas referências, tinha parte das suas raízes portuguesas. O seu avô paterno foi um português que chegou à Argentina no final dos anos 20 e que, apesar de ter expressado o desejo de um dia voltar, nunca o fez, falecendo quatro anos antes do neto nascer. Este, por sua vez, anda agora numa investigação para tentar encontrar as suas raízes de Portugal.
Está tão empenhado que já tem uma árvore genealógica que ultrapassa os bisavós do avô, curiosamente todos são de uma pequena aldeia em Faro. Inicialmente era para ficar apenas duas noites, mas além de ter sido tratado como se fosse um membro da família, sempre havia um programa para dia seguinte. Percorremos a cidade que foi quase toda destruída em 1944 e que perdeu a sua arquitectura colonial.
Um dia fui convidado para dar uma aula de português, e foram quase duas horas a partilhar a minha viagem e também os encantos de Portugal. Fui quase obrigado a provar todos os doces e comidas típicas da Argentina e praticamente não cozinhei, porém num dos dias preparei um alho francês à Brás para poderem provar uma comida portuguesa. No domingo preparámos um churrasco em casa de uns amigos e ficámos a tarde toda a partilhar histórias e a jogar um jogo de tabuleiro com expressões argentinas que me deixaram baralhado.
Era altura de continuar rumo ao norte e começar a preparar-me para as dificuldades de clima que iriam surgir: durante o dia as temperaturas poderiam chegar facilmente aos trinta graus Celsius, enquanto as temperaturas das noites quase que eram negativas. Também tive que me precaver com a questão da água devido à grande escassez que aqui existe.
Na próxima semana vou partilhar a maior aventura numa das boleias que apanhei, onde temi pela vida. Vou também contar a minha experiência de voluntário numa quinta de turismo rural no único município indígena da Argentina. A aventura continua em Puririy.
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