Verdade seja dita, ninguém gosta de pensar na própria morte, mas todos sabemos que ela é inevitável. Também por essa razão, importa saber como fazer um testamento e deixar tudo organizado para que o seu património seja distribuído da forma que deseja, dentro dos limites da lei.
Fazer um testamento, no entanto, não é tão fácil como parece nas novelas: há leis que impõem limites à distribuição da herança fora do grupo de herdeiros legitimários e há cuidados a ter para evitar mal entendidos na hora de cumprir os seus últimos desejos. Fique a par de tudo.
Quem pode fazer um testamento?
Qualquer pessoa maior de idade e não interditada por anomalia psíquica pode fazer um testamento para orientar a distribuição do património que lhe pertence. A essa pessoa chama-se testador, e pode ser responsável pela escrita do documento ou delegá-la num representante. Obrigatório mesmo é que assine o testamento para conferir validade legal ao que lá diz.
Em caso de arrependimento
Se optar por fazer um testamento e, entretanto, mudar de ideias sobre o que lá diz, pode sempre revogá-lo. Para isso terá de deslocar-se novamente ao notário e pedir a revogação. O processo tem custos, mas pode ser feito quantas vezes quiser.
Tipos de testamento
Há dois tipos de testamento disponíveis: o testamento público e o testamento cerrado.
O testamento público é feito no notário, que redige o texto no seu livro de notas e assume a responsabilidade de autenticar a informação se for chamado a isso. Após a redação do notário, o testamento fica disponível para consulta pública e qualquer pessoa pode, em qualquer momento, ficar a conhecer a última vontade do testador – só tem de ir ao notário e pedir para ver o que está lá escrito.
O testamento cerrado é o que mais aparece nos filmes e novelas, porque também é o mais misterioso. Depois de ser assinado pelo testador e autenticado por um notário, o documento é fechado num envelope e só pode voltar a ser aberto depois de o testador morrer. Não está disponível para consulta pública e, grande parte das vezes, até fica à guarda de um representante legal que tem obrigação de manter sigilo sobre o conteúdo do texto.
Onde fazer um testamento?
Para fazer um testamento deve procurar um notário, que pode ser público ou privado (tenha em atenção que um e outro podem praticar preços diferentes). Também se aconselha que se faça acompanhar de um representante legal (idealmente um advogado), para garantir que nada falha no processo.
No caso dos notários públicos, terá de fazer uma marcação prévia.
O que é preciso para fazer um testamento?
Além de assinar o documento, o testador deve deslocar-se ao notário acompanhado de duas testemunhas. Todos devem levar os respetivos documentos de identificação: Cartão de Cidadão, passaporte ou carta de condução.
É importante notar que o papel das testemunhas é só mesmo esse: o de assistir ao momento em que o testamento é autenticado pelo notário. Não é obrigatório que essas testemunhas sejam advogados ou elementos da família nem que estejam a par do conteúdo do texto.
Quanto custa fazer um testamento?
Como acontece com qualquer operação executada num notário, o registo de um testamento tem um preço. Nos notários públicos, o testador paga 159€, tanto para registar um testamento público como para registar um testamento cerrado.
Num notário privado, a conta é de 139,54€, mas a este custo acrescentam os valores dos serviços de assessoria e das certidões emitidas durante o correr do processo (estes valores variam consoante os notários).
Convém também notar que, tal como paga para fazer um testamento, também paga para revogar um testamento: são 75,63€ para anular um documento registado.
Os herdeiros legitimários e os herdeiros legítimos
Além do testador, a parte mais importante de um testamento são os herdeiros. Os herdeiros são as pessoas por quem o seu património será distribuído após a sua morte, e dividem-se em duas categorias: os herdeiros legitimários e os herdeiros legítimos.
Herdeiros legitimários
Os herdeiros legitimários são aqueles que, por lei, têm sempre direito a uma parte da herança, ou seja, não pode excluí-los ao fazer um testamento.
Por lei, são considerados herdeiros legitimários os ascendentes (pais), o cônjuge (marido/mulher) e os descendentes (filhos). A partir do momento em que exista pelo menos um destes, a parte que lhe corresponde da herança fica bloqueada e não pode ser dada a mais ninguém, mesmo que essa seja a sua vontade – aliás, todas as indicações que deixar no testamento que contrariem esta regra serão consideradas nulas.
Quando existem vários herdeiros legitimários, a herança é distribuída da seguinte forma:
- Se não houver ascendentes nem descendentes: o cônjuge recebe metade da herança (a outra metade pode ser distribuída de acordo com a vontade do testador);
- Se houver descendentes e cônjuge: juntos, filhos e cônjuge recebem dois terços da herança (o testador pode dar o terceiro terço a quem quiser);
- Se houver descendentes, mas não houver cônjuge: se o filho for único, recebe metade da herança (a outra metade pode ser distribuída por testamento); se houver dois ou mais filhos, estes recebem, em conjunto, dois terços da herança (sobra um terço para o testador distribuir livremente);
- Se não houver cônjuge nem descendentes, mas houver ascendentes: os pais recebem metade da herança, ou, se só houver avós, estes recebem um terço da herança (a outra metade ou o outro terço podem ser entregues livremente pelo testador).
Herdeiros legítimos
Os herdeiros legítimos são aqueles a quem os seus bens serão distribuídos se, à data da sua morte, não tiver feito testamento nenhum. Eles incluem os herdeiros legitimários, mas podem incluir outros familiares ou até o Estado, se não houver mais ninguém elegível para receber a herança. Em qualquer dos casos, a lei determina que a prioridade é dada sempre aos familiares mais próximos.
Assim, se morrer sem fazer um testamento, os seus bens serão entregues, por ordem de preferência:
- Ao cônjuge e descendentes;
- Ao cônjuge e ascendentes (se não houver descendentes);
- Aos irmãos, se não houver cônjuge, descendentes nem ascendentes;
- Aos familiares colaterais até 4º grau, se não existir nenhum dos anteriores (sobrinhos-netos, tios-avós e primos);
- Ao Estado, se não existir nenhum dos anteriores.
De notar que, havendo irmãos já falecidos, os respetivos filhos podem receber aquela parte da herança representativamente.
Como escrever um testamento?
Fazer um testamento exige alguns cuidados, sobretudo para que não haja ambiguidades nem espaços para interpretações erradas.
Apesar de não existirem modelos oficiais – porque o texto é de escrita livre -, é aconselhável procurar a ajuda de um advogado que lhe diga o que pode e não pode doar, para evitar que os seus pedidos sejam considerados nulos e acabe por ser aplicada a lei geral.
Fazer um testamento vital
Também cabe neste artigo a questão do testamento vital. Enquanto o testamento normal orienta a distribuição do património após a sua morte, o testamento vital orienta os médicos e entidades de saúde sobre os procedimentos que devem tomar quando se encontrar num estado em que lhe seja impossível expressar-se.
O objetivo do testamento vital é dar a conhecer aos médicos, por exemplo, se quer ser reanimado em caso de paragem cardiorrespiratória.
Convém notar, contudo, que as suas escolhas do testamento vital só serão consideradas se estiver incapaz de se expressar como consequência de uma doença terminal e incurável, ou se estiver inconsciente por conta de uma doença neurológica ou psiquiátrica. Quer isto dizer que se tiver um acidente de carro, por exemplo, e sofrer uma paragem cardiorrespiratória à chegada ao hospital, o conteúdo do testamento vital não se aplica (porque não está em causa uma doença terminal e incurável).
O testamento vital pode ser feito no seu centro de saúde, de preferência com o médico de família. O processo é totalmente gratuito e também pode alterar as suas escolhas quando quiser.
Artigo originalmente publicado em setembro de 2020. Atualizado em maio de 2023.