Share the post "Ferreirinha: a história da mulher que mudou o Douro para sempre"
Antónia Adelaide Ferreira, a popular Ferreirinha, combateu uma pandemia na vinha, criou um império e ficou com o seu nome associado, até hoje, a uma das mais famosas marcas de Vinho do Porto.
Se durante muito tempo o negócio do vinho foi coutada de homens de barba rija, é o momento de se recordar a vida, obra e legado de uma das mais extraordinárias mulheres que o Douro Vinhateiro alguma vez conheceu.
Numa época, o século XIX, onde o papel das mulheres na sociedade era secundarizado, Antónia Adelaide Ferreira irá marcar uma geração e mudar, de uma vez por todas, um negócio até ali exclusivo de homens e, em grande parte, nas mãos dos ingleses.
Foi a sua determinação e resiliência que lhe permitiu ultrapassar uma crise sem precedentes nos socalcos do Douro. Uma mulher à frente do seu tempo e de quem ainda hoje se fala com alguma reverência.
Ferreirinha: da filoxera até um império
Primeiro chegou o oídio, por volta de 1870, a destruir grande parte dos vinhedos do Douro. A Ferreirinha, que tinha armazenado nos anos anteriores enormes quantidades de vinho (fruto da produção excedentária), vê os preços escalarem de forma vertiginosa, coloca o seu produto no mercado e multiplica a sua já considerável fortuna.
Depois chegou a filoxera, mais uma doença a afectar as vinhas e desta vez com uma progressão imparável.
A praga rapidamente alastra pelo Douro, muitas produtoras desaparecem, o vinho escasseia e, claro está, os preços aumentam. Os domínios da Ferreirinha também são duramente atingidos, mas decide ripostar.
Farta da indiferença dos governos nacionais, vai a Inglaterra tentar perceber o que se pode fazer para vencer a praga. A solução acabou por se encontrar na utilização de vinhas americanas, imunes à filoxera, empreendendo então a Ferreirinha uma completa revolução na forma como se produzia vinho do Douro.
Antónia Adelaide Ferreira passou a ser, desde logo, um símbolo do Douro, comprando inúmeras quintas (evitando que caíssem na mão dos ingleses) e desenvolvendo um importante trabalho social na região, com obras de benfeitoria como os hospitais da Régua e de Lamego, por exemplo.
Expandir a fortuna
Mas quem era esta Ferreirinha, mulher que vingou de forma tão clara num mundo até então exclusivo aos homens? Antónia Adelaide Ferreira nasceu no Peso da Régua, em 1811, no seio de uma abastada família duriense, proprietária de muitas vinhas na região.
Por determinação do pai, José Bernardo Ferreira, acabaria por casar com um primo, uma personagem pouco interessada no negócio familiar e que se entreteve a esbanjar parte substancial da fortuna.
Deste casamento nasceram dois filhos, Maria de Assunção e António Bernardo Ferreira, acabando Antónia Adelaide por enviuvar aos 33 anos. Terá sido aqui que a sua grande vocação empresarial despertou.
Tomou as rédeas do negócio, afrontou governos, falou de igual para igual com dignatários e tornou-se cada vez mais rica e poderosa. Casou uma segunda vez, com José da Silva Torres e expandiu os seus interesses empresariais para além do vinho.
O Douro, a sua grande paixão, a terra de onde provinha e para onde haveria de voltar, foi também palco para investimentos em plantações de amendoeiras, oliveiras e cereais.
A jóia da coroa era a sua Quinta do Vesúvio (ainda hoje uma referência da produção de Vinho do Porto), herdade a que a Ferreirinha deitava um olhar muito especial, acompanhando de perto todo o processo de produção.
o legado da ferreirinha
Morreu aos 84 anos, em 1896, na mesma cidade que a viu nascer, Peso da Régua, depois de já em 1861 ter escapado à morte no fatal naufrágio do Cachão da Valeira, que custaria a vida ao Barão de Forrester.
A história do Douro não se pode escrever sem o nome, a vida e a ação da Ferreirinha. A mais antiga região demarcação do mundo deve a esta mulher o impulso e o empreendedorismo que levariam os vinhos do Douro, em especial o Vinho do Porto, a patamares até então desconhecidos.
Antónia Adelaide Ferreira deixou um legado difícil de igualar, mas perene. A Casa Ferreirinha, gere atualmente muitas das quintas que a Ferreirinha foi acumulando há mais de 100 anos.
Por isso, se um dia abrir e beber uma garrafa do exclusivo vinho Barca Velha, lembre-se que tudo começou porque uma mulher se impôs num mundo que todos diziam não ser o dela.
Aliás, ainda hoje é atribuído o Prémio Dona Antónia Adelaide Ferreira, uma distinção para figuras femininas portuguesas que de alguma forma tenham replicado o extraordinário exemplo da Ferreirinha, seja na vertente de intervenção social, seja no empreendedorismo nos negócios.
Agora, a Ferreirinha está na linha da frente para que o seu nome batize a próxima ponte que vai unir as duas margens do Douro, entre Porto e Vila Nova de Gaia.