A morte de um pai ou de uma mãe é sempre um momento de transtorno na vida de qualquer um – ainda mais quando os filhos herdam dívidas dos pais e ficam com contas para ajustar nos meses seguintes à morte.
Herdar dívidas está longe da expectativa de todos nós. No entanto, essa situação é possível, seja porque os nossos pais não conseguiram equilibrar a vida financeira antes de morrer, seja porque morreram inesperadamente e, por isso, nunca tiveram oportunidade de preparar o seu próprio fim de vida.
De qualquer modo, quando os filhos herdam dívidas dos pais a situação não é irremediável. Saiba o que fazer quando isso acontece e, sobretudo, que tipo de dívidas transitam entre familiares após a morte do devedor.
Em que situações os filhos herdam dívidas dos pais?
Em princípio, sempre que uma pessoa tiver dívidas pendentes no momento da morte, estas passam para os herdeiros legítimos da mesma forma que os bens.
Recorde-se que o Código Civil (Artigo 2068.º) enuncia a ordem dos encargos que a herança deve satisfazer. Os primeiros encargos a serem pagos são as despesas do funeral, seguindo-se os encargos com a administração da herança (a habilitação de herdeiros, por exemplo). E antes da entrega dos restantes bens aos herdeiros, há pois que pagar as suas dívidas.
No entanto, há dívidas que ficam sem efeito com a morte do devedor, pelo que é preciso saber que tipo de créditos está em causa para cada situação.
As dívidas que se herdam dos pais
Crédito hipotecário
Os créditos em que o devedor oferece uma hipoteca como garantia para o empréstimo mantêm-se ativos após a morte do devedor, a menos que o contrato esteja coberto por um seguro de vida (que não é habitual nem obrigatório para este tipo de créditos). Quer dizer que, se o devedor morrer, os filhos herdam as dívidas dos pais e têm de pagá-las para a hipoteca não ser cobrada pelos credores.
Crédito pessoal
Também conhecido como crédito ao consumo, é uma das dívidas que os filhos herdam se os pais morrerem antes de pagar tudo.
Dívidas de cartões de crédito
Se o titular do cartão de crédito falecer, os bancos não aceitam ficar a perder: os filhos herdam as dívidas dos pais e ficam com a obrigação de saldar as contas.
Neste caso, além do valor em dívida, é importante ter em atenção que tudo o resto continua a acumular se os cartões não forem cancelados logo após a morte do titular – juros, comissões, anuidades. Quanto mais tempo deixar passar, mais a dívida cresce.
Dívidas ao Estado
O Estado também é um credor que não perdoa nem após a morte. Se um contribuinte tiver dívidas ao Fisco e/ou à Segurança Social e morrer antes de as pagar, caberá aos herdeiros legítimos repor os valores em falta.
As dívidas que não se herdam
Crédito habitação
O seguro de vida não é obrigatório para quem contrai um crédito habitação, ainda que seja muito difícil conseguir este tipo de crédito sem contratar um seguro de vida. Por isso, este seguro existe sempre em caso de morte do devedor, o que significa que, se o devedor morrer, a casa fica paga na totalidade.
O mesmo acontece se o crédito tiver mais do que um titular – o titular sobrevivente fica com a dívida totalmente paga.
Coimas por infrações tributárias
A única situação em que o Estado evita que os filhos herdem dívidas dos pais é nas coimas por infração tributária, que caducam com a morte do visado.
O que fazer quando os filhos herdam dívidas dos pais?
Há dois cenários possíveis quando os filhos herdam dívidas dos pais: ou os bens herdados são de valor superior às dívidas, ou não chegam para pagá-las na totalidade. O que acontece em cada uma destas situações é diferente.
Quando a herança é maior do que a dívida
Dita a lei que, havendo créditos para herdar, eles terão de ser cobertos pelos bens da mesma herança.
Na prática, o que acontece é que, da mesma forma que se faz a habilitação de herdeiros, também se faz a habilitação de credores. A herança é então usada para pagar todas as dívidas pendentes aos credores, e só depois de tudo estar acertado é que se apura o que sobra para, aí sim, dividir pelos herdeiros legítimos.
Quando a herança não chega para pagar a dívida
Também pode acontecer que os filhos herdam dívidas dos pais e não herdam bens e dinheiro suficientes para pagar essas dívidas. Quando isso acontece, é preciso fazer prova do facto para que os herdeiros não se vejam hipotecados nos seus bens pessoais para pagar o que falta.
Se o fizerem, os filhos não recebem a herança (porque será usada para pagar os créditos), mas também não ficam com as dívidas em seu nome. Chama-se a este processo repúdio da herança.
O repúdio da herança
Repudiar a herança é abdicar de recebê-la para também não estar sujeito ao pagamento das dívidas deixadas pelo falecido.
O processo deve ser feito por escrito, num Cartório Notarial, sendo que o documento autenticado deve depois ser entregue nas Finanças.
Se um dia precisar de fazer um repúdio de herança, tenha em atenção quatro pontos muito importantes:
- O repúdio é irreversível e não pode ser sujeito a condições ou prazos;
- Um herdeiro que oficialize o repúdio nunca pode vir a usufruir dos bens que fazem parte da herança;
- Se for casado com regime de comunhão de bens ou de adquiridos, precisa do acordo do cônjuge para oficializar um repúdio de herança (mesmo que seja de um familiar seu);
- As dívidas (e bens) que repudia são transmitidas aos herdeiros seguintes (por exemplo, se repudiar as dívidas do seu pai, elas passam para os seus filhos).
Repudiar uma herança é o mesmo que renunciar a herança?
Não. Quem renuncia a herança são os cônjuges, no momento em que se casam, através de uma convenção antenupcial. A renúncia pressupõe que, ainda em vida, os dois elementos do casal concordam que não querem ser herdeiros um do outro.
O repúdio da herança, por outro lado, só pode ser feito após a morte. O pedido pode ser feito por qualquer herdeiro que tenha sido identificado na habilitação de herdeiros e que não queira receber nada da pessoa que faleceu.