Share the post "Fim dos motores a combustão na Europa: a polémica continua"
O fim dos motores a combustão adivinhava-se. No entanto, apesar da transição para a mobilidade elétrica ser uma realidade cada vez maior, foi com surpresa que em junho de 2022 foi aprovada, em Parlamento Europeu (PE), a medida que propõe o fim da comercialização deste tipo de motores até 2035.
É um facto que, apesar de aprovada com 339 votos a favor, 249 contra e 24 abstenções, a sua aplicação não é definitiva. Na realidade, a decisão do PE define apenas a posição inicial do organismo nas futuras dicscussões com o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia. Resumindo, a decisão final caberá sempre ao Conselho Europeu e aos seus 27 Estados-membros.
Porém, o facto de ser considerado como objetivo da Entidade Europeia reforça o realismo daquilo que, anteriormente, era visto como uma miragem, uma luz ao fundo do túnel.
Obviamente, uma medida tão controversa dificilmente conseguiria ser unânime. Muitos são os que se opõem à implementação da mesma. Ainda assim, surpreendentemente (ou não), o motivo de discordância aparentemente não é o fim dos motores a combustão. O debate incide, sim, na data escolhida.
Fim dos motores a combustão: como avançar?
Logo na altura, o diretor-geral da Associação Automóvel de Portugal (ACAP), Hélder Pedro mostrou-se contra a decisão do PE. Para o mesmo, só em 2028 e dependendo das evoluções tecnológicas e infra-estruturais até então, é que se poderá deliberar tais medidas. “O setor automóvel está fortemente empenhado na descarbonização, mas entendemos que não devem ser tomadas decisões de forma precipitada”, salientou
Do lado das marcas reforça-se o ceticismo. Apesar de ser uma marca com forte presença no mercado elétrico, a Renault não parece que irá acatar esta decisão de ânimo leve.
A fabricante francesa, que em 2012 lançou o seu primeiro modelo 100% elétrico, o Zoe, o qual foi líder de vendas na Europa em 2020, acredita que esta tomada de decisão é precipitada, pretendo adiá-la para 2040. Segunfo Gilles Le Borgne, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento no Grupo Renault, “há três razões claras porque acreditamos que faz sentido estender a transição”.
Primeiro , a Renault quer ter confiança absoluta de que a infraestrutura (de carregamento) se expanda ao ritmo de que são exigidos mais veículos elétricos. Está longe de ser uma certeza, pelo que ir mais depressa não faz sentido.
Depois, apesar de ter confiança absoluta de que existe a tecnologia — já estão à venda hoje híbridos, híbridos plug-in e elétricos —, não se sabe se haverá clientes que a queiram ou, mais significativo, se a consigam pagar.
Por fim, diz a Renault, é preciso tempo de adaptação. Mudar as fábricas para estas novas tecnologias não é simples e adaptar os trabalhadores a elas vai levar tempo. Este prazo [2035] seria difícil e mais difícil ainda quando acrescentamos a cadeia de fornecedores à equação.
Volkswagen prepara-se
Porém, enquanto uns aparentemente parecem opôr-se a esta medida, pretendendo essencialmente adiá-la, salientando inclusive que não são contra o fim dos motores a combustão, outros, inclusive, já se tinham antecipado, nomeadamente a Volkwagen e o seu grupo.
“Definimos metas muito claras. Toda a nossa oferta será neutra em termos de CO2 até 2050, o mais tardar. Na Europa, vamos sair do negócio dos veículos com motor de combustão interna entre 2033 e 2035. Nos Estados Unidos da América e na China, isso acontecerá um pouco mais tarde.
Na América do Sul e em África, por falta de condições de enquadramento político e de infra-estrutura, vai demorar um pouco mais”, anunciou o responsável de Vendas, Marketing e Pós-Venda da marca alemã Volkswagen, Klaus Zellmer , numa entrevista à revista Merkur.
Dentro do grupo Volkwagen, o objetivo do fim dos motores a combustão parece ser uma preocupação comum. Também a Audi, do mesmo grupo da sua congénere e compatriota, já antes havia traçado uma meta idêntica, mas ainda mais ambiciosa: 2033 seria o fim da comercialização de veículos a combustível.
Aliás, as duas marcas já definiram que, em alguns países, essa tomada de decisão será mesmo antecipada, como é o caso da Noruega .
Fim dos motores a combustão: os governos
Na Noruega, o governo já anunciou a intenção de proibir a venda de veículos novos movidos a combustível a partir de 2025. Apesar das aparentes dificuldades infraestruturais em tal tomada de decisão e inclusive organizacionais, a maioria da população tem aderido a esta decisão.
Em setembro de 2022, 77% dos carros novos vendidos eram elétricos. Se a isso somar-se os plug-in, os mais elétricos de entre as versões híbridas, a percentagem de vendas foi de cerca de 89%.
Apesar do país nórdico ser o mais ambicioso, não é o único. No Reino Unido, já há algum tempo que existe o objetivo de impedir a venda de motores a combustível até 2040. Porém, essa data já foi alterada algumas vezes e, mais recentemente, novamente, tendo o então primeiro-ministro Boris Johnson antecipado a data para 2030.
Por outro lado, além do supracitado apoio do governo francês em relação à vontade da Renault em adiar a data, também o o ministro das finanças alemão, Christian Lindner, mostrou-se contra tal medida e opôs-se mesmo à ideia da proibição total da venda de veículos com motores a combustível, alegando que, apesar da Alemanha comprometer-se em manter-se na liderança do mercado elétrico, continuarão a haver nichos de mercado em que os motores de combustão farão sentido.
“A Alemanha não vai concordar com a proibição dos motores a combustão”, explicou, taxativamente, ao Financial Times.
Ainda assim, apesar de se anteverem dificuldades e oposições, a data de 2035 parece ser perfeitamente alcançável. Outros países, como os EUA e o Japão, também já lançaram o mesmo repto: o de terminar a venda de veículos movidos a combustão até 2035.
Pode-se concluir que apesar de a medida da UE que visa impedir a comercialização de motores a combustão ter sido aprovada, a mesma tem grandes possibilidades de, para já, não ser implementada pelos Estados Membros. No entanto, pese embora alguma pequena oposição em relação à proibição total da venda de motores a combustão, a questão não parece prender-se verdadeiramente com o “se algum dia vai ser aprovada”, mas antes com o “quando vai ser aprovada”.
Ponto de situação atual
Na Europa, de acordo com dados de 2021, existem atualmente mais de 330 mil postos de abastecimento na União Europeia. No entanto, mais de metade localizam-se na Alemanha ou nos Países Baixos.
De acordo com um estudo da organização de recarga ChargeUp e da consultoria P3 Automotive, além dessas duas nações, apenas França, Itália, Noruega, Suiça e Bélgica têm mais de 10 mil postos (entre 10 e 30 mil).
Portugal, Espanha Dinamarca, Suécia e Áustria vêm num terceiro grupo, com mais de 2 mil e menos de 10 mil postos de abastecimento elétrico, enquanto os restantes países da UE têm todos menos de dois mil. Dados nacionais indicam que o nosso país tem ligeiramente mais de cinco mil.
Em termos de vendas, em Portugal, e segundo dados de novembro de 2021, a venda de automóveis elétricos ultrapassou pela primeira vez os de gasóleo: cerca de 18% dos veículos comercializados no país eram elétricos.
Efetivamente, é um dado positivo para Portugal, uma vez que a média europeia nessa mesma altura correspondia a pouco mais de 10%.
Ainda assim, pode-se considerar que de 10% na UE ou de 18% em Portugal para 100% em apenas 14 anos é uma meta ambiciosa, mas apenas o tempo o dirá.