Em 2020, depois do Grande Prémio de Fórmula 1 de Eifel a 11 de outubro, no Nürburgring, e antes do Grande Prémio Emilia Romagna, a 1 de novembro, em Imola, o Autódromo Internacional do Algarve, Portimão, recebeu o “2020 Formula 1 Heineken Portuguese Grand Prix”.
Este ano, 2021, a prova regressa a Portugal e ao Algarve.
A expectativa é enorme para os três dias da competição (30 de abril a 2 de maio), que vai realizar-se em tempo de pandemia COVID-19, e segundo apertadas regras de segurança sanitária ditadas pela Direção-Geral da Saúde.
O bulício na zona das boxes que vão receber as equipas de Fórmula 1 vai ser vivido de forma diferente. Sem público, como foi anunciado pelo Governo, mas não menos interesse.
Porque apesar dos Fórmula 1 que vão voltar a visitar Portugal serem totalmente diferentes daqueles que nos “abandonaram” nos anos 90, a emoção da prova e os duelos em pista, esses, mantém-se inalterados.
Anos 90 vs 2020: o que mudou na Fórmula 1 em 25 anos
A Fórmula 1, disciplina rainha do automobilismo surgiu a 13 de maio de 1950, no Circuito de Silverstone, em Inglaterra, após anúncio da FIA (Federação Internacional de Automobilismo). Até aos dias de hoje, as provas só foram suspensas durante o período da Segunda Grande Guerra Mundial.
A competição entre construtores e pilotos sempre foi “a chama” que alimentou este desporto que ao longo dos seus 70 anos encerrou em si um fator importante. O facto de ser encarado como um laboratório de desenvolvimento de soluções mecânicas ou dinâmicas para automóveis. Estas, devido à sua eficiência, ultrapassaram as “paredes” da F1 e, após serem testadas, foram aplicadas pelas marcas na concepção dos automóveis que utilizamos no nosso dia-a-dia.
Nos primeiros anos, os automóveis de competição da F1 tinham motores dianteiros, suspensão ‘wishbone’ e eixos rígidos. Estas características mantiveram-se até 1959, altura em que a Cooper Climax, fabricante de motores do Reino Unido, inovou, colocando o motor na parte traseira do F1, fator que nesse ano lhe valeu a conquista do título com o piloto australiano Jack Brabham.
Monocoque: a segurança dos pilotos
Com motores naturalmente aspirados e a atingirem velocidades elevadas a segurança dos pilotos começou a ser uma exigência. 1962 via surgir a construção de automóveis pelo método monocoque, que além de proporcionar a necessária segurança do piloto e tornar o carro mais capaz em caso de embate, permitiu que os pilotos se sentassem de forma mais inclinada ao volante.
Avançou-se, ainda nesta altura, com uma outra inovação: a colocação de aerofólio junto ao eixo traseiro. Para além disso, também nos motores, órgão mecânico de suma importância para o sucesso, surge uma alteração: adoção de bloco V8 da Ford (utilizado entre 1968 e 1981).
Anos 70/80: o início da primeira “era turbo”
A década de 70 ficou conhecida como a “década louca da F1”. É nesta altura que a aerodinâmica ganha pujança e assume um papel cada vez mais importante no desenvolvimento dos automóveis de competição.
Lotus 72D, McLaren M23, Ferrari 312T e Lotus 78 são exemplo de modelos referência a que se podem juntar projetos mais irreverentes como o Tyrrel P34 de seis rodas (quatro direcionais) ou o Brabham-Alfa Romeo BT46 B (possuía enorme ventilador na parte traseira).
A criatividade das marcas passava ainda pelos motores competitivos e, mais do que tudo, acessíveis, como o bloco Cosworth DFV. Nesta época só a Alfa Romeo e a Ferrari tinham motores próprios.
No dealbar dos anos 70, a Renault inova ao deixar os motores naturalmente aspirados para passar a usar motor turbo. Teve aqui o início da chamada “era dos turbo” que durou até 1988.
Em contraponto, a Lotus apostava no desenvolvimento do efeito-solo que “agarrava” os carros à pista. Permitia que os mesmos atingissem altas velocidades. Esta solução foi, entretanto, proibida após o trágico acidente que vitimou o piloto Gilles Villeneuve (8 de maio de 1982, no Grande Prémio da Bélgica, em Zolder).
A arte dos pilotos sobrepõem-se à técnica dos automóveis
Durante cerca de 10 anos, os motores turbo foram os “reis” das pistas. No entanto, os ditames da competição soçobraram e a FIA, em 1989, regressa aos motores aspirados, que se mantiveram até 2014.
A sonoridade rouca dos motores faz-se sentir à distância. As marcas apostam no seu desenvolvimento. Assiste-se, nesta altura, ao que se pode chamar a época “de ouro” da F1, com o despontar de pilotos como Alain Prost e Ayrton Senna, que com a McLaren dominam os campeonatos.
Entre 1988 e 1989 venceram 25 das 32 corridas, com o piloto brasileiro a completar o seu teatracampeonato.
Depois da hegemonia da McLaren, seguem-se 10 anos marcados pela forte presença da Williams que introduz a suspensão ativa, controlada por meios eletrónicos. O sistema percebia as imperfeições da pista e adaptava o carro ao piso em milésimos de segundo. A este sistema associam-se outros, como o controlo de tração que revolucionam a F1.
Nesta década a tecnologia dá um salto qualitativo muito grande. Os engenheiros desenvolvem não só soluções técnicas para melhor performance das máquinas, mas as marcas apostam também no desenvolvimento de soluções que permitam uma comunicação mais rápida e eficaz dos carros e pilotos com as boxes. É aqui que surgem, pela primeira vez, os team radios.
Corridas tornam-se mais táticas
Com o abandono em 1994 da tecnologia de suspensão ativa regressa o reabastecimento dos carros durante a prova. E, de repente, as corridas passam a contar com um novo elemento: a tática.
Este novo recurso chega ao ponto de decidir, na box, aquando do reabastecimento, o vencedor de uma prova constituindo uma guerra de nervos quer para as equipas, nas boxes, quer para quem assistia à competição.
Com este novo “ingrediente”, Ross Brawn e Michael Schumacher levaram a Benetton ao bicampeonato entre pilotos.
Seguiu-se um período vitorioso também para a Ferrari, no início dos anos 2000, com a dupla Ross Brawn/Michael Schumacher.
O primeiro, brilhante estratega, em coordenação com a arte de pilotagem de Michael Schumacher, conseguiu um conjunto de 5 títulos para a Ferrari.
2014: a nova era da Fórmula 1
Desde a temporada de 2014 da Fórmula 1 que as marcas voltaram a usar motores turbocomprimidos V6 com 1.600cc associados a um ERS (Energy Recovery System) que substituiu o sistema KERS dos blocos V8 2.4 litros.
O sistema ERS recebe também o Motor Generator Unit (MGU-K) algo similar ao KERS, que saiu de cena, mas com duas vezes mais potência e capacidade para disponibilizar energia.
A tecnologia recebe ainda o Motor Generator Unit-Heat (MGU-H) que, armazenando menos energia que a unidade MGU-K, tem um papel mais importante pois trabalha diretamente com o turbo anulando o turbo lag (efeito de atraso na resposta do turbo).
A nova unidade ERS tem capacidade para entregar 162cv de potência no sistema, com os motores a atingirem valores próximos dos 1.000cv de potência.
Essa potência era enviada exclusivamente para as rodas traseiras, e sem quaisquer ajudas à condução. Ou seja, sem qualquer controlo de tração ou de estabilidade, ou não estivessemos a falar do pináculo do desporto automóvel e dos melhores pilotos do mundo.
As mesmas distâncias, mas comsumindo menos combustível
As regras para a temporada de 2014 ditaram outra grande mudança. Os carros tinham de percorrer a mesma quilometragem dos GP da temporada anterior, mas com menos 35% de combustível.
Por prova estão disponíveis, para cada carro, 100kg de combustível. Este valor pode variar entre os 130L e os 145L, dependendo da temperatura e altitude.
Um novo desafio para os engenheiros que têm também de lidar com o aumento de calor gerado pelos motores. Embora menores, necessitam de maior arrefecimento devido à existência de múltiplos sistemas satélites, cuja função é manter alta performance durante o tempo de corrida.
Para ajudar à economia de combustível, foram necessários também novos desenvolvimentos aerodinâmicos. A grande novidade surge na frente dos F1 com os vários defletores, colocados à direita e à esquerda, a terem um papel preponderante na eficiência do conjunto (leia-se, passagem do fluxo de ar pela frente do carro).
Também a sonoridade tradicional dos F1 sofre com as mudanças de 2014. O som rouco e profundo dá lugar a “silvos” característicos dos motores turbo. As rotações máximas descem das 15.000rpm para umas mais modestas 12.000rpm.
Os tradicionais dois tubos de escape que direcionavam os gases para o difusor traseiro, beneficiando o “down wash” e o efeito Coanda, dão lugar a uma única saída de escape.
O posicionamento deste tem regras bem definidas e, para evitar o regresso do efeito Coanda, o regulamento especifica que o tubo de escape tem de apontar para cima numa inclinação de 5 graus e, os gases, não podem chegar ao difusor.
Segurança reforçada, caixa de 8 velocidades e pneus de largo perfil
Também ao nível da segurança as diferenças com os modelos anteriores fazem-se sentir com a adoção de novo sistema de proteção de impacto lateral. Na construção do novo sistema são utilizados tubos de carbono elementos mais resistentes aos impactos laterais em ângulo.
Ainda na temporada de 2014 é introduzido como elemento de segurança nos carros o controlo eletrónico dos travões traseiros. O ABS, logicamente, não é permitido.
A caixa de velocidades adotada é nova, de oito velocidades, com as equipas a serem obrigadas a escolher, antes do início do campeonato, quais as relações que irão usar durante a temporada. Antes as caixas eram de sete velocidades e as equipas homologavam 30 combinações diferentes de relações de caixa.
Para a temporada de 2017, os pneus aumentam as suas dimensões em aproximadamente 30%. Os pneus frontais dos Fórmula 1 são agora ainda mais largos do que os pneus traseiros dos monolugares de 2016.
Esta aderência mecânica aliada à eficiência aerodinâmica significa que os Fórmula 1 atuais são os mais rápidos de sempre, atingindo frequentemente forças gravíticas superiores a 5G em qualquer circuito.
Em 2018, outro grande avanço que visa a segurança dos pilotos: adoção do sistema Halo. Embora tenha gerado controvérsia entre pilotos, construtores, e sobretudo espectadores, esre sistema acabou por ser uma realidade e tem-se mostrado uma mais-valia.
Ambiente e sustentabilidade ditam novas regras
A Fórmula 1 é, já dissemos, a disciplina rainha do automobilismo. Ao longo dos seus 70 anos soube adaptar-se.
Tudo evoluiu, desde as carroçarias aos motores, do cockpit ao volante e dos pneus à segurança geral de carros e pilotos. Inovações aconteceram, igualmente, na asa traseira, nos elaborados aerofólios frontais, na eletrónica dos motores e comunicação entre carro, piloto com a box e vice-versa.
Assim, naturalmente, também se adaptaram os engenheiros dos vários setores de atuação da equipa, os mecânicos, a direção de prova, os comissários de pista e corpo clínico de apoio às provas.
Não esquecer, também, os regulamentos e os ajustes financeiros impostos às equipas com objetivo de tornar este desporto mais seguro, mas também, mais assertivo no que toca as gastos.
Atualmente vive-se mudança de paradigma. Se a Fórmula 1 tem de se adaptar aos tempos modernos, terá, na mesma medida, de se manter igual a si mesma. Até porque recentemente, outra Fórmula surgiu, a Fórmula E (propulsão elétrica), que dá resposta às novas exigências ambientais e de sustentabilidade conquistando, paralelamente, novos públicos.
Mas o público, esse, não quererá nunca que a Fórmula E tome lentamente o lugar da a Fórmula 1. Porque num cenário ideal, as duas devem co-existir.