Não cresci na era dos duelos Senna vs Prost, mas enquanto petrolhead, já vi e revi muitas corridas desta época. Para qualquer amante de desporto motorizado, o recital de Senna à chuva em Portugal em 1985, ou o GP do Brasil de 1991, onde Senna triunfou apenas com o carro “encravado” em sexta velocidade, são um regalo para os olhos.
Cresci em plena era Häkkinen e Schumacher, onde dos dois, claramente se destacava o alemão, com as suas 5 vitórias em campeonatos pela Ferrari, somando-se outras duas com a Benetton. Um feito apenas igualado em 2020 por Lewis Hamilton, sendo estes dois os pilotos com o maior número de campeonatos da modalidade.
Nos anos 2000, a Fórmula 1 atravessou um período de transição, e reinventar o melhor desporto automóvel não é fácil. Sofreu as suas dores de crescimento e muitos pareceram ter perdido o encanto pela modalidade, sobretudo quanto estavam habituados à imprevisibilidade do vencedor e havia um piloto, aparentemente humilde, e que se destacava de todos os demais.
Mas a mudança era necessária e nos dias de hoje, apesar dos números revelarem um domínio da Mercedes e de Hamilton, é no pelotão que a Fórmula 1 está tão ou mais interessante que nunca.
A Fórmula 1 agora não são só carros a andar às voltas num circuito. A Fórmula 1 é um circo, um espetáculo. E os pilotos, provavelmente, os mais capazes de sempre.
Fórmula 1: Os loucos anos 90 vs Atualidade
O McLaren MP4/4 de Ayrton Senna tinha mais de 1000cv de potência, caixa de velocidades manual, em H e zero ajudas electrónicas. Não havia ABS, não havia ESP, não havia controlo de tração. Era apenas o binómio máquina – piloto.
No início dos anos 2000, quando o “nosso” Tiago Monteiro correu na Fórmula 1 (e até conseguiu um pódio na polémica corrida de Indianapolis em 2005), os carros tinham menos potência, eram mais pesados, e dispunham de controlo de tração e de estabilidade.
Apesar de retirarem algum heroísmo à modalidade, eram ajudas necessárias, pois à data, eram os Fórmula 1 mais rápidos de sempre, e os circuitos, em termos de segurança, não estavam prontos para ajudar ao espetáculo. Felizmente, Senna, para além de todos os espetáculo que nos proporcionou, ensinou-nos que não vale tudo em troca da vida humana.
Mudança a partir de 2010
Felizmente, no início dos anos 2010, a Fórmula 1 deixou de ter abastecimentos, adotou os pneus slicks, deixou de ter qualquer ajuda à condução. Na nova era, a era híbrida, pós 2014, os carros voltaram a ter os mesmo 1000 cavalos de antigamente, e apesar de mais pesados, são mais eficientes em termos de aerodinâmica, o que os transformou nos Fórmula 1 mais rápidos de sempre, ano após ano.
A par e passo com o aumento da rapidez dos monovolumes, a segurança foi também fazendo incrementos, e depois da trágica morte de Ayrton Senna em pista, não mais voltamos a assistir ao falecimento de um piloto em prova na Fórmula 1 (Jules Bianchi, em 2014, faleceu na sequência de um acidente, mas apenas vários meses depois, no hospital).
O aumento da rigidez do monocoque, a colocação de cabos de aço a segurar a suspensão, ou até mais recentemente, em 2018, a colocação do Halo e aumento da resistência ao fogo dos equipamentos de proteção, sem dúvida já salvaram várias vidas na Fórmula 1, que o diga Romain Grosjean, depois do acidente no GP do Bahrein em 2020.
Tal como nos anos 90, na Fórmula 1 há sempre uma equipa dominadora
Quem não vê as corridas, usa apenas os números para contrariar um facto: a Fórmula 1 continua tão interessante como sempre. Simplesmente se adaptou.
É verdade que a Mercedes tem dominado a Fórmula 1 desde 2014, e apesar de Ferrari e Red Bull se tentarem “mostrar”, não conseguem assustar.
Mas entre 1988 e 1989, também os pilotos da McLaren venceram 25 das 32 corridas, com Ayrton Senna a completar o seu tetracampeonato.
O mesmo aconteceu com a Ferrari no início dos anos 2000, e por exemplo em 2004, a Ferrari venceu 15 das 18 provas.
Em 2020, por exemplo, a Mercedes venceu 13 das 17 corridas disputadas. Mas 2020 foi também o ano em que mais construtores diferentes venceram uma prova: 4 no total. Algo que não se assistia há mais de 20 anos, precisamente na era de Senna.
Já nos habituamos que na Fórmula 1 há sempre uma equipa dominadora em todas as eras. Sempre aconteceu, e irá continuar assim pelo menos até 2022, onde se espera que os novos regulamentos tragam uma nova era à Fórmula 1 e possa assim terminar a hegemonia da Mercedes.
A Fórmula 1 é, hoje, mais do que uma simples corrida
Hoje em dia, a Fórmula 1 não se limita à ação em pista. Para tentar conquistar um público mais jovem, e reconquistar quem dela se afastou por ser demasiado elitista, a Fórmula 1 abriu-se mais do que qualquer outro desporto.
Atualmente, conseguimos ouvir as comunicações dos pilotos via rádio, em direto e sem filtros. Para além disso, as equipas de Fórmula 1 expõem constantemente os seus pilotos nas redes sociais, mostrando o seu dia-a-dia, desafios, interações com fãs, etc.. Os pilotos estão, assim, mais próximos do público.
A Fórmula 1 tem um documentário próprio na Netflix, o Drive to Survive, onde todos têm acesso às cenas de bastidores e para que todos possam compreender o negócio da Fórmula 1.
A Fórmula 1 mudou, mas está mais rápida que nunca: 260,362km/h média de velocidade numa volta ao circuito de Monza em 2020, e 372,5km/h a velocidade máxima atingida no GP do México em 2019.
Os super atletas (e mais jovens) da Fórmula 1
Os carros suportam forças G acima dos 5G, várias vezes durante a corrida. Os pilotos, são por isso os mais bem preparados de sempre. São super atletas.
A juntar a tudo isto, as épocas de 2019 e 2020 foram as épocas que tiveram menos abandonos, o que demonstra a fiabilidade dos carros e promove a tudo seja resolvido “em pista”.
E apesar de tudo, este é o pelotão mais jovem de sempre. O GP do Brasil de 2019 teve o pódio mais jovem de sempre (Verstappen, Gasly e Sainz), com uma média de idade 23 anos e 256 dias.
São pilotos que sentem que têm o mundo para conquistar e que têm a obrigação de se mostrar, e os novos talentos Max Verstappen, Charles Leclerc, George Russel e Lando Norris arriscam tudo contra os experientes Fernando Alonso, Sebastien Vettel ou Lewis Hamilton.
Apesar de aparentemente, lá na frente, parecer que ganha sempre o mesmo, no pelotão, a emoção é constante em todas as corridas. Aliás, o GP da China de 2016 foi a corrida com mais ultrapassagens na história: 161, para sermos precisos.
A Fórmula 1 não está melhor nem pior, está diferente. Adaptou-se. Os carros, esses, estão muito diferentes, é certo, mas a emoção será sempre a mesma, ano após ano.
A Fórmula 1 foi, é e será sempre a categoria rainha do desporto automóvel.
A opinião do autor Marvin Tortas