Miguel Pinto
Miguel Pinto
07 Jun, 2024 - 11:28

Tormes: entre a cidade e as serras que inspiraram Eça de Queiroz

Miguel Pinto

Todos lhe chamam apenas Tormes. Faça-se ao Caminho de Jacinto até chegar à Fundação Eça de Queiroz. Uma visita a não perder.

Fachada da casa de Tormes

Tormes é o nome que lhe ficou cunhado. No entanto, onde verdadeiramente estamos é na freguesia de Santa Cruz do Douro, no concelho de Baião, ou mais propriamente a União de Freguesias de Santa Cruz do Douro e São Tomé de Covelas.

É ali que se encontra a Fundação Eça de Queiroz, onde ainda pode ser admirado parte importante do espólio do escritor e perceber um pouco do seu universo mais pessoal..

Esculpida nos penhascos do Douro, é uma viagem carregada de referências queirosianas, mesmo se o escritor muito pouco tempo por lá passou.

É um imenso espaço verde, de cheiro a terra e vinhedos, frutas e caruma, uma paisagem bucólica que acabou por inspirar um dos mais conhecidos livros de Eça, A Cidade e as Serras, publicado já depois da sua morte.

A casa de Tormes acabaria por ficar imortalizada nas letras e o seu percurso fez-se até aos dias de hoje. E vale mesmo a pena uma visita.

Tormes: na rota de um escritor de génio

A Fundação Eça de Queiroz tem a sua sede na Casa de Tormes, na Quinta da Vila Nova, um espaço dedicado a perpetuar a memória de um dos mais extraordinários escritores portugueses.

Um dos seus objetivos é divulgar, em Portugal e no estrangeiro, uma obra que resistiu à erosão do tempo e que continua ser lida com reverência e admiração por sucessivas gerações.

A casa atual é lindíssima, longe do lugar medonho com que Eça se terá confrontado quando foi visitar a quinta que em partilhas familiares tinha cabido à sua mulher, Emília de Castro.

Atualmente, a vertente educativa e cultural assume uma particular importância na atividade da Fundação, sendo imperioso visitar o núcleo museológico que alberga praticamente todo o espólio de Eça que sobreviveu até aos nossos dias.

visitas guiadas (com um preço geral de 5 euros, mas descontos para seniores, portadores de cartão jovem e visitas escolares), e no interior pode observar objetos pessoais do escritor, como a secretária alta onde escrevia de pé, alguns móveis da casa de Neully-sur-Seine, em Paris, onde faleceu, o baú dos seus manuscritos ou a original cabaia oriental que lhe foi oferecida e com a qual se fez fotografar.

Objetos de Eça em Tormes
Eça de Queiroz fotografado com o grupo dos Vencidos da Vida

Objetos pessoais

Uma visita à Fundação Eça de Queiroz não é por si uma visita ao universo queirosiano.

É uma viagem pelos objetos mais pessoais de um escritor que criou histórias e ambientes que ainda hoje são identificados como fidedignos. Muitos não eram. São fruto da sua prodigiosa imaginação, mas Eça não era um historiador. No entanto, houve momentos descritos nos livros que ainda hoje são apreciados e vividos.

Um exemplo é a gloriosa refeição descrita no livro A Cidade e as Serras e que era recriada no Restaurante de Tormes, nas instalações da fundação, agora encerrado.

Na ementa podia escolher o famosíssimo arroz de favas, o bacalhau com pimentos e grão de bico, a cabidela, o fricassé de ave ou o lombo assado. A gastronomia queirosiana em todo o seu esplendor.

Mas ainda pode saborear alguns destes sabores, já que o chef António Queiroz Pinto, antigo responsável pelo restaurante, abriu em Baião a Taberna Lura, um espaço de cultura e tradição a não perder. E comer bem, claro está.

Tormes: Caminho de Jacinto

Já estará toda a gente com água na boca, mas, a bem da verdade, é preciso dizer que começamos este roteiro pelo fim.

Antes, há que palmilhar terreno até à casa. E isso faz-se seguindo o Caminho de Jacinto, um trilho que visa recriar a caminhada empreendida por um dos protagonistas do livro A Cidade e as Serras (precisamente Jacinto), quando pela primeira vez chega ao Douro.

Assim, o ponto de partida é a estação ferroviária de Aregos e fica desde já o aviso: a subida é íngreme, mas vale cada milímetro de terreno. O caminho está assinalado e vai passando por alguns marcos que quem leu a obra de Eça irá reconhecer.

Consta que terá sido o caminho que o autor calcorreou da primeira vez que foi a Santa Cruz do Douro e que depois plasmou na sua obra. E se não gostou da casa, a envolvente conquistou-o. E no fim do caminho escreveu:

“Assim vagarosamente e maravilhados, chegamos aquela avenida de faias que sempre me encantara pela sua fidalga gravidade. (…) e ao fundo das faias, com efeito, aparecia o portão da quinta de Tormes, com o seu brasão de armas de secular granito, que o musgo retocava e mais envelhecia”.

Eça de Queiroz, A Cidade e as Serras

Como dissemos no início, embora muita gente conheça aquele lugar como Tormes, a verdade é que estamos em Santa Cruz do Douro. E para além da Fundação, há muito para ver e documentar.

Desde logo o cemitério onde jazem os restos mortais de Eça de Queiroz, mas em termos de património religioso não deve perder as igrejas de Santa Cruz do Douro e de São Tomé de Covelas ou uma das muitas capelas que existem pelos diferentes lugares da freguesia.

Sala da fundação eça de queiroz
Uma das salas que pode ser visitada na Fundação Eça de Queiroz

Casas senhoriais

Há ainda algumas casas senhoriais que não deve deixar de visitar. Como a Casa de Agrelos, a Casa de Cabeção ou a Casa da Capela. Eram as habitações dos antigos fidalgos, fortemente orientadas para a produção agrícola.

A Casa de Lodeiro tem ainda outra particularidade e também ela ligada às letras: está inserida no drama Fanny Owen, de Agustina Bessa-Luís. Outro espaço a conhecer é Vila Monim, onde poderá encontrar um ambiente bucólico, e quase intocado, com a casa do caseiro, a eira, o alpendre e o canastro.

Finalmente, estando pela região, não se esqueça de que está nos domínios do Vinho Verde e que Baião é uma sub-região deste famoso néctar.

Há muitos para provar e que podem acompanhar divinalmente a gastronomia local, feita de sabores como o arroz de forno com anho assado, o arroz de favas com frango alourado ou a carne de raça arouquesa.

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