O grande sonho de Jean Rédélé, piloto e empresário francês, concretizou-se, em 1955, quando estabeleceu a sua própria marca de automóveis, a lendária Alpine, assim denominada devido às curvas das estradas dos Alpes, que tanto prazer de condução transmitiam ao fundador. Carros desportivos feitos para ganhar corridas, como o próprio Rédélé tantas vezes fez.
Neste artigo assinalamos a história e o regresso de uma marca que esteve no «limbo» desde 1995 até à recente chegada ao mercado do novo Alpine A110, que evoca o original A110, o modelo mais emblemático da marca e o de maior sucesso a nível desportivo.
Alpine: 61 anos de história repletos de conquistas e emoção
Um homem nascido no meio dos automóveis
Fonte: Alpine/ Divulgação
Depois de se licenciar em Gestão na prestigiada escola de negócios parisiense HEC, o visionário Jean Rédélé regressou a Dieppe e tornou-se, aos 24 anos, no mais jovem concessionário francês da Renault, sucedendo ao seu pai, ao lado de quem esteve praticamente desde que nasceu. Rédélé começou depois a competir, em 1950, no Rali Dieppe-Rouen, com o famoso Renault 4 CV – produzido entre 1947 e 1961 foi o primeiro modelo da marca francesa a ultrapassar o milhão de unidades comercializadas.
De uma garagem em Dieppe à vitória em Monte Carlo
Mas voltando ao início, a marca Alpine nasceu do sonho, do engenho e do talento de um aficionado do automobilismo, Jean Rédélé de seu nome, nascido, em 1922, na cidade francesa de Dieppe, situada no norte de França, na Normandia. Foi criada em 1955, há 64 anos, e «recriada», em 2017, com a reinterpretação do Alpine A110 acima apresentado e que celebra o modelo que lhe valeu o primeiro grande sucesso desportivo, a vitória no Rali de Monte Carlo de 1973.
E que vitória, na prova que inaugurou o Campeonato do Mundo de Ralis FIA: pódio completo, com triunfo de Jean-Claude Andruet, segundo lugar para Ove Andersson e terceiro para Jean-Pierre Nicolas. Arrecadaria também o título de construtores no Campeonato do Mundo de Ralis FIA desse ano.
Também na história dos ralis nacionais
A Alpine deixou ainda uma marca indelével na história do desporto automóvel luso, através das duas vitórias do Alpine A110 1800 no Rali de Portugal, um guiado por Jean-Pierre Nicolas, em 1971, e o outro por Jean-Luc Thérier, em 1973.
Assim nasceu uma lenda e uma história de sucesso, que apesar de um interregno de mais de duas décadas, regressa agora dentro da onda de revivalismo que grassa na indústria automóvel, e mais uma vez «pelas mãos» da Renault, que a adquiriu nos anos 1980 e sob cuja chancela a Alpine produziu alguns dos mais fantásticos modelos desportivos e de competição da história do automóvel. Mas vamos por partes…
O embrião da Alpine
Fonte: Renault/ Divulgação
Venceu a primeira corrida e com repercussão nacional do sucesso, a Renault forneceu-lhe uma versão especial para a competição do 4 CV, o 1063, para o resto da temporada. Só que ao mesmo tempo que ia conseguindo novos sucessos, Jean Rédélé procurava melhorar os desempenhos do carro, o que o levou a Itália, onde conheceu Giovanni Michelotti, a quem encomendou um 4 CV Spéciale Sport, com uma carroçaria em alumínio bem mais aerodinâmica do que a do modelo original.
Enquanto o novo carro não chegava, Rédélé continuou ao volante do 1063, financiando o desenvolvimento de uma caixa de velocidades de cinco relações, que, entre outros sucessos, lhe permitiu vencer a classe nas célebres Mille Miglia. Em 1953, finalmente com o 4 CV Spéciale, venceu o Rali de Dieppe, na frente de dois Jaguar e de um Porsche e, no ano seguinte, impôs-se na Taça dos Alpes. Foi aí que lhe surgiu a ideia do nome da marca.
“Foi ao correr nos Alpes que mais me diverti. Por isso, decidi chamar Alpine aos meus futuros modelos. Para que os meus clientes pudessem desfrutar como eu desfrutei do prazer daquela condução”, contou o próprio Rédélé, anos mais tarde.
Mecânica simples e competitiva; carroçaria leve e atraente
Como a ideia de criar a sua própria marca continuava a não sair da cabeça de Jean Rédélé, foi o sogro, um dos mais importantes concessionários Renault da época, quem o ajudou, fundando ambos, a 25 de Junho de 1955, a Société des Automobiles Alpine. Rédélé apoiava-se em princípios elementares: uma mecânica simples mas competitiva, utilizando o máximo de peças de série e uma carroçaria leve e apelativa.
O «dador de órgãos»
O primeiro protótipo, desenhado por Jean Gessalin e construído pelos irmãos Chappe, foi apresentado por Charles Escoffier aos responsáveis da Renault, em 1955. Depois de validado, Rédélé aplicou-lhe algumas alterações oriundas do 4 CV desenvolvido em conjunto com Michelotti e chamou-lhe A106 – «A» de Alpine e 106 devido ao nome de código do 4 CV (1063), o «dador de órgãos».
Início de uma fantástica aventura
Fonte: Renault/ Divulgação
E foi assim que, em julho de 1955, três Alpine A106 com as cores da bandeira francesa (um azul, um branco e um vermelho) foram expostos no parque de estacionamento da sede da Renault, nos arredores de Paris.
Jean Rédélé sentia-se orgulhoso por ser finalmente um construtor de automóveis.
Em termos mecânicos, o A106 mantinha o chassis e os eixos do 4 CV, e o motor de quatro cilindros em linha, com 747 cm3, era proposto em duas variantes de 21 e 38 cavalos. Mas, este primeiro Alpine distinguia-se sobretudo pela carroçaria em poliéster e por ter, em opção, a caixa de cinco velocidades ou a suspensão Mille Miglia, com quatro amortecedores traseiros.
Consolidação da marca
Fiel aos seus princípios de “melhoria contínua”, antes mesmo de a expressão se ter generalizado no léxico da indústria automóvel, Rédélé tentou fazer evoluir o A106 e, agastado com as reticências da Chappe & Gessalin, acabou por abrir a própria empresa, a RDL.
Esta independência traduziu-se no lançamento de uma versão cabriolé do A106, desenhada por Giovanni Michelotti e apresentada no Salão de Paris de 1956. Uma terceira variante, o A106 Coupé Sport, foi lançada em 1958; e com 251 exemplares produzidos entre 1955 e 1960, o A106 permitiu a Jean Rédélé consolidar a empresa. Mas estes eram apenas os primeiros passos…
A108: a primeira Berlinette
Em 1958, surgia o A108 – apresentado no Salão de Paris do ano anterior -, com várias variantes de carroçaria e de configurações e com uma produção de 236 exemplares até 1965. As carroçarias do A106 foram mantidas numa primeira fase, operando-se a grande transformação sob o capô: o motor do 4 CV foi substituído pelo de 845 cm3 Ventoux, que equipava o Renault Dauphine e, posteriormente, pelo de 998 cm3 do Dauphine Gordini.
Mas o estilo iria também evoluir a partir de um A106 desenhado por Philippe Charles, um jovem designer então com 17 anos. Tendo por base o cabriolé, as óticas foram cobertas com uma bolha em acrílico e a traseira alongada, para um perfil mais equilibrado. Este modelo, batizado de Berlinette, foi inscrito na Volta à França Automóvel de 1960 e o sucesso foi tal que a nova imagem se impôs rapidamente em todos os modelos produzidos pela RDL.
Chassis com trave central como chave da dinâmica
Uma outra alteração importante ocorreu em 1961, com a generalização do chassis com trave central em todos os modelos. Esta arquitetura, na qual são colocadas travessas laterais para suportar os eixos dianteiro e traseiro, melhora a rigidez e a leveza do conjunto e nela consiste a chave das qualidades dinâmicas dos Alpine.
Modelo inovador de exportação
Fonte: Renault/ Divulgação
Entretanto, consciente de que um desenvolvimento internacional podia potenciar o crescimento comercial da Alpine, Jean Rédélé propôs a construção dos seus automóveis sob licença a parceiros industriais. Os Alpine eram relativamente fáceis de montar e tinham reputação de grande fiabilidade.
Após um primeiro desaire na Bélgica, com apenas 50 exemplares do A106 fabricados pela empresa Small, foi no Brasil que o piloto/empresário encontrou uma solução: a sociedade Willys-Overland, que já fabricava o Renault Dauphine sob licença da marca, iniciou, em 1960, a produção do Alpine Interlagos, assim denominado em homenagem ao circuito brasileiro de Fórmula 1.
Com uma qualidade de construção sem reparos – apenas um olho treinado conseguia distinguir um Interlagos de um A108 -, a parceria foi reeditada com o A110 e, no total, 1.500 Coupé, Berlinette e Cabriolet foram ali produzidos até 1966.
Fittipaldi e Carlos Pace
E os Alpine também brilharam em competição do outro lado do Atlântico: pilotos como José Carlos Pace ou Emerson Fittipaldi iniciaram as carreiras com modelos Alpine Interlagos, antes de virem para a Europa tentar a sorte na Fórmula 1. E esta colaboração comercial serviu ainda de modelo a outros acordos no México (Dinalpine), em Espanha (Fasa) e na Bulgária (Bulgaralpine). Assim, cerca de 15% de todos os Alpine foram fabricados fora de França.
O mítico A110 original
O A108 apresentou também as bases do A110, que surgiu em 1962, agora com o modelo Renault 8 a servir de «banco de órgãos». Depois, as estreitas relações com a Renault ficaram ainda mais reforçadas quando esta última entregou à Alpine o departamento de competição. Por isso, a partir de 1967, todos os automóveis produzidos passaram a ter a denominação oficial Alpine-Renault.
Com o grande sucesso nos ralis, a Berlinette tornou-se igualmente num grande sucesso comercial. Para responder à crescente procura, a Alpine teve de alargar a base industrial, passando a dividir a produção entre a garagem de Paris, a fábrica de Dieppe e uma nova unidade industrial em Thiron-Gardais, na região do Vale do Loire, no norte de França.
O A110 foi entretanto evoluindo de forma regular ao longo dos anos: o motor de 1108 cm3 passou sucessivamente para 1255, 1565 e 1605 cm3; e as modificações estéticas ainda foram em maior número, se bem que menos significativa: grelha com quatro faróis, abas mais largas, radiador dianteiro e saia traseira removível. Até que a produção do modelo chegou ao fim, em 1977, com o A110 1600SX, equipado com um motor de 1647 cm3.
A310 assegura progressão da marca
Depois, desenhado pelo próprio Rédélé, o sucessor Alpine A310 foi pensado para tirar o máximo partido do sucesso da Berlinette. E apesar de a crise petrolífera de 1973 travar um pouco a ascensão da marca, pouco a pouco, as vendas da Alpine recuperaram e o modelo foi sendo sempre evoluído: injeção em 1974, motor V6 PRV em 1976 e eixo traseiro do Renault 5 Turbo em 1981.
«Avião caça da estrada»
Em 1985, com o GTA, a Alpine afastou-se um pouco do conceito mais espartano da Berlinette, para entrar no mundo do Grande Turismo. Na sua derradeira versão, dotada de um motor V6 Turbo, o GTA debitava 200 cv, o que lhe valeu a alcunha de «avião caça da estrada».
A610 gera intervalo na saga
O A610 foi o «senhor» que se seguiu, entrando em cena em 1990, equipado com um bloco V6 Turbo de 2963 cm3. Mas apesar das qualidades dinâmicas tão destacadas pela Imprensa da altura, o modelo vendeu pouco, deixando de ser produzido em 1995.
Após a paragem, a fábrica de Dieppe passou a concentrar a atividade exclusivamente na produção de modelos desportivos da Renault Sport, do R5 Turbo ao Clio RS ou do Spider Renault Sport ao Clio V6, passando, claro, pelo Renault 5 Alpine. Agora, esta fábrica histórica, que manteve sempre o logótipo da Alpine na fachada, está de novo no centro da história da (renascida) Alpine.
O renascer da Alpine
Fonte: Renault/ Divulgação
Assim, esta marca de carros de verdadeiro culto atendeu finalmente o pedido tantas vezes feito pelos seus apaixonados, e renasceu, qual Fénix. Mas não sem antes ter de encontrar um contexto favorável: a revelação do concept Alpine A110-50, por ocasião do 50.º aniversário da Berlinette, em 2012, foi um momento importante para verificar se a «chama ainda estava acesa».
Estava mesmo bem acesa, e como resultado, a 5 de novembro de 2012, o presidente da Renault, Carlos Ghosn, anunciou oficialmente o renascer da Alpine e o início da conceção de uma “Berlinette do século XXI para 2016”. E sob a chancela de Bernard Ollivier, a Société des Automobiles Alpine criou a “Berlinette do século XXI”, o novo A110.
Enquanto não chegava o novo modelo, a Alpine foi honrando o passado na competição com vitórias em diversas corridas: em 2013 e 2014, no Campeonato Europeu de Resistência e, em 2015, no Campeonato do Mundo de Resistência WEC.
Nesse mesmo ano, apresentou ainda dois shows-cars: o Alpine Vision Gran Turismo – presente no jogo de vídeo com o mesmo nome; e o Alpine Célébration, especialmente concebido para festejar o 60.º aniversário da marca fundada por Jean Rédélé.
Quando a produção da marca «hibernou, em 1995, haviam sido construídos mais de 30 mil Alpine de estrada ao longo de 40 anos, juntamente com mais de 100 automóveis de competição, monolugares e protótipos, um deles vencedor absoluto das míticas 24 de Le Mans, em 1978.
Durante estes anos de «hibernação», os entusiastas da Alpine mantiveram a marca viva em todo o mundo, formando clubes de proprietários e exibindo os seus modelos em eventos para desportivos clássicos. Agora, começa a ser escrito o segundo capítulo da história Alpine.
O legado da Alpine no futuro
Os faróis duplos à frente, os flancos fluidos, a caraterística nervura no capô e o vidro traseiro do novo Alpine A110 são legado do A110 Berlinette, enquanto as luzes diurnas LED e as luzes traseiras LED em forma de «X», com piscas dinâmicos, deixam adivinhar os desempenhos e a engenharia avançada do presente e do futuro. Por sua vez, a linha que flui da dianteira à traseira é um traço de design característico da Alpine que torna o modelo imediatamente reconhecível.
O acesso ao habitáculo é por sua vez dos mais fáceis no segmento dos desportivos, graças à soleira baixa. A consola central suspensa e os apoios de banco expostos proporcionam sensação de leveza e o sistema áudio Focal recorre a altifalantes que integram a tecnologia Flax Cone – patenteada para proporcionar um som nítido e puro -, enquanto os pedais em alumínio e o apoio para os pés do passageiro espelham a construção em alumínio do automóvel.
Por altura do lançamento do Première Edition, a Alpine anunciou também a versão preparada para competição, mais leve e mais potente, o A110 Cup, preparada pela Signatech e que afirma a vocação competitiva da marca.