Share the post "Clássicos: o mítico Boca de Sapo, um Citroën DS muito à frente"
Ver atualmente um Citroën DS a circular nas estradas é coisa rara. Apenas por uma feliz coincidência de trajeto nos cruzamos com um, ou então só mesmo em encontros de automóveis clássicos ou museus.
Muita gente ainda se lembra deste fantástico automóvel como uma marca familiar. E quem teve a felicidade de andar num destes modelos, nunca mais o esqueceu, quer pela fiabilidade, quer, principalmente, pelo conforto.
No entanto, nos dias de hoje, este modelo francês não é fácil de encontrar. E a sua raridade deve-se sobretudo ao facto de ter sido um automóvel tão avançado no seu tempo que tenha talvez acabado por ser incompreendido. Expliquemos porquê.
O DS sofreu daquilo a que podemos chamar “ser vítima do próprio sucesso”. Foi desenvolvido durante 18 anos em modo secreto e a marca francesa quis posicioná-lo como digno sucessor de outro modelo que grande êxito: o Traction Avant.
Citroën DS: sucesso desde o início
A apresentação mundial teve lugar em 5 de outubro de 1955, no Salão Automóvel de Paris e revelou-se desde logo um sucesso.
A sessão foi tão intensa que galvanizou os visitantes do certame. As notícias da época relatam que após 15 minutos da abertura do Salão de Paris, no Grand Palais, registavam-se 743 intenções de compra. No final do dia as encomendas do novo modelo francês totalizavam as 12 mil unidades.
Uma novidade para a época e um retombante sucesso para a Citroën e para os autores do projeto: Flamínio Bertoni, André Lefèbvre e Paul Magès.
80 mil intenções de compra
No final dos 10 dias do evento a marca francesa tinha 80 mil pedidos de compra do DS 19, um recorde só quebrado ao fim de 60 anos pela Tesla, em 2016, que registou 180 mil intenções de compra num só dia pelo Tesla Model 3.
Daqui inferimos que o DS foi um automóvel especial que marcou uma época e que abriu caminho ao futuro, devido a ser ele próprio, portador de uma mão cheia de novidades que acabaram por definir o futuro da DS como marca de excelência, qualidade, luxo e tecnologicamente avançada.
Citroën DS: ícone do estilo e design franceses
O que tornou o Citroën DS um automóvel especial, um autêntico ícone, foi posicionar-se como um dos mais inovadores automóveis da sua época. Aliás, a inovação é um dos pilares da marca francesa e o DS foi um dos percursores deste conceito.
Eis em lista as principais características que o tornavam diferente quando comparado com automóveis congéneres:
- Design em forma de gota, o elemento mais aerodinâmico do universo;
- Sistema hidráulico (desenvolvido por Paul Magès), que comandava suspensão independente nas quatro rodas, direção, travões e, em algumas versões, a caixa de velocidades, posteriormente comprado pela Rolls Royce;
- Barra estabilizador à frente e atrás;
- Sistema de nivelamento automático e distância ao solo variável (três níveis e altura controlados no habitáculo a partir de uma alavanca);
- Direção assistida;
- Semi-transmissão automática;
- Teto em plástico reforçado com fibra de vidro (baixa o centro de gravidade do automóvel e reduz o peso final);
- Vias de comprimentos diferentes à frente (maior) e atrás (menor);
- Travões de disco no eixo frontal;
- Percursor do pneu radial desenvolvido pela Michelin que deteve a Citroën entre os anos 1934 a 1974;
- Volante de um só raio;
- Rodas posteriores parcialmente tapadas para melhorar a aerodinâmica;
- Farolins traseiros separados dos piscas (estes estavam posicionados nas laterais do tejadilho, em cima):
- Faróis dianteiros direcionáveis (DS 21);
- Grande área envidraçada para permitir uma maior visibilidade.
Citroën DS ID: o pioneiro low cost da marca francesa
A Citroën comercializou o DS com vários tipos de carroçarias e motorizações, sendo o nível de equipamento completo à época.
O DS 19, que atualmente é o mais cobiçado pelos colecionadores, foi disponibilizado em três tipos de carroçarias, entre sedan, station wagon (com variante de 7 lugares e comercial), e cabriolet, sendo equipado com mais de uma dezena de motorizações e potências que variavam entre os 75 e os 109 cv. Podia-se ainda optar por uma caixa de velocidades manual, automática ou semiautomática, de quatro e cinco velocidades.
Com um preço de venda 65% superior ao automóvel que substituiu, o Traction Avant, o DS disponibilizava superior tecnologia e construção de grande qualidade.
Com o intuito de diversificar o modelo e chegar cada vez a um maior público a marca sentiu necessidade de criar uma versão mais modesta, que teve na versão ID a percussora do que hoje podemos chamar “os automóveis low cost“.
A versão ID, na essência, partilhava a carroçaria do DS, ostentava menos luxo e recebia motores de menor potência (69 cv). O ID também não recebia direção hidráulica, e a transmissão era tradicional, com embraiagem em vez do sistema de controlo hidráulico utilizado no DS.
Versões D Especial e D Super
Em termos de vendas, o preço do ID era inferior ao do DS, existindo cerca de 25% diferença. Algo que desapareceu em 1961 quando a marca francesa deixou de comercializar o ID 19 no nível de equipamento “Normale”. Para os amantes da marca, importa sublinhar que a versão station wagon entrou no mercado apenas em 1958.
Entre 1970 e 1975, a Citroën apostou ainda na disponibilidade de automóveis com motores mais potentes, caso das versões D Especial e D Super, esta com motor DS 21 de 2.175 cc e caixa de 5 velocidades.
Três séries DS entre 1955 e 1976
- 1955-1962 – Série 1 (original);
- 1963-1967 – Série 2 (surge o DS Convertible) com frente redesenhada;
- 1968-1976 – Série 3 (surge o DS 23 Pallas e versão com faróis orientáveis, que funcionavam de acordo com a direção).
Ao longo da sua existência, o DS desfilou por três séries distintas, e por diversas atualizações quer de design, tornando-o cada vez mais moderno e com semblante a sublinhar a identidade de estilo da marca.
Foi recebendo também importantes melhoramentos ao nível da resposta do sistema hidráulico, que tão bem caraterizou e popularizou. Tornava-se mais apelativo e convidativo no que à condução dizia respeito, rolando na estrada com grande suavidade. Como se flutuasse.
Citroën DS no Rali de Portugal com Francisco Romãozinho
A história do DS em Portugal não passa só por Mangualde onde a marca tem fábrica e onde este modelo foi também construído.
Passa também pelo desporto, nomeadamente pelos ralis. E falar em ralis é falar do Rali de Portugal e, forçosamente, do piloto Francisco Romãozinho (1943 – 12 de março de 2020), que foi o primeiro piloto português a conduzir um carro oficial Citroën DS 21 com o qual se tornou campeão (classe 5) no Rali TAP, em 1969. O DS de competição estava equipado com motor 2,5 litros e debitava 190 cv.
Conhecido como “Senhor DS”, Francisco Romãozinho dedicou toda a vida ao desporto automóvel e à função de administrador de empresas no sector automóvel.
Nesse sentido passou pela Citroën, Fiat ou SIVA tendo sido o responsável pela entrada da Skoda em Portugal. Ainda nos ralis o DS venceu o Rali de Monte Carlo em 1959 e 1966; o Rali dos 1000 Lagos em 1962 e em 1974 o London-Sahara-Munich World Cup Rally.
Curiosidades do Citroën DS
- Motor colocado atrás do eixo frontal sendo um tração dianteira;
- Pneu suplente colocado sob o capot frontal à frente do eixo dianteiro;
- Vias dianteira e traseira com diferentes comprimentos;
- Versões station wagon com 5 ou 7 lugares;
- Versões convertíveis produzidas pela Chapron;
- Apenas foram produzidos 1.365 exemplares convertíveis;
- Bagageira disponibilizava 270 litros (sedan).
- Distância entre eixos de 3,13 m;
- Chão plano;
- Ocorrendo um furo podia circular apenas com 3 rodas;
- Velocidade máxima 140 km/h;
- Coeficiente Cx de 0,34, considerado ótimo para os automóveis da época;
- 4,80 m de comprimento; 1,79 m de largura e 1,47 m de altura. Station wagon superava os 5,0 metros;
- Painel de instrumentos e portas acolchoados (preocupação da segurança em caso de colisão);
- Depósito de combustível colocado antes do eixo traseiro;
- Retrovisor interior prismático montado sob o tablier;
- Motor mais potente surge em 1973: bloco 2,35 litros que debitava 141 cv;
- A Citroën vendeu 1.455.746 DS dos quais 1.330.755 saíram da fábrica de Quai André-Citroën;
- Citroen DS classificou-se em 3.º lugar como Carro do Século, em 1999;
- Viatura presidencial francesa usada pelo presidente Charles de Gaulle.
Citroën DS também brilhou no cinema
Também no cinema, o Citroen DS fez furor. E é possível vê-lo desfilar com elegância nas telas da sétima arte, nomeadamente no filme “O super cérebro”, de 1968, com David Niven e Jean-Paul Belmondo. O DS após um salto parte-se ao meio, mas a secção frontal continua em andamento com condutor e passageiro.
Ou em “O Dia do Chacal”, de 1973, em que como carro da presidência escapa de um atentado executando manobras incríveis para um automóvel do seu tamanho.
Em “Prenda-me se for Capaz” o DS surge como automóvel da polícia numa cidade do interior do Sul de França.
A aparição mais futurista do DS no cinema foi em “Regresso ao Futuro II”, comédia realizada em 1989, em que surge como táxi voador em 2015. Outras aparições do modelo estão registadas nos filmes “Um Homem sem Face” e “Operação França”.
A DS nos dias de hoje
Com um sucesso tão sólido construído não só com a comercialização das versões saídas de fábrica mas, também, com as propostas estilísticas surgidas ao longo dos anos e assinadas por Hector Bossaert (entre 1959 e 1964); Gene Winfield (1965); as variações cabriolet fabricadas pelo preparador Chapron ou a empresa britânica Dee-Ess criadora do DS Drophead a DS acaba por autonomizar-se.
A DS Automobiles surge em 2009 por decisão do Grupo PSA. Posiciona-se como marca de alta qualidade, apostando na diferenciação dos seus produtos junto do público. Apresenta modelos exigentes quer no que diz respeito à construção, quer à segurança ativa e passiva, ao respeito pelas exigentes normas ambientais e sobretudo com luxo e qualidade que a colocam na esfera das marcas Premium.
Atualmente comercializa os modelos DS3 Crossback, DS7 Crossback e DS9, não só com as habituais motorizações a gasolina e diesel, mas também, com propostas de motores híbridos e elétricos ajustando-se às exigências dos mercados no Séc. XXI.
Continua também presente na competição de automóvel, no Campeonato do mundo de Fórmula E, uma prova com Fórmulas 100% elétricos.