Share the post "Fórmula 1: a história e as histórias das corridas em Portugal"
Desde 1996, ano em que o jovem canadiano Jacques Villeneuve se mostrou ao mundo, que a Fórmula 1 não visitava Portugal. Tradicionalmente disputado no Estoril, este ano, tal como em 2020, o Grande Prémio (GP) de Portugal vai realizar-se no Algarve, no AIA, Autódromo Internacional do Algarve.
O regresso do GP de Portugal é também uma oportunidade de recordar o que Alain Prost, Michael Schumacher ou Ayrton Senna, entre outros, fizeram, e como já foram felizes em Portugal.
Grande Prémio de Portugal: uma corrida com quase 70 anos de história
Historicamente falando, o GP de Portugal já teve três sedes diferentes (Boavista, Monsanto e Estoril). Portimão será a quarta sede diferente de um Grande Prémio que já acolheu a Fórmula 1 em 22 ocasiões diferentes, embora apenas 16 sejam consideradas oficiais.
A primeira vez que o GP de Portugal ocorreu foi no ano de 1951, tendo como primeiro vencedor o português Casimiro de Oliveira. A sede, nos primeiros três anos, foi o circuito da Boavista. A partir de 1954 e até 1960, as ruas de Monsanto partilhariam, de forma alternada, com as da Boavista a realização do GP de Portugal.
No entanto, nesta primeira fase, e apesar de numa das edições o vencedor ter sido o histórico pentacampeão de F1 argentino Juan Manuel Fangio, o GP de Portugal contava para a Sport Internacional, que na altura era tão ou mais importante que a Fórmula 1.
Só os últimos três anos (1958/1959/1960) o GP de Portugal foi organizado sob a tutela da Fórmula 1. Neste caso, o primeiro vencedor oficial foi o eterno vice-campeão do mundo, Stirling Moss.
Ao longo da sua carreira, o britânico acumulou quatro segundos lugares seguidos no campeonato entre 1955 e 1958 e três terceiros lugares nos três anos seguintes, sendo considerado por muitos o melhor piloto de sempre a nunca ter sido campeão do mundo. Porém, o seu desportivismo ter-lhe-á custado a melhor oportunidade da carreira, precisamente em Portugal.
Autódromo do Estoril
O GP de Portugal teve um interregno de 24 anos, antes de regressar ao autódromo de Estoril em 1984, na altura, tal como agora, eleito como prova de substituição escolhida já a meio da temporada, encerrando de forma inesquecível a época, em troca pelo GP de Espanha, que seria disputado em Fuengirola, na Andaluzia, nesse ano.
O autódromo do Estoril tinha sido construído em 1972, por iniciativa da empresária Fernanda Pires da Silva que idealizou, juntamente com o arquiteto brasileiro Ayrton Lolô Cornelsen, o autódromo a que lhe empresta o nome. O nome oficial do autódromo do Estoril é, portanto, Autódromo Fernanda Pires da Silva. No seu total, tinha lotação para cerca de 70.000 pessoas sentadas.
A construção deste autódromo foi a primeira do género em Portugal. No que às dimensões diz respeito, tinha 823.530 metros quadrados. A inauguração, em junho de 1972, contou com a presença do, então, presidente da República, Américo Thomaz, que inclusive fez a primeira volta no circuito com o seu Rolls Royce.
Até lá, com nomes mais presentes nas memórias dos apaixonados pela Fórmula 1, o GP de Portugal disputou-se no autódromo do Estoril até 1996. Estava previsto encerrar a época em 1997, consagrando o Campeão Mundial. Porém, reformas necessárias ao nível infraestrutural não foram concluídas a tempo, levando a FIA a trocar o autódromo português pelo circuito urbano de Jerez de La Frontera, em Espanha.
Porém, apesar de muita “História”, o GP de Portugal é também recheado de várias “histórias”.
Os 5 principais momentos dos grande prémios de Portugal
Moss intercede a favor do seu principal rival (1958)
No primeiro ano sob a tutela da Fórmula 1, o GP de Portugal, disputado nesse ano na Avenida da Boavista, num circuito citadino de 7.5 quilómetros, que também envolvia passagens pela Foz e pela Circunvalação, teve uma estreia para a história.
Depois de ter vencido a prova, o histórico Stirling Moss, que nesse ano corria pela Vanwall, bateu numa luta épica o compatriota da Ferrari, Mike Hawthorn. Porém, este último seria desclassificado por ter andado na direção errada durante alguns metros, após um problema mecânico.
Conhecido pelo seu fairplay, Moss intercedeu junto do júri, alegando que a manobra ilegal de Hawthorn acontecera quando este ainda estava fora de pista, o que não seria ilegal.
Com isto, Hawthorn manteve o segundo lugar no GP de Portugal e também no Campeonato do Mundo, sendo que no GP seguinte, na derradeira competição da época, acabou por se tornar Campeão do Mundo por apenas um ponto de vantagem sobre, precisamente… Stirling Moss, que assim perdeu a melhor oportunidade da carreira para se sagrar campeão.
Jack Brabham envolve-se com Nicha Cabral (1959)
A escolha poderá parecer parcial, mas a realidade é que um português e o GP de Portugal fazem parte das memórias do falecido tri-campeão mundial (1959, 1960 e 1966) Jack Brabham.
O australiano nunca esqueceu Nicha Cabral, o primeiro português a participar na Fórmula 1, nem o Grande Prémio de Portugal de 1959, nas ruas de Monsanto, mas não pelas melhores razões.
Em 2012, Nicha Cabral contou ao jornal I, numa entrevista,
“Ele estava a discutir o primeiro lugar com o Moss. Íamos na autoestrada a entrar em Monsanto, olhei por um dos retrovisores e vi o nariz do carro dele a aproximar-se. Pensei ‘Olha, vai ultrapassar-me nesta reta’ e cheguei-me à direita para ele ter espaço à esquerda. O que é que ele pensou? O contrário! Quando ele percebeu que eu já não ia para a esquerda, era tarde de mais. Sem espaço para entrar por fora naquela curva, foi de frente e bateu no vértice do triângulo.
Ficou ali e eu continuei. Nas boxes, terminada a corrida, veio falar comigo. Estava furioso, a protestar. ‘Why don’t you break sooner?’ perguntou-me ele. ‘A culpa foi tua, não saí da minha trajetória. E mais, dei-te o espaço para avançares à vontade. Ninguém tem culpa que tu penses mal’. Sabe uma coisa? Nunca mais se esqueceu de mim. Anos depois, escreveu as suas memórias: ‘Não acabei o Grande Prémio de Portugal em 1959 por causa de um ‘very dangerous local boy.’”
Prost vence e perde de forma inigualável (1984)
Já imaginou perder por um ponto o Campeonato do Mundo? Aconteceu mais recentemente ao brasileiro Filipe Massa, em 2008, quando na última volta do Campeonato do Mundo, perdeu o título para o britânico Lewis Hamilton.
Porém, o GP de Portugal também teve uma história assim, envolvendo dois dos maiores campeões de sempre: Alain Prost e Niki Lauda.
Niki Lauda liderava à partida para a última prova do campeonato. Para o austríaco bastava-lhe um segundo lugar para se sagrar campeão do mundo. Porém, caso o francês Alain Prost vencesse e Lauda ficasse em terceiro lugar ou abaixo, o título cairia para o francês.
Prost não se deixou derrotar pelas adversidades e conseguiu vencer o GP de Portugal. Porém, se até à volta 52 tinha o título nas mãos, quando Nigel Mansell teve problemas mecânicos e foi obrigado a abandonar a corrida, o tão desejado segundo lugar no GP ficou à mercê de Lauda que não desaproveitou a oportunidade.
O GP de Portugal ficaria, então, na história como o final da época do título mais renhido de todos os tempos.
Afinal, Lauda venceu o seu terceiro campeonato por apenas… meio ponto(!) de vantagem sobre Alain Prost.
Curiosamente, o terceiro lugar do GP ficou reservado a um estreante da Fórmula 1, que corria na teoricamente mais fraca Toleman. Era, nada mais, nada menos, do que o brasileiro Ayrton Senna.
Ayrton Senna mostra-se ao mundo (1985)
Além do luso, também o português do outro lado do Atlântico fez-se ouvir no GP de Portugal. Aquele que por muitos é conhecido como o melhor piloto de Fórmula 1 de sempre, Ayrton Senna estreou-se a vencer em Portugal. Depois de um primeiro ano na Toleman, onde com um carro teoricamente mais fraco, conseguiu o nono lugar no Campeonato do Mundo, o brasileiro transferiu-me para a Lotus. Foi preciso esperar pela chuva intensa, onde o mesmo se sentia como peixe na água, para ganhar o primeiro GP da sua carreira.
Porém, Portugal queria ouvir português em Portugal e numa das etapas com condições mais adversas de que há memória, Ayrton Senna foi claramente superior a todos os seus rivais, conquistando o primeiro lugar.
Era a sua primeira vitória na Fórmula 1, mas a forma como a conquistou, sob uma chuva incessante e um piso perigosamente escorregadio, tornou a conquista apenas premonição da glória que mais tarde alcançaria.
Villeneuve vence na despedida do GP de Portugal (1996)
Filho do eterno Gilles Villeneuve, o canadiano Jacques Villeneuve estreou-se na Fórmula 1 em 1996. Logo no primeiro ano, já corria pelo título. Embora o tenha perdido, na memória de muitos terá ficado uma espetacular ultrapassagem no Estoril, ao seu rival Michael Schumacher, que inclusive tentou cortar-lhe a passagem e acabou por sair fora da pista.
O momento em si e o facto de esta vitória ter permitido ainda sonhar com o título no GP seguinte (o último da temporada) contra o colega de equipa da Williams, Damon Hill, permitiram ao filho alcançar alguma da glória do pai. O ponto alto da carreira de Jacques Villeneuve seria mesmo na época seguinte, quando se sagrou campeão do mundo.
Muitas outras peripécias poderiam ser contadas sobre as corridas da Fórmula 1 que já aconteceram em Portugal, como a vitória do alemão Michael Schumacher, com Prost a seu lado no pódio, numa espécie de passagem de testemunho, ou a primeira pole position do escocês David Coulthard, ou até aquela vez em que o britânico Nigel Mansell entrou e saiu das boxes, provocando um acidente e o abandono de Ayrton Senna. Felizmente, Portugal sempre nos brindou com excelentes corridas, repletas de acontecimentos marcantes.
Lista de Vencedores dos Grande Prémios de Portugal
- 1996 – Jacques Villeneuve / Williams-Renault – Estoril
- 1995 – David Coulthard / Williams-Renault – Estoril
- 1994 – Damon Hill / Williams-Renault – Estoril
- 1993 – Michael Schumacher / Benetton-Ford -Estoril
- 1992 – Nigel Mansell / Williams-Renault – Estoril
- 1991 – Riccardo Patrese / Williams-Renault -Estoril
- 1990 – Nigel Mansell / Ferrari – Estoril
- 1989 – Gerhard Berger / Ferrari – Estoril
- 1988 – Alain Prost / McLaren-Honda – Estoril
- 1987 – Alain Prost / McLaren-TAG/Porsche – Estoril
- 1986 – Nigel Mansell / Williams-Honda – Estoril
- 1985 – Ayrton Senna / Lotus-Renault – Estoril
- 1984 – Alain Prost / McLaren-TAG-Porsche – Estoril
- 1960 – Jack Brabham / Cooper-Climax – Boavista
- 1959 – Stirling Moss / Cooper-Climax – Monsanto
- 1958 – Stirling Moss / Vanwall – Boavista
- 1957 – Juan Manuel Fangio / Maserati – Monsanto *
- 1955 – Jean Behra / Maserati – Boavista *
- 1954 – José Froilán González / Ferrari – Monsanto *
- 1953 – José Arroyo Nogueira Pinto / Ferrari – Boavista *
- 1952 – Eugenio Castellotti / Ferrari – Boavista *
- 1951 – Casimiro de Oliveira / Ferrari – Boavista *
*de 1951 a 1957 a prova não contava para o Campeonato Mundial de Fórmula 1, mas sim para a Sport Internacional.
Os recordes dos grande prémios de Portugal
Pole Position e Melhor Volta
Estoril – Dimensão do Percurso – 4.350 km
Pole Position mais rápida:
1993 – Damon Hill/ Williams-Renault V10 – 1:11:494
Volta Mais Rápida da prova:
1993 – Damon Hill/ Williams-Renault V10 – 1:14:859
Boavista – Dimensão do Percurso – 7.407 km
Pole Position mais rápida:
1960 – John Surtees / Lotus-Climax L4 – 2:25:560
Volta Mais Rápida da prova:
1960 – John Surtees / Lotus-Climax L4 – 2:27:530
Monsanto – Dimensão do Percurso – 5.440 km
Pole Position mais rápida:
1959 – Stirling Moss/ Cooper-Climax L4 – 2:02:900
Volta Mais Rápida da prova:
1959 – Stirling Moss / Cooper-Climax L4 – 2:05:700
Maiores vencedores em Portugal
3 vitórias
- Alain Prost (1984, 1987, 1988)
- Nigel Mansell (1986, 1990, 1992)
2 vitórias
- Stirling Moss (1958, 1959)
Depois de Stirling Moss, Alain Prost, Niki Lauda, Ayrton Senna, Schumacher e Jacques Villeneuve terem sido felizes em Portugal, falta agora saber que histórias nos trará o Grande Prémio de Portugal de 2021.