Share the post "Coronavírus e a indústria automóvel: o que nos espera o futuro?"
O novo coronavírus, que terá surgido na China em Novembro de 2019 e que é responsável pela COVID-19, trouxe vários desafios à sociedade em geral e, como tal, também a indústria automóvel foi seriamente afetada. Uma indústria que emprega quase 200 000 pessoas em Portugal.
Com as linhas de produção a serem paradas em várias fábricas, outras tantas que se adaptaram para produzir equipamento médico e hospitalar, com concessionários e stands encerrados ao público, a indústria automóvel, como tantas outras, foi uma das que mais está a sentir desde já o impacto no seu volume de negócio.
De acordo com a Associação Automóvel de Portugal (ACAP), em março, mês em que foi instaurado o estado de emergência em Portugal, limitando a circulação de pessoas e funcionamento de empresas, as vendas de automóveis diminuíram 56,6%, face aos valores atingidos no mesmo mês, no ano de 2019.
As incertezas sobre o futuro são muitas. A recessão económica é certa e isso terá consequências profundas na indústria automóvel, muito provavelmente.
Mas como irá reagir a indústria e o mercado automóvel às dificuldades que surgiram com a COVID-19? Esta pandemia terá impacto no valor e na desvalorização dos carros? Questões difíceis de responder, para já, mas que a análise de alguns dados permite já retirar algumas conclusões.
Para tentar perceber um pouco melhor o impacto económico que o novo coronavírus terá na indústria automóvel, falamos como o Professor Doutor Paulo Jorge Reis Mourão, Professor Associado com Agregação da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho e autor do livro ‘The Economics of Motorsports The Case of Formula One’.
O impacto económico em Portugal da COVID-19
O Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou as suas previsões para aquelas que se esperam ser as consequências da pandemia que vivemos.
O FMI prevê que este ano enfrentaremos a pior crise desde a Grande Depressão, em 1929. O período que vivemos tem até já um nome específico: “O Grande Confinamento”.
As projeções apontam para uma queda de 3% na economia mundial, já este ano. Em 2021, o crescimento rondará os 5,8%, um valor elevado mas que não é o suficiente para nos fazer regressar ao nível de crescimento e desenvolvimento que vivíamos antes do surgimento da COVID-19.
Para Portugal as previsões também não são nada animadoras: uma queda no Produto Interno Bruto (PIB) em cerca de 8% em 2020, e um aumento nos valores de desemprego que mais que duplica os valores verificados antes da pandemia, chegando aos 13,9%.
Em 2021 já se aguarda um crescimento de 5% no PIB e uma diminuição da taxa de desemprego para os 8,7%, valores que não são ainda suficientes para recuperar totalmente a economia portuguesa.
O impacto económico esperado será, portanto, muito superior ao experienciado na crise financeira de 2008/2009.
De acordo com o Professor Doutor Paulo Mourão, “no geral, crises epidémicas permitem recuperações mais rápidas que as financeiras se a vacina surgir”, motivo pelo qual se prevê que o período de recessão não seja tão longo como o da última crise financeira.
E como nos poderemos preparar para aquilo que poderá acontecer?
Na perspetiva do Professor da Universidade do Minho, “a História Económica é o principal recurso para os economistas, agora. Olhar para as crises pandémicas do passado, perceber a recuperação em V, em U ou em L, vale mais do que modelar com base em variáveis que agora estão indefiníveis.”
O impacto económico do novo Coronavírus na indústria automóvel
A indústria automóvel não é exceção e já se começam a sentir algumas sequelas do novo coronavírus.
Os fabricantes automóveis em todos o mundo foram forçados a parar a produção das suas fábricas, face à propagação do vírus e dificuldades na obtenção de matéria prima essencial para o desenvolvimento dos seus produtos, uma vez que mais de 80% das cadeias de abastecimento de matéria prima para o setor automóvel está ligado à China.
Localizadas em países onde o surto da COVID-19 teve um crescimento exponencial, algumas das maiores fabricantes de automóveis como a Ford e General Motors (China), Ferrari, Fiat Chrysler Automobiles, Grupo PSA e Grupo Volkswagen (espalhadas por vários países europeus), foram obrigados a suspender a produção.
Em Portugal, a indústria automóvel emprega quase 200 000 pessoas e tem um peso enorme nas exportações e na economia nacional.
Face à possibilidade de perda de alguns destes postos de trabalho e a possibilidade das fábricas da PSA e da Autoeuropa fecharem as suas instalações em Portugal, o Economista e Professor Universitário Paulo Reis Mourão entende que “o impacto dependerá do comportamento dos mercados externos. Quanto mais tarde eles reagirem, maior a histerese nos setores exportadores, sobretudo automóvel, peças e componentes. Não falaria em fecho, mas além de processos organizativos e de contratação reformulados, decerto estas unidades vão aproveitar o momento para reflexões internas.”
Por forma a tentar ultrapassar este momento sem perdas tão profundas e que colocassem a sua sustentabilidade numa situação ainda mais complicada, alguns fabricantes alteraram já os moldes da sua produção.
Volkswagen, Ferrari ou Nissan são alguns exemplos de marcas do setor automóvel que passaram a fabricar ventiladores ou outros equipamentos médicos, mantendo pelo menos alguns dos seus funcionários no ativo e ajudando no combate à epidemia.
E se a produção foi fortemente afetada pela quebra no fornecimento de matéria-prima e pela redução de trabalhadores disponíveis para as suas linhas de produção, a venda de automóveis não apresenta, também, números animadores.
Os concessionários e stands foram também forçados a encerrar as portas ao público, até porque com o confinamento decretado em vários países, ir até um stand ou concessionário para comprar um veículo deixou de ser possível, passando apenas a funcionar em regime de vendas online.
Esta paragem não planeada implicou perdas muito significativas na faturação de todo o tipo de empresa ligadas ao mercado automóvel.
Como vimos anteriormente, as vendas de automóveis diminuíram 56,6% em março de 2020, face ao período homólogo.
Na opinião do Professor Paulo Mourão, “os automóveis não devem ter tensões de crescimento dos preços significativas”.
Contudo, se o objetivo não passar pela diminuição do preço dos automóveis, será necessário pensar outras formas de captar vendas.
Uma aposta em vendas integralmente online ou programas de fidelização, são uma tentativa de conseguir captar alguns clientes e assegurar algumas vendas, nesta fase.
E no caso particular dos veículos usados?
De acordo com o Professor Doutor Paulo Reis Mourão, este aspeto “dependerá da forma como os consumidores saírem da crise. Uns quererão gastar para esquecer o momento, outros irão poupar e optar por bens inferiores. Mas até por uma questão higiénica subconsciente e de psicologia do consumidor, os usados tendem a sofrer com crises desta natureza.”
O desenvolvimento dos carros elétricos vai sofrer com esta pandemia?
A produção de veículos elétricos, em particular, também está a ser fortemente afetada pela pandemia, uma vez que a China e a Coreia do Sul são importantes produtores de baterias elétricas.
Relativamente ao impacto da recessão no investimento das marcas na pesquisa e desenvolvimento de carros elétricos, Paulo Reis Mourão considera que “existe uma certa associação da atual pandemia com um certo perfil de poluição urbana (associado aos combustíveis fósseis), por outra via, as dificuldades ainda evidentes dos elétricos e híbridos – apesar da promoção pelo discurso dos Estados – colocam muita incerteza em curso. Existe ainda a eventualidade de desvios de fundos da I&D deste setor para a I&D em prol de vacinas e de prevenções epidémicas.”
Neste momento, ainda não é possível prever se o modelo de negócios das marcas associadas à indústria automóvel irá ser profundamente alterado em consequência da recessão atual.
O impacto do coronavírus no desporto automóvel
Nem só a produção e venda de automóveis foi afetada pelo novo coronavírus.
Existem outras vertentes de negócio associadas à indústria automóvel e que também acabam por sofrer com as restrições atuais, como é o caso das competições motorizadas, em particular, o caso da Fórmula 1.
Estudos apontam para que cada corrida da Fórmula 1 cancelada tenha um impacto direto na economia local de cerca de 50 milhões de euros.
Em Portugal não são realizadas corridas de Fórmula 1, mas existe uma etapa do World Rally Championship (WRC) e que tem, também, um impacto muito significativo na economia local.
Na opinião do Doutor Paulo Mourão, “o WRC terá impacto de muitos milhões. Fala-se em 100, mas acredito mais em 50-60 na economia nacional. Portanto, é dinheiro que não entrou, ou mexeu, à conta da suspensão.”
O uso de transportes públicos será afetado?
É verdade que a pandemia fez com que as pessoas tivessem de ficar “retidas” em casa. No entanto, em alguns países, a normalidade vai sendo reposta. Com esta normalidade a voltar, muitas pessoas têm de voltar aos seus trabalhos e com isto surge aquele que pode ser um grande problema: o uso de transportes públicos.
São milhões de pessoas no mundo todo que, diariamente, utilizam os transportes públicos para se deslocarem.
No entanto, a partilha de um espaço tão pequeno é uma ideia que assusta as pessoas, o que perspectiva que, num futuro próximo, mais pessoas optarão por usar o carro particular em detrimento dos transportes.
Uma pesquisa conduzida pela Ipsos na China concluiu que após o surto do vírus:
- há um maior uso dos transportes privados do que os públicos. Até então, eram os transportes públicos a alternativa escolhida pelo inquiridos;
- a intenção de comprar um carro próprio aumentou, sendo a principal motivação a redução de contaminação do COVID-19.
Os próximos meses permitirão perceber o real impacto da pandemia na indústria automóvel e no seu uso.
Será possível contabilizar as perdas pela suspensão da produção, a variação homóloga na venda de veículos automóveis e todo o impacto que estas alterações tiveram nas economias nacionais e mundial.
Será também interessante perceber, nos próximos tempos, o comportamento do consumidor e de que forma as empresas se adaptam a eventuais mudanças.