Querida M.,
o Natal está à porta e, com ele, sei que virá uma Saudade maior do que a que tenho vindo a coleccionar por aqui. Não é fácil pensar que, quando soarem as doze badaladas de dia 25, vou estar longe da cozinha com cheiro a canela ou da sala com a lenha a crepitar.
Como sabes, este país quente no Sudeste Asiático, incrivelmente orgulhoso dos seus feitos no tempo em que o Império de Angkor se estendia para lá das actuais fronteiras, tem como coração o Budismo. São mais de 4.000 os pagodes (ou Wats) espalhados de Norte a Sul e muitos os sinais pelas ruas e campos de que esta é a religião da maioria dos Cambojanos.
Aqui, os monges, de cabeça despida e trajes cor de laranja, são tratados com grande respeito e admiração, recebendo o segundo mais alto Sampeah – um cumprimento com as mãos unidas na forma de uma flor de lótus, neste caso, ao nível das sobrancelhas.
Eu não sou religiosa, é certo, mas acredito que o ser humano não tem em si todas as respostas do mundo (sonhos, talvez). Percebo, por isso, que haja quem procure entender o Universo através de princípios como o Karma ou o conceito de uma existência cíclica (Samsāra). Na verdade, sinto-me inspirada por todas essas ideias; sinto crescer o bicho da curiosidade – o que faz perguntas sobre tudo e nada.
Com mil questões existenciais, fui, há pouco tempo, a uma sessão de introdução ao Budismo, chamada Monk Chat, no Peace Café, onde tive a oportunidade de absorver a realidade Budista através das palavras de um monge de sorriso afável e voz enternecedora.
Falou-nos do seu dia-a-dia – de como acorda às 4 da manhã para rezar e se faz, depois, à estrada, para recolher comida pelas casas onde já sabe ter algo à espera. Falou-nos do quanto é necessário estudar e memorizar: de todo o processo de passar de um pequeno ‘temple boy’ a monge; do ciclo contínuo a que acredita estarmos presos até atingirmos o Nirvana.
Saí de lá com várias dúvidas sobre a nossa humilde existência. Sobre o quão importante é ser-se simples – mesmo (ou, até, especialmente) agora, que é Natal. Dei por mim a pensar se não teremos perdido a simplicidade com todo o frenesim dos presentes e das decorações extravagantes.
Por aqui, tenho encontrado marcas inequívocas de que Siem Reap é uma cidade global e de que o Natal começa a ser celebrado aos poucos, talvez somente através de uma fotografia junto às árvores iluminadas, mas, ainda assim, festejado – adoptado, como tantos outros traços ocidentais.
São muitas as árvores espalhadas pela cidade, os desejos de Feliz Natal, as luzes quentes e brilhantes, as imagens do velho de barbas brancas. E, sim, confesso: fazem-me sentir mais perto de casa; mais próxima das minhas memórias de Dezembro e das pessoas que guardo nesse baú. Fazem-me sentir uma Saudade imensa, M., não das horas de almoço passadas a correr de loja em loja, mas de ti, de nós, do nosso canto tão cheio de tudo, tu sabes.
Espero que dia 24 vos deixe de coração cheio e quente. Que acrescentem à história da nossa árvore já cansada muitos mais momentos felizes. Eu vou estar pela praia, de cabelos molhados e pés descalços, a brindar a vocês com vinho do Porto.
Até já e Feliz Natal, com cheirinho a canela.
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