Há mais de um século e meio o Porto recebia a sua primeira Exposição Internacional, tendo construído para o efeito uma das mais emblemáticas joias arquitetónicas da cidade, infelizmente já desaparecida: o Palácio de Cristal. No de 1865, em que as principais atividades económicas do país mostraram o seu potencial, a cidade Invicta mostrava de que era feita a sua burguesia pujante e empreendedora.
A exposição contou com 3.139 expositores, com muitos franceses, britânicos, brasileiros, americanos, japoneses ou belgas a levarem ao Porto o que de melhor se fazia no estrangeiro. O palco escolhido era o novíssimo Palácio de Cristal, com linhas elegantes e claramente inspiradas no modelo inglês, acolhendo ainda o então maior órgão de tubos do mundo.
Durou até 1951, ano em que foi demolido para dar lugar à cúpula que hoje se ergue imponente nos jardins circundantes. Esta nova estrutura ficou conhecida como o Palácio dos Desportos, mas até hoje os portuenses chamam ao espaço o Palácio de Cristal.
Palácio de Cristal: a afirmação do Porto
Inaugurado em 1865 pelo rei D. Luís, começou a ser construído em 1861. Gizado pelo arquiteto inglês Thomas Dillen Jones, inspirou-se no já famoso Crystal Palace britânico, sendo a sua construção à base de granito, ferro e vidro. Era um exemplar exuberante da chamada arquitetura do ferro, que ia deixando alguns exemplos notáveis na região do Porto.
Dividido em três naves, media 187 metros de comprimento por 25 de largura, sendo que desde o início o seu custo causou sérios engulhos à construção, temendo-se, a certa altura, que o empreendimento ficasse pelo caminho. Assim não aconteceu, mesmo que a sua exploração acabasse por ser quase sempre deficitária.
O local em que o pavilhão ia ser construído foi escolhido numa altura acima do rio Douro, defronte de Gaia, perto do Palácio dos Carrancas, hoje o Museu Nacional Soares dos Reis. Em meados de 1863, a obra de pedra estava quase pronta e começava a tomar forma o magnífico Palácio de Cristal. Os vidros foram importados de Inglaterra, de França chegaram arbustos e plantas exóticos para o jardins que o alemão Emílio David havia desenhado.
Dificuldades financeiras
Mas os problemas económicos não largaram o projecto e no ano da inauguração foi Ferreira Braga, um famoso cirurgião portuense, a colocar a sua fortuna pessoal em jogo para cobrir a deficitária tesouraria. Com este gesto, viabilizou a construção, mas arruinou-se pessoalmente.
Com o célebre desenrascando nacional, o Palácio de Cristal lá foi terminado e a exposição internacional arrancou. A cerimónia de abertura contou com a presença da família real, que chegou à Estação das Devesas, em Vila Nova de Gaia, atravessou a ponte pênsil sobre o Douro (também já desaparecida) a cavalo, recebeu as chaves da cidade do Porto, presidindo no dia seguinte à abertura do evento, com a declamação do poema “Progresso”, de Guilherme Braga.
Palácio de Cristal: princípio e fim
A exposição foi um sucesso e o Palácio de Cristal rapidamente se transformou num símbolo da cidade, representando uma nova etapa na história da burguesia portuense. O “passeio”, com 90 mil metros quadrados, era uma das atrações, a que se juntavam no interior bilhares, sala de leitura ou área para banquetes. O edifício podia albergar até 10 mil pessoas nos seus múltiplos espaços, em especial na grande sala central, de armação metálica, numa nave de 19 metros de pé-direito.
Contudo, em meados do século XX, outros valores se levantaram. Em 1951, o Palácio de Cristal foi demolido (o órgão de tubos, consta, foi partido à marretada), dando lugar ao Palácio dos Desportos, um projeto do arquiteto José Carlos Loureiro, e que serviu para acolher o Campeonato do Mundo de Hóquei em Patins. Portugal acabaria por em 1952 arrecadar no Porto o seu quinto título mundial na modalidade.
Qualquer portuense que se dirige àquela zona diz sempre que vai ao Palácio de Cristal, ou, versão curta, ao “Palácio”. O património da cidade sofreu uma perda irreparável, mas talvez fosse o destino deste tipo de construções. Os “irmãos” Crystal Palace, em Londres, e Halles de Paris, em França, também acabaram por sucumbir ao camartelo e são hoje memórias distantes.