– Espere lá! Não quer antes dizer “dentro das suas possibilidades”?
Não. Viver dentro das suas possibilidades é o que todos nós fazemos, ou pelo menos tentamos fazer. O desafio que lhe lanço é mesmo fazer uma coisa que é extremamente difícil de entrar na nossa cabeça. No entanto, é a solução para quem procura ter equilíbrio financeiro na sua vida.
Ouço muitas pessoas dizer que tudo melhoraria se tivessem um aumento. Escuto frases do tipo “Se eu ganhasse o que ele (ou ela) ganha os meus problemas estariam resolvidos”. Quero dizer-lhe que isso é um completo engano. Posso mesmo garantir-lhe que (em situações normais) essa pessoa que você inveja está a pensar exatamente o mesmo em relação à pessoa que ela conhece e que ganha mais do que ela.
Quanto mais ganhamos, mais gastamos
A nossa mente engana-nos frequentemente. Pensamos sempre que o problema está em ganharmos pouco, mas o verdadeiro problema está em gastarmos muito. Gastarmos mais do que deveríamos para termos uma vida financeira equilibrada. Sempre que ganhamos mais, passamos imediatamente a gastar mais. E isso é um ciclo vicioso. Veja um exemplo.
Pergunto-lhe quem ganha mais: Uma pessoa que ganha 3 mil euros e que gasta 2.900, ou uma pessoa que ganha 1.100 e que gasta todos os meses apenas 800 euros? Ao fim de 10 anos, quem terá mais dinheiro no banco se ambos ficarem desempregados? Quem estará melhor preparado? Lembre-se sempre de que no fim do mês o seu salário líquido não é quanto você recebe de salário, mas sim quanto consegue “pagar-se a si próprio” todos os meses.
Você tem de dar lucro a si e à sua família. Se não der “lucro”, você é uma empresa falida.
A grande pergunta é: Quem vive “melhor”? Quem gasta tudo o que ganha ou quem gasta menos do que aquilo que ganha e prepara o futuro? Parece uma questão filosófica ou então a fábula da cigarra e da formiga. Não lhe estou a dizer o que deve fazer, apenas quero que pense um pouco na forma como está a gerir a sua vida financeira. Você tem de dar lucro a si e à sua família. Se não der “lucro”, você é uma empresa falida.
Daí a importância de vivermos conscientemente abaixo das nossas possibilidades. É verdade que se calhar com os seus rendimentos pode comprar um carro de 50 mil euros, mas isso implica ficar com um crédito que lhe vai absorver as suas poupanças durante 7 ou 8 anos. Pode fazer isso, sem ficar a dever nada a ninguém? Pode. Mas lembre-se que fica a dever a alguém sem se aperceber. Quem? A você. Se vier uma crise, como esta pandemia, vai ficar aflito. Se ficar doente ou tiver um imprevisto, foi você que decidiu ficar “preso” a uma prestação durante 8 anos.
Neste caso, viver abaixo das suas possibilidades não quer dizer não comprar carro nenhum. Significa comprar consciente e racionalmente um carro, mas de 30 mil euros ou de 20 ou de 10 mil euros conforme os seus rendimentos. Ou um usado de 3 mil euros em vez de 5 mil. Tem de ver o seu caso.
As pessoas inteligentes financeiramente vivem um degrau abaixo do que aquilo que podem. Assim nunca serão surpreendidas por qualquer instabilidade financeira pessoal ou externa.
O mesmo se aplica à compra de casa. O tema desta crónica vem a propósito da taxa Euribor ter batido recentemente novamente mínimos históricos. Chegou a estar -0,5 negativa. Por outras palavras, quem fizer um crédito à habitação com um spread de 1%, na prática só vai pagar nas próximas prestações metade do que deveria pagar se a Euribor estivesse normal e positiva.
Como a prestação que vai pagar vai ser hoje e nos próximos 2 ou 3 anos provavelmente baixa, o que é que muitos pensam? Posso comprar uma casa mais cara/melhor/maior/melhor localizada. Porquê? Porque posso! E tem razão, pode. Mas durante quanto tempo? As pessoas inteligentes financeiramente vivem um degrau abaixo do que aquilo que podem. Assim nunca serão surpreendidas por qualquer instabilidade financeira pessoal ou externa. Porque os imprevistos são a coisa mais previsível que há. Todos sabemos que vão acontecer, só não sabemos quando nem como.
Eu sei que parece que estou a dizer coisas absolutamente básicas e até estou com algum prurido em escrever isto que acabei de escrever. Mas por outro lado, sinto que devo fazê-lo, independentemente do que ficar a pensar de mim. É que vejo tanta tragédia à minha volta que podia ser evitada…
Bastava todos (ou pelo menos você e eu) vivermos um pouco abaixo das nossas possibilidades. Não quer dizer que os problemas desaparecessem por magia. Mas pelo menos dependeria mais de si do que dos outros. E, em alturas de crise, isso faz toda a diferença.