O rendimento básico incondicional (RBI) – também conhecido como rendimento básico universal – tem sido alvo de discussão um pouco por todo o mundo e Portugal não é exceção. O que aconteceria se todos tivéssemos direito a um subsídio do Estado sem quaisquer contrapartidas?
A ideia parece tentadora, mas há impactos sociais e económicos que requerem muito estudo e reflexão. A boa notícia é que já há países e teóricos a fazer esse trabalho.
O que é o rendimento básico incondicional?
A teoria do rendimento básico incondicional defende que todos os cidadãos deviam receber um subsídio mínimo dos Estados em que se inserem, independentemente da sua situação familiar, social ou profissional.
O grande objetivo de uma implementação do rendimento básico universal é uniformizar as sociedades do ponto de vista financeiro, garantindo a todos os cidadãos o acesso a uma vida digna. Num cenário ideal, as sociedades continuariam a ter ricos, mas deixariam de ter pobres.
Porquê implementar um rendimento básico incondicional?
A necessidade de criação de um rendimento básico incondicional nasce das recentes transformações sociais e laborais que afetaram o mundo. Num mercado cada vez mais robotizado, é previsível que muitos cidadãos tenham maior dificuldade em arranjar uma ocupação profissional.
Em paralelo, a crescente valorização da carreira – ou a necessidade de maior dedicação ao trabalho para sobreviver – está a deixar para trás a dedicação à família, com um impacto significativo nos nascimentos e, em consequência, na sustentabilidade demográfica de muitos países.
Os defensores do rendimento básico universal acreditam que, implementando um rendimento universal para todos, se cria espaço para que os cidadãos escolham o que fazem, trabalhando com maior motivação e reservando mais tempo para apoiar o desenvolvimento das famílias.
Como se calcularia o valor do rendimento?
Ainda que as teorias sejam semelhantes entre países, os valores do subsídio a atribuir aos cidadãos poderiam variar consoante o país, e a explicação é simples: um cidadão que vive no Quénia, por exemplo, não precisa de tanto dinheiro para sobreviver como um cidadão que vive na Suécia.
Servindo o rendimento básico incondicional para evitar que os cidadãos caiam na pobreza – mas não para enriquecer ninguém – o montante teria de ser calculado com base no rendimento médio por pessoa do país onde fosse implementado ou, em alternativa, com base no preço de um cabaz pré-definido de bens essenciais.
Como seria financiado?
Para que haja lugar a uma distribuição de riqueza por todos os cidadãos, essa riqueza tem de existir. Para os defensores do rendimento básico incondicional, ela está no bolso de quem tem mais: defendem o aumento de alguns impostos sobre o consumo e sobre os rendimentos para que o Estado tenha mais verba para distribuir por todos.
A suspensão dos apoios sociais existentes no momento também é apontada como uma forma de canalizar o dinheiro da Segurança Social para o rendimento básico universal.
De uma forma ou de outra, o que está em causa é uma redistribuição: o Estado recolheria tudo o que cada cidadão pudesse ceder para depois redistribuir em partes iguais por todos.
Como se aplicaria o rendimento básico universal?
É na forma de distribuição do rendimento básico universal que as teorias começam a divergir e se criam correntes. Essencialmente, discutem-se três grandes questões:
1. A quem atribuir o rendimento básico universal?
Faz sentido que as crianças recebam o rendimento básico universal? Para alguns teóricos não, porque não só não produzem riqueza como também vivem com os pais, que cuidam delas. Outros defendem que as crianças, enquanto cidadãos, também deveriam receber um rendimento básico universal, ainda que reduzido percentualmente em função da idade.
A mesma questão se coloca com os idosos. Entre a reforma para a qual descontaram durante a vida ativa ou um rendimento básico universal igual para todos, a discussão prende-se com a justiça de um sistema que se torna indiferente às importâncias que cada um descontou.
2. Quanto atribuir a cada cidadão?
Há correntes de defesa do rendimento básico que acreditam no rendimento total incondicional, em que todos os cidadãos recebem o mesmo independentemente da situação profissional em que se encontram.
Há, no entanto, teóricos que defendem um sistema mais sustentável em que o rendimento básico universal funciona como uma “rede de segurança” que visa harmonizar os rendimentos mínimos, ou seja, um sistema cujo objetivo é que, no mínimo, todos os cidadãos ganhem o mesmo.
Neste sistema, um cidadão empregado e a receber salário poderia receber uma percentagem do rendimento básico universal tanto menor quanto mais elevado fosse esse salário. É uma espécie de combinação do rendimento básico universal com a teoria socialista: o Estado dá menos a quem tem mais, para ter maior capacidade de apoio aos desfavorecidos.
3. O que fazer aos apoios sociais existentes?
Outra grande questão do rendimento básico universal é o que fazer aos subsídios que agora existem. Se as diferentes correntes teóricas estão de acordo quanto à eliminação de apoios como o Rendimento Social de Inserção ou o Subsídio de Desemprego, o mesmo não pode ser dito em relação às reformas ou às licenças parentais, por exemplo.
A discussão guia-se, mais uma vez, pela justiça do sistema: pode não ser justa a homogeneização de rendimentos entre quem desconta muito e quem desconta pouco.
As promessas do RBI
Os defensores do rendimento básico universal apontam-lhe grandes vantagens a três níveis:
Ao nível financeiro
Com um rendimento mínimo garantido, os cidadãos passam a poder escolher como combinam o trabalho remunerado com o voluntário e o doméstico sem por em causa a sobrevivência e o bem-estar da família. Pelas mesmas razões, podem escolher melhor o próprio emprego, uma vez que é possível esperar pela oportunidade certa sem precisar de aceitar um emprego pela simples sobrevivência.
O rendimento básico universal também abre um espaço mais confortável para os cidadãos que quiserem criar o próprio negócio (porque não arriscam cair na pobreza), e ainda facilita o acesso ao crédito (porque o risco de incumprimento também diminui).
Ao nível familiar
Famílias que sabem que têm a sobrevivência garantida têm mais tempo para elas próprias, porque um dos adultos pode trabalhar a tempo parcial ou nem trabalhar para cuidar dos filhos. A dedicação à família passa a ser uma escolha muito mais tranquila, pelo que os teóricos do rendimento básico universal acreditam num impacto positivo ao nível da natalidade.
Ao nível social
Famílias com melhores rendimentos, dizem os defensores do rendimento básico universal, apresentam taxas mais baixas de abandono escolar e vão mais longe nos estudos. O dinheiro também lhes traz melhores condições de saúde e uma sociedade mais culta e saudável também tende a ter níveis de criminalidade mais baixos, defendem os teóricos.
Os riscos do RBI
Apesar das vantagens, o rendimento básico universal tem algumas fragilidades que até os mais acérrimos defensores têm dificuldade em combater. Uma delas é a acomodação da sociedade: muitos são os que admitem que, tendo um rendimento básico universal e incondicional disponível, muitos cidadãos podem simplesmente deixar de trabalhar.
A necessidade de reunir verba para sustentar o rendimento básico universal também pode pôr em causa a sobrevivência do próprio Estado Social, uma vez que há quem entenda este apoio como um substituto do papel de suporte que o Estado desempenha atualmente. Neste conceito, os cidadãos passam a receber o rendimento básico universal, mas os hospitais, as escolas e outros serviços públicos deixam de ser tendencialmente gratuitos.
O impacto que pode ter na imigração é outra das questões levantadas. Com as fronteiras abertas e a livre circulação entre países, é fácil de imaginar que os cidadãos de países vizinhos queiram mudar-se para onde exista um rendimento básico universal, para beneficiarem do sistema.
Seria necessário estudar uma forma de controlo, quer da imigração, quer da atribuição do rendimento básico universal, que porventura poderia deixar de ser universal.
Países que já testaram o rendimento básico universal
Já vários países tentaram implementar, de forma controlada, o rendimento básico universal. Canadá, Estados Unidos, Finlândia, Suécia, Holanda, Índia, Namíbia, Quénia, Uganda e Macau são exemplos.
Os resultados, no entanto, não foram conclusivos em nenhum dos casos. A única coisa que se percebeu foi que os efeitos são diferentes em sociedades diferentes, ou seja, as alterações sociais não são as mesmas entre um país como a Suécia e um país como o Uganda. No primeiro caso registou-se, por exemplo, uma redução da criminalidade, enquanto que no segundo se assistiu a um aumento da agressividade entre as mulheres.
A experiência da Finlândia
De entre todas as experiências, a da Finlândia era a que prometia mais frutos.
No início de 2017 foram selecionadas 2000 pessoas que recebiam subsídio de desemprego (entre os 25 anos e os 58 anos), às quais foi atribuído um rendimento mensal de 560€. Caso encontrassem emprego, os beneficiários poderiam continuar a receber o RBI, somando-o ao valor do salário.
O projeto-piloto deveria ter durado dois anos, mas no início de 2018 o Governo finlandês decidiu terminar a experiência.
Os resultados preliminares disponíveis ao fim de um ano de projeto, mostraram que não se verificaram alguns pressupostos esperados, nomeadamente nos efeitos na empregabilidade.
A expectativa era de que a garantia de um rendimento incondicional incentivasse os desempregados a aceitarem empregos com salários mais baixos ou em áreas diferentes. No entanto, os dados revelaram que os beneficiários do RBI não ficaram em melhores condições para encontrar emprego do que os restantes desempregados.
No que diz respeito ao sentimento de bem-estar pessoal, os resultados foram distintos. No final da experiência, os beneficiários do RBI afirmaram ter menos problemas de saúde, stress e capacidade de concentração, bem como níveis mais elevados de confiança na procura de emprego, do que os registados no grupo de controlo.
Um das críticas que se pode apontar a este propósito, no entanto, é a inexistência de um inquérito preliminar que atestasse a evolução positiva deste indicador entre o primeiro e o último dia da experiência.
De acordo com os investigadores responsáveis pela experiência, os resultados preliminares não permitem ainda retirar conclusões firmes e definitivas sobre os efeitos do rendimento básico incondicional.