É doente crónico e tem adiado as suas consultas? Tem dúvidas sobre o que fazer quando adoece e precisa de cuidados não relacionados com a COVID-19 que implicam ir ao seu centro de saúde?
Nesta entrevista, o presidente do Conselho Clínico e de Saúde do Agrupamento de Centros de Saúde Porto Oriental, Miguel Azevedo explica que, atualmente, estão reunidas todas as condições para uma retoma das consultas e de toda a atividade programada, com total segurança, para todos os utentes.
O médico lembra ainda a importância em recorrer aos serviços de saúde, seja por doença aguda, ou para dar seguimento a patologias crónicas
Ekonomista: Os Centros de Saúde (ACES Porto Oriental) estão a funcionar normalmente?
Miguel Azevedo: Sim, estamos a funcionar normalmente. Desde final de maio, quando saímos da primeira vaga, emitimos diretivas para que a atividade regular fosse retomada.
Depois, durante a segunda vaga, no início de novembro, houve uma adequação da atividade programada para comportar a vigilância clínica dos doentes com Covid-19. Mas, desde meados de dezembro, deixamos de ter essa necessidade. Neste momento, não temos qualquer impeditivo para a atividade normal das unidades.
EK: Tem havido uma diminuição dos doentes não Covid-19 a recorrer aos vossos serviços?
MA: Sim. Há um problema de confiança dos cidadãos nas instituições de saúde. Sentimos muito isso na primeira vaga, em que, de facto, houve uma diminuição abrupta da procura de serviços, mesmo daqueles cidadãos em que era importante recorrer aos serviços de saúde, nomeadamente por doença aguda, ou para dar seguimento a patologias crónicas.
EK: São os doentes que não vão às consultas por receio de contágio, ou são as consultas e exames que são desmarcados e adiados devido à pandemia?
MA: Neste momento, a nossa atividade de consulta está a decorrer em ritmo normal. Portanto, não pode servir de justificação. Há ainda uma parte da população que tem receio em recorrer aos serviços de saúde.
EK: Os médicos de família e os centros de saúde têm um papel fundamental no apoio aos doentes crónicos. Qual é o impacto de faltar às consultas para estes doentes?
MA: O impacto pode ser bastante grande e, neste momento, interessa minimizar e acautelar essa situação. Por exemplo, um doente com cancro do intestino, que se manifesta com uma anemia, essa anemia pode manifestar-se com cansaço. Se o utente adiar a vinda à consulta para se queixar do cansaço, está também atrasar a investigação por análises que irá fazer transparecer a anemia e, por sua vez, levar a um diagnóstico de cancro.
Se observarmos doentes diabéticos, um doente diabético que não frequente as consultas de vigilância pode passar muitos meses com níveis de açúcar demasiado elevados no seu organismo. Isso tem consequências no aumento da probabilidade de AVC ou de enfarte.
O confinamento pode ter efeitos negativos na saúde mental, levando a níveis elevados de ansiedade. Caso o utente não procure os cuidados de saúde para ventilar esses sentimentos pode agravar o seu estado, manifestar maior ansiedade, com faltas ao trabalho
O mesmo pode dizer-se em relação à saúde mental. O confinamento pode ter efeitos negativos na saúde mental, levando a níveis elevados de ansiedade. Caso o utente não procure os cuidados de saúde para ventilar esses sentimentos, para abordar essa questão da ansiedade e ter acesso a uma prescrição terapêutica ou a psicoterapia por parte da sua equipa de saúde familiar, pode agravar o seu estado, manifestar maior ansiedade, com faltas ao trabalho.
EK: Os doentes crónicos devem ser seguidos e observados com regularidade. E as pessoas sem doença crónica associada, que faziam as suas consultas, análises e exames de rotina, devem continuar a fazê-lo?
MA: O plano de saúde para cada utente é individualizado. Aquilo que é uma consulta de rotina para um diabético de quatro em quatro meses, ou de seis em seis meses, pode não ser necessário para um cidadão com cerca de 30 anos, perfeitamente saudável. Um adulto saudável pode vir à consulta de dois em dois, ou de três em três anos. Mas, por exemplo, nos idosos é muito conveniente e é uma boa prática, acima dos 65 anos de idade, ter uma consulta anual, mesmo que não haja uma grande patologia a nortear a nossa preocupação.
Neste momento, com a entrada em funcionamento da nossa atividade normal, nós estamos em condições de acolher todos esses cidadãos.
EK: A prática médica assentava na relação de proximidade entre o médico e o utente, nos contactos presenciais. Como se adaptaram médicos e utentes à teleconsulta?
MA: A teleconsulta surgiu pela necessidade de mantermos um follow up dos utentes que necessitam de nós, fazendo respeitar o distanciamento social.
A teleconsulta revelou-se uma enorme oportunidade e é uma prática que veio para ficar. Resolve, facilmente, o momento de encontro entre o utente e o profissional de saúde que não estão fisicamente juntos.
Deixe-me acrescentar que a teleconsulta já era uma prática nos cuidados de saúde primários, com dezenas de anos. Qualquer médico de família procedia a consultas telefónicas, não tinham era uma procura tão elevada como atualmente. E, até este momento, a teleconsulta era feita apenas por telefone. Agora, temos meios tecnológicos para suportar a chamada de videoconferência, seja pelas plataformas tipo Microsoft Teams, seja WhatsApp, ou pela plataforma que o Ministério da Saúde disponibilizou, que é um pouco mais complexa. A teleconsulta veio para ficar.
EK: Quando é que a teleconsulta não é suficiente?
MA: A teleconsulta não é uma solução para todos os males. Haverá muitas vezes, a necessidade de fazer consultas presenciais para observar o utente, para o auscultar, para apalpar uma barriga, enfim, para fazer uma entrevista de saúde mental, para avaliar sintomas depressivos, isso pode ser necessário.
A pandemia teve um efeito positivo que foi desencadear a procura dos cuidados de saúde por parte dos cidadãos e a obtenção de respostas, sem intermediários. Isto foi possível com as teleconsultas e o acesso por e-mail. Eu diria que um cidadão esclarecido, que tenha acesso a um e-mail, pode dirigir qualquer questão ao seu centro de saúde, à sua equipa de saúde familiar, ao seu médico, ou ao seu enfermeiro de família. E depois, esta equipa vai ajudar a dirimir a questão. Se a equipa entender que o utente deve ter uma consulta presencial, agenda-a. Caso considere que deve ser marcada uma teleconsulta, também está em condições de o fazer.
EK: Às pessoas que não vão às consultas por receio de contágio, podemos dizer que é seguro ir ao centro de saúde?
MA: Neste momento, e praticamente desde o início da pandemia, que é perfeitamente seguro ir ao centro de saúde.
Os profissionais de saúde até já estão, na sua vasta maioria, vacinados. Aquilo que se pretende com a vacinação dos profissionais é impedir que eles fiquem doentes, mas também que não sejam vetores da doença, ou seja, que não transmitam a doença às dezenas de doentes que vêm por dia.
Para além disso, temos equipamentos de proteção individual em todos os centros de saúde e em todos os hospitais. Não há qualquer exiguidade destes materiais.
As instituições de saúde têm também circuitos muito bem definidos para os doentes que vão a consultas regulares, ou fazer exames. E os circuitos destes utentes são separados dos que têm suspeita de Covid-19.
EK: Essa triagem é feita à entrada?
MA: Essa triagem é feita pelos elementos de secretariado clínico do centro de saúde a todos os utentes que chegam, quer seja para consulta programada, quer seja para pedir uma receita de medicação crónica, ou para tratar de questões administrativas.
Todos os utentes são interrogados quanto à presença de sintomas compatíveis com Covid-19 e também lhes é medida a temperatura. Sempre que neste questionário surge suspeita de Covid-19, essa informação é apresentada ao médico que está a fazer a consulta de motivos urgentes e esse colega vai gerir essa suspeita: ou observa o utente (se for manifestamente crítico), ou envia-o para observação presencial na ADR – Área de Doenças Respiratórias, ou o utente vai fazer o teste de imediato. Da nossa experiência, a grande maioria vai fazer imediatamente o teste.
Todos os utentes são interrogados quanto à presença de sintomas compatíveis com Covid-19 e também lhes é medida a temperatura. Sempre que neste questionário surge suspeita de Covid-19, essa informação é apresentada ao médico que está a fazer a consulta
EK: E os utentes que cuidados devem adotar quando se deslocam ao centro de saúde?
MA: São os cuidados genéricos que nós temos preconizado desde o início da pandemia: o uso da máscara, a higiene das mãos e o distanciamento social.
Em relação à máscara, fornecemos máscaras cirúrgicas a todos os utentes que entram nos edifícios do Agrupamento dos Centros de Saúde do Porto Oriental. Isto porque, quando o utente chega, a qualidade das máscaras comunitárias não é facilmente percetível. Nós não sabemos se aquela máscara está certificada, se está em boas condições, portanto, na dúvida nós substituímos.
Dentro do centro de saúde, temos ainda as nossas equipas de limpeza a proceder a limpezas frequentes. Temos também, em vários pontos de todos os edifícios, dispensadores de solução alcoólica, que permitem fazer a higiene das mãos, em vários momentos – logo à entrada, nas salas de espera e nos gabinetes médicos. O distanciamento social também é feito, porque nas salas de espera temos lugares marcados para as pessoas não se sentarem, garantindo assim o distanciamento entre elas.
EK: O processo de reorganização dos centros de saúde foi difícil?
MA: No início, foi complexo e desafiante.
Todos os serviços podem ser encerrados, diminuídos na sua atividade, exceto os serviços de saúde. Nós temos de manter a porta aberta. E no início, sabia-se muito pouco sobre o comportamento do vírus e não tínhamos a experiência de lidar com este tipo de doença infeciosa, em larga escala.
A experiência com a hepatite A, ou a gripe A, em anos passados, e mesmo a preparação que vários países do mundo tiveram em relação ao ébola, nunca foi concretizada em todas as instituições de saúde e, portanto, foi uma adaptação difícil e desafiante, mas rapidamente entramos no novo normal. Fomos aumentando a resposta e a adequação à pandemia. Por exemplo, a nossa área de doenças respiratórias – ADR, teve, durante algum tempo, apenas um médico no período da manhã e da tarde. Nas fases piores da pandemia, sentimos necessidade de incrementar essa oferta colocando dois médicos de manhã e dois à tarde. Houve sempre uma grande flexibilidade e uma constante adequação de oferta em relação à procura que nós íamos percebendo por parte dos cidadãos.
A gestão da pandemia também foi muito facilitada pela informação que a Direcção-Geral da Saúde e os departamentos de saúde pública foram produzindo. Em função do número de novos infetados, em cada semana, nós fomos fazendo a adequação da oferta.
As consultas de saúde infantil têm sempre um trajeto próprio. As crianças também são interrogadas para sintomas compatíveis com Covid-19. Sempre foi e continua a ser perfeitamente seguro fazer a vacinação nos cuidados de saúde primários
EK: O receio de contágio, devido à pandemia, levou os pais a deixaram de acompanhar os seus filhos ao centro de saúde para serem vacinados?
MA: Houve um decréscimo, mas muito pequeno. Nós temos incutido nos genes dos cuidados de saúde primários, uma gestão cuidadosa dos momentos da vacinação. O que quero dizer com isto? Se uma criança tem agendada um conjunto de vacinas aos quatro meses, ou aos cinco anos, e se essa criança faltar, a família é contactada, imediatamente, no próprio dia. E, se nesse contacto telefónico for percecionado algum receio por parte dos pais, explicamos o nosso modelo de adequação à pandemia.
As consultas de saúde infantil têm sempre um trajeto próprio. As crianças também são interrogadas para sintomas compatíveis com Covid-19. Sempre foi e continua a ser perfeitamente seguro fazer a vacinação nos cuidados de saúde primários. É aliás, em função disso, dessa enorme segurança, dessa experiência, desse saber fazer dos cuidados de saúde primários, no que diz respeito à vacinação, que o plano de vacinação Covid-19 vai ser feito nos cuidados de saúde primários.
EK: Como estão, atualmente, os médicos do Agrupamento dos Centros de Saúde Porto Oriental, em termos de tempo de trabalho. Pode dizer-se que devido à pandemia o trabalho duplicou?
MA: Nas piores fases da pandemia, os médicos foram, de facto, bastante solicitados. Isto porque a Direcção-Geral da Saúde emitiu uma norma que obriga ao contacto diário com os doentes infetados com Covid-19, independentemente dos seus sintomas. De facto, sobrecarregou os médicos de família, mas uma vez que já temos essa incidência a diminuir, estamos de regresso a uma quantidade de trabalho mais salutar, digamos assim.
Temos todas as condições para uma retoma da atividade programada no centro de saúde, com total segurança para todos os nossos utentes.