Aqui tinha um workway que era uma espécie de turismo rural, sinceramente não sabia bem o que iria fazer, mas tinha muitas referências positivas e isso mostrava-me que era um bom lugar.
Toda a casa me encantava, desde o método de construção em adobe, o tecto em cana, o alpendre também de canas e os copos de cerâmica feitos à mão, que tornavam este lugar muito especial. Depois de estar a falar com outros voluntários franceses que já aqui estavam há alguns dias, soube que ia ficar mais tempo do que os três dias que tinha pedido.
E assim foi. Havia um casal a gerir o espaço, a Eliana encantou-se pelo lugar quando andava a viajar e ficou aqui a viver, já o Sebastián tem toda a sua descendência indígena e contou-me várias histórias do povo de Amaicha.
Como resistiram às invasões incas durante 130 anos, bem como às invasões espanholas que duraram mais 50 anos, até que lhes cortaram o fornecimento de água e retiraram as plantações que tinham fora das muralhas. Contou-me também que quando era pequeno havia um ancião que vivia num lugar sagrado nas montanhas e que uma vez por mês descia à vila e passava de casa em casa para curar quem estava doente.
Disse-me que a esperança média de vida deles baixou drasticamente, quando os seus terrenos começaram a ficar mais pobres e começaram a comer produtos mais industrializados, pois antes era normal passarem dos cem anos e agora era raro alguém atingir essa idade. A energia do local era fantástica, além de ter tido a possibilidade de aprender como fazer um tecto ou alpendre com canas, conviver com esta cultura e ter partilhado o lugar com outros voluntários, fizeram com que prolongasse a minha estadia de três dias para uma semana.
É uma das coisas boas desta viagem, não haver pressa ou pressão para ter que continuar, apenas viajar ao sabor do vento sem stress ou ansiedade. O meu último dia terminou de forma esplêndida. Sebastián levou todos os voluntários, e neste momento já éramos quatro, juntamente com outros turistas numa visita guiada às ruínas de Quilmes, o último lugar na América de resistência territorial à colonização espanhola.
Devido às duas guerras que duraram quase 200 anos sem interrupção, tiveram que se aproximar da montanha, que seria como uma muralha natural em forma de meia lua, tendo apenas uma frente de combate. A história termina de forma triste, como para a grande maioria dos indígenas que viviam na América, antes da chegada dos colonizadores.
As mulheres, para não se tornarem escravas, atiravam-se do alto da montanha com os filhos no colo; por sua vez, outros tinham de fazer uma longa caminhada de mil e quinhentos quilómetros até Buenos Aires, em condições extremas, sobrevivendo apenas uma pequena minoria, que fundou o atual bairro de Quilmes. Num ato histórico e quase inédito a coroa espanhola, no início do séc. XVIII, devolveu parte dos terrenos, onde vivem agora os últimos descendentes do povo de Quilmes. Na próxima semana sigo à boleia até à Bolívia. A aventura continua em Puririy.
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