O Telegram é um serviço de troca de mensagens online como o WhatsApp ou o Facebook Messenger, que se tornou famoso quando o ISIS, a organização do auto-proclamado Estado Islâmico, começou a utilizá-lo para divulgar a sua propaganda política e preparar atentados.
E porquê utilizar o Telegram e não as outras plataformas de comunicação mais populares e com maior penetração na população mundial? Porque este serviço garante que as conversas e os dados dos seus utilizadores são mantidos verdadeiramente privados, sem que ninguém, nem mesmo as autoridades governamentais ou judiciais, lhes possam aceder. Esta não é apenas uma das características bandeira do serviço, ela é a sua verdadeira imagem de marca.
Telegram: o que é?
O Telegram foi criado em 2013 para ser um serviço de troca de mensagens online que preserva a liberdade de expressão. Para isso, oferece um chat encriptado que, supostamente, não é vigiado pela empresa que o criou nem pode ser “consultado” por ninguém.
Mantido até hoje sem fins lucrativos e validado pelo domínio .org, o Telegram nasceu e sobrevive graças à programação e às doações milionárias dos famosos irmãos Nikolai e Pavel Durov, os fundadores do VK, a rede social com maiores utilizadores na Rússia. São eles que têm feito ‘finca pé’ às pressões constantes que o serviço tem sofrido por parte do governo russo para ter acesso aos dados dos seus utilizadores.
Uma das estratégias utilizadas pelos irmãos Durov foi alojar o serviço em servidores fora do território russo, garantindo que o seu funcionamento se mantém fiel à bandeira de privacidade e liberdade de expressão para todos. Mas esta garantia trouxe ao Telegram um lado negro e muito criticado internacionalmente.
O serviço passou a ser o mais utilizado por todos os que não querem ver as suas atividades espiadas ou interrompidas online, nomeadamente os criminosos e os terroristas.
O pico das críticas aconteceu depois dos atentados de Paris, em 2015, obrigando os Durov a encerrar uma série de canais abertos, relacionados com o grupo extremista, para salvar a face do serviço. Mas mesmo assim Pavel Durov, o mais mediático dos dois irmãos, definiu publicamente o porquê desta exceção: “Para nós, o limite é claro. Criticar as autoridades locais, desafiar o status quo e debater política não é um problema, mas promover a violência e apelar a ações que possam prejudicar inocentes é um problema”.
Desde então, o Telegram tem ganho cada vez mais utilizadores fora do mundo do crime. No início de 2018, o serviço já tinha atingido os 200 milhões de utilizadores mensais ativos, o que pode parecer pouco face aos mil milhões de utilizadores do WhatsApp, controlado pelo Facebook. Mas, a cada dia, o serviço ganha adeptos entre os que desconfiam do monopólio da comunicação criado por Mark Zuckerberg.
O descontentamento gerado pelas falhas de segurança que tornaram públicos dados privados dos utilizadores do Facebook e pelo o modelo de negócio publicitário em que se tornou esta rede social, não prometem um futuro animador para o que poderá vir a ser o modelo de negócio do WhatsApp. Até ver, o Telegram parece ser a melhor solução alternativa.
Telegram: como funciona?
O Telegram funciona em multiplaformas móveis ou desktop, em iOS, Android e Windows, e a sua oferta básica é idêntica à dos outros serviços de comunicação concorrentes: a troca de mensagens entre utilizadores com número de telefone ativo, quer seja texto ou ficheiros multimédia, utilizando um protocolo de encriptação end-to-end. Isto quer dizer que a mensagem escrita é encriptada e a única pessoa que a poderá ver é o destinatário.
Sendo assim, tal como no WhatsApp, o serviço não pode ler ou ver o conteúdo das mensagens dos seus utilizadores, mas pode fazer o registo das suas atividades quando utilizam a aplicação, como por exemplo saber com quem comunicam, durante quanto tempo e a partir de onde.
Mas as semelhanças entre os dois serviços ficam por aqui. Ora veja o que o Telegram oferece a mais e que pode ser considerado uma vantagem ou desvantagem.
Vantagens do Telegram
Maior privacidade e segurança
Enquanto que, nos casos do Facebook Messenger e do WhatsApp, já nos habituamos a ver Zuckerberg a pedir desculpa pelos incidentes de quebra de segurança das suas aplicações e a vê-lo a responder às autoridades por isso, do lado do Telegram vemos os irmãos Durov a fazer um permanente braço de ferro com as autoridades russas e a recusar entregar as chaves de encriptação da sua aplicação para manter o seu serviço livre de quebras de segurança.
Este posicionamento dos respetivos donos dos serviços concorrentes vale o que vale, mas só por si já mostra uma diferença significativa de posicionamento no mercado.
Secret Chat com auto-destruição
Enquanto que no WhatsApp toda a troca de mensagens fica gravada nos telemóveis de cada um dos intervenientes, no caso do Telegram, por defeito, essas conversas ficam gravadas na nuvem, encriptadas com uma chave a que só o Telegram tem acesso e que, até hoje, não cedeu a entidades governamentais, autoridades policiais ou anunciantes.
Mas, se o utilizador acionar a função de Secret Chat no Telegram, a sua conversa passa a ser gravada localmente e não na cloud, podendo ainda o utilizador ativar um temporizador de auto-destruição da conversa nos dispositivos envolvidos.
Isto quer dizer que pode brincar à “Missão Impossível” com o Telegram, enviando mensagens que podem auto-destruir-se imediatamente após a sua visualização ou num período de tempo definido por si. O Secret Chat permite ainda perceber se algum dos utilizadores fez uma captura de ecrã e permite desativar a possibilidade de encaminhamento da conversa.
Bloqueio ou auto-destruição da conta
Ainda pensando na segurança, o Telegram permite ao seu utilizador ativar um bloqueio da conta, para que ninguém possa aceder às suas conversas se o telemóvel cair em mãos alheias.
Numa solução mais radical, é possível ainda programar uma total auto-destruição da conta, que garante que o perfil e todos os dados serão apagados automaticamente, se o seu utilizador não aceder ao serviço num intervalo de tempo pré-definido.
Armazenamento na nuvem
O armazenamento na nuvem garante quatro grandes vantagens para os utilizadores do Telegram. Estes podem enviar nas suas conversas ficheiros sem limite de tamanho, podem ver as suas conversas sincronizadas em todos os dispositivos que utilizam, podem aceder a um serviço muito mais rápido que os concorrentes e deixam de se preocupar com o espaço de armazenamento e backups.
Grupos de chat com mais membros
Enquanto que no WhatsApp os grupos de chat se limitam a um máximo de 256 pessoas, com o Telegram pode criar um grupo com até 100 mil membros.
Pode ficar difícil acompanhar conversas com tantos intervenientes, mas por vezes pode ser útil ter grupos maiores, especialmente num contexto empresarial.
As constantes atualizações que o serviço recebe podem trazer novidades para a gestão destes grupos maiores. Como já aconteceu com a criação de um motor de busca integrado que permite pesquisar dentro de um chat ou de um grupo.
Um chat com bots
O Telegram foi completamente inovador ao introduzir neste tipo de aplicação a capacidade de realizar ações automatizadas através de comandos dados pelo utilizador. São os chamados robôs (em inglês robot) a que chamaram de “bot” ou “bots” no plural.
Isto quer dizer que a aplicação pode interagir com o utilizador através destes pequenos assistentes que enviam conteúdo especial para a caixa de mensagem, obedecendo a comandos específicos. O objectivo pode ser otimizar espaço e bateria nos smartphones, já que os bots podem exercer funções de outras aplicações.
Existem bots para inúmeras tarefas, como criar alertas dentro de grupos maiores, traduzir mensagens, fazer download de músicas ou vídeos, converter arquivos, fazer memes ou editar fotografias e qualquer pessoa pode tentar criar o seu próprio bot para o serviço, já que o Telegram oferece as ferramentas para isso.
Canais com conteúdo
Esta é uma característica que foi novidade neste tipo de aplicações e que começou agora a ser imitada pelo WhastApp. No serviço do Telegram podemos ligar-nos à informação de um canal e consumir o seu conteúdo sem ter de fazer parte de um grupo de chat. Basta o utilizador inscrever-se no canal que lhe interessa e passará a receber conteúdo do dono do canal sempre que este colocar nova informação online.
Também é útil se o utilizador quiser transmitir informação sem que as pessoas que a visualizam iniciem um chat, podendo saber na mesma quantas pessoas o visualizaram ou instalar bots para o gerir.
Pesquisa no Google dentro do Telegram
Quem diz no Google, diz também no YouTube ou noutro site. É possível estar na conversa e pesquisar qualquer site sem ter de abandonar o Telegram. Pode até partilhar links, imagens, GIFs ou vídeos que acabou de encontrar enquanto conversava.
Também pode pesquisar no banco de Stickers associado ao serviço para escolher o que quer enviar ou mesmo editá-lo, tudo sem ter de sair da aplicação.
Editar mensagens já enviadas
Já enviou uma mensagem e descobriu que tem um erro ou uma informação incorreta? Com o Telegram poderá editar e corrigir essa mensagem, mesmo que já tenha sido enviada. A palavra “editado” vai aparecer na mensagem, mas pelo menos o seu conteúdo já estará corrigido.
Conhecer novas pessoas
Enquanto que os outros serviços de chat online o mantêm “fechado” dentro da sua carteira de contactos, o Telegram permite que conheça pessoas novas entrando em grupos de chats de pessoas que não conhece. A partir daí, é só iniciar conversas privadas com quem quiser.
Desvantagens do Telegram
Interface de utilizador mais complexo
Para quem está habituado ao interface limpo e bem organizado do WhastApp, vai achar o Telegram menos amigável. Mas poderá ser um preço justo a pagar por tantas mais funcionalidades incluídas.
Protocolo de encriptação nativo
Para os especialistas em criptografia a utilização de um protocolo de criptografia nativo do Telegram, que não foi provado como confiável e seguro pelos standards do mundo tecnológico como o utilizado pelos concorrentes, é uma grande desvantagens e incógnita.
Claro que os Dubrov têm resposta a esta crítica, afirmando que os outros protocolos standard também acabam por estar nas mãos de dois grandes grupos monopolizadores das nossas comunicações: Google e Facebook e que o facto de o seu ser nativo permite um maior controlo da segurança.
Armazenamento na nuvem
Só ativando o Secret Chat é que é possível aos utilizadores do Telegram, manter as suas conversas fora da cloud do serviço. Para muitos críticos é indesculpável este armazenamento automático na nuvem e acham que para um serviço que se preocupa tanto com a privacidade dos seus utilizadores, o Secret Chat deveria vir ativado por defeito.
Proibido em alguns países
Em meados de 2018, o Telegram foi bloqueado pelos operadores da Rússia e do Irão, porque os seus criadores não entregaram as chaves de encriptação do serviço nem permitiram o acesso das autoridades desses países aos dados dos seus utilizadores.
A Primeira Ministra britânica, Theresa May, já veio publicamente reafirmar que considera o Telegram um “casa de criminosos e terroristas”, o que quer dizer que o futuro do serviço no país também poderá estar ameaçado. Pensar que o serviço pode ser cancelado de um momento para outro pode ser uma desvantagem que afasta muitos utilizadores.
Qual vai ser o futuro do Telegram?
Os planos dos irmãos russos para o Telegram parecem ir muito além de uma aplicação de chat, sem fins lucrativos e que protege a liberdade de expressão. Aparentemente, a ideia é agora criar o TON, o Telegram Open Network, uma espécie de “nova Internet” baseada no blockchain, a engenharia tecnológica que está por trás das moedas digitais.
Trata-se de uma estrutura de dados que controla e representa as entradas de contabilidade financeira ou um registo de uma transação, a sua autenticidade e inviolabilidade.
A TON iria criar um sistema de pagamentos para os utilizadores do Telegram recorrendo a um moeda própria com o nome de Gram. O objetivo é descentralizar o envio internacional de dinheiro, prometendo uma alternativa sem taxas de câmbio e feita de maneira instantânea e segura, aproveitando os sistemas de criptografia já utilizados na troca de mensagens.
Aparentemente, o objetivo é ainda descentralizar a Internet e tentar quebrar os monopólios controlados por grandes empresas tecnológicas que estão a moldar a forma com as pessoas vivem e comunicam. Resta esperar para ver o que vai acontecer.
Em resumo: 7 coisas a saber sobre o Telegram
1. Todas as mensagens são encriptadas
A aplicação tem à disposição dois tipos de chats. Os mais comuns usam uma criptografia de cliente-servidor e podem ser acedidos a partir de vários dispositivos. Os chats secretos usam criptografia end-to-end e só podem ser acedidos a partir dos dois dispositivos participantes na conversa. Os terceiros – e isso inclui os administradores do Telegram – não têm acesso à conversa.
2. As conversas secretas podem autodestruir-se
Os chats secretos podem ser configurados para se autodestruírem num determinado período de tempo após a leitura da mensagem. Quando o tempo se esgota, as mensagens desaparecem em ambos os dispositivos.
3. Os servidores estão espalhados por todo o mundo
Isto dá à aplicação uma maior rapidez e segurança.
4. Os utilizadores podem enviar todo o tipo de documentos
Todos os arquivos são suportados até um máximo de 1,5Gb – desde fotografias a vídeos, passando pelos documentos escritos.
5. As informações ficam guardadas na nuvem do dispositivo
Se ficassem arquivadas na nuvem da aplicação, seria muito fácil serem hackeadas – como já aconteceu com outras aplicações. Estando guardadas na nuvem do dispositivo, só podem ser acedidas pelo dispositivo de origem.
6. O código é aberto e o protocolo é livre para todos
Os irmãos explicam que, assim, todos os utilizadores e interessados podem rever o algoritmo de mensagens que usam no Telegram e inspecionar a fonte do código da app. Isso permite-lhes garantir a confiança dos utilizadores, pois todos podem verificar se tudo o que dizem sobre a sua aplicação é verdade.
7. É gratuito e livre de publicidade
E os fundadores dizem que vai continuar assim, porque lhes permite evitar pressões comerciais e legais. Se, entretanto, se verificar a necessidade de existirem mais fundos monetários, será feito um pedido aos utilizadores – e nunca a terceiros.
Curiosidades sobre o Telegram
Em dezembro de 2013, um dos irmãos Durov anunciou que pagaria cerca de 200 mil dólares em Bitcoins a quem conseguisse quebrar a criptografia da aplicação e ninguém conseguiu.
Quando o WhatsApp foi abaixo durante quatro horas, o Telegram ganhou cerca de 5 milhões de utilizadores. É, neste momento, a aplicação gratuita mais utilizada em 46 países como a Alemanha e o Equador.