Share the post "Rendimentos obtidos no estrangeiro: como evitar a dupla tributação"
É certo que Portugal sempre foi um país de emigrantes, mas o êxodo das camadas mais jovens da população ativa a que assistimos nos últimos anos reforçou a percentagem de portugueses que declaram, todos os anos, rendimentos obtidos no estrangeiro.
A declaração de rendimentos obtidos noutro país é possível e nem é muito problemática, mas obedece a um conjunto de regras específicas que deve conhecer para não sair a perder, nomeadamente devido à dupla tributação. Vamos explicar-lhe tudo.
Quem deve declarar os rendimentos obtidos no estrangeiro?
A declaração dos rendimentos obtidos no estrangeiro é obrigatória para todos os cidadãos que, no ano a que esses rendimentos digam respeito, tenham residência fiscal registada em Portugal.
Na realidade, é possível emigrar e manter a residência fiscal ativa em Portugal – e isso é até muito comum quando os cidadãos vão para outro país a meio do ano fiscal: ficam com uma parte dos rendimentos obtida no nosso país e outra parte obtida lá fora. É preciso especificar isso na declaração anual do IRS.
O que é a dupla tributação?
A dupla tributação em sede fiscal acontece quando lhe são cobrados impostos duas vezes pelo mesmo rendimento – uma no país de origem dos rendimentos e outra no país onde possui residência fiscal.
Ao país onde os rendimentos foram obtidos chama-se o país da fonte: lá terá de declarar o rendimento obtido e pagar os impostos aplicáveis. Esse rendimento, no entanto, terá de ser declarado no IRS de Portugal desse ano (se tiver, claro, residência fiscal no nosso país) – e será sujeito à tributação aplicável aos rendimentos. Resultado: paga duas vezes os impostos sobre o mesmo rendimento.
Do ponto de vista da justiça fiscal, a dupla tributação é evitável, até porque não faz sentido: se já pagou impostos sobre o que ganhou lá fora, não é justo que tenha de voltar a pagá-los no seu país de residência. Assim, há mecanismos que o ajudam a defender-se.
Convenções para evitar a dupla tributação (CDT)
Estará sempre sujeito ao regime fiscal do seu país de residência, mas também poderá ter de pagar impostos sobre rendimentos obtidos no estrangeiro.
Felizmente, a maioria dos países celebrou acordos (ou convenções) em matéria de dupla tributação, que, em geral, permitem evitar esse problema:
- ao abrigo de muitos acordos bilaterais, o montante de imposto que pagou no país onde trabalha será abatido no imposto a pagar no seu país de residência;
- noutros casos, o rendimento auferido no país onde trabalha poderá ser tributável unicamente nesse país e estar isento de imposto no seu país residência.
As convenções carecem, contudo, de ativação: se não disser nada à Autoridade Tributária do país da fonte, vai pagar os impostos normalmente e, em Portugal, vai ser tributado pela segunda vez sem que possa fazer nada.
O mecanismo de crédito de imposto
Para com os países com os quais Portugal não celebrou convenções para evitar a dupla tributação (CDT), existe um mecanismo que pode ser usado, a que se chama crédito de imposto.
O crédito de imposto consiste numa dedução à coleta do montante correspondente à menor das seguintes importâncias:
- imposto pago no estrangeiro;
- fração da coleta de IRS (ou IRC) correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados.
Para beneficiar deste mecanismo, deve acioná-lo em Portugal, quando preenche a declaração de IRS. Nestes casos, o que acontece é que vai pagar o imposto normal no país da fonte mas, em Portugal, pode deduzir um dos valores acima na sua coleta.
Quando existe convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.
Convenção ou crédito de imposto?
A aplicação de uma convenção ou de um crédito de imposto não é uma escolha sua. A regra é: se o país onde obteve os rendimentos tiver uma convenção, pode acioná-la ou não; se não tiver, recebe crédito de imposto.
Esta informação é importante porque, caso tenha rendimentos obtidos no estrangeiro e, apesar de o país da fonte ter acordo com Portugal, não tiver acionado a convenção de prevenção da dupla tributação, não vai poder pedir para acionar o mecanismo de crédito de imposto em substituição dessa convenção.
Com a convenção também pode ter dupla tributação
Há situações específicas de rendimentos obtidos no estrangeiro que, mesmo sendo de países que têm convenções de prevenção da dupla tributação com Portugal, vão ser tributados nos dois países. É o caso dos rendimentos de juros e dividendos, que têm de pagar imposto nos dois países.
Ainda assim, as convenções estabelecem um limite à taxa de tributação no país da fonte, que é sempre mais baixo do que a taxa original. Desta forma é sempre vantajoso acionar a convenção, mesmo que continue a pagar imposto dos dois lados
Como declarar rendimentos obtidos no estrangeiro
A boa notícia é que declarar rendimentos obtidos no estrangeiro é muito fácil: basta acrescentar o anexo J ao Modelo 3 da sua declaração do IRS.
O único cuidado a ter é que o anexo J é individual e específico, ou seja, tem de submeter um anexo J por cada titular de rendimentos. Aí devem estar identificados todos os tipos de rendimentos estrangeiros do titular. É ainda necessário identificar o país onde foram obtidos e declarar os impostos que já pagou lá.
Ao submeter o anexo J, fica automaticamente aplicado o crédito de imposto se o país onde os rendimentos foram obtidos não tiver qualquer convenção de prevenção da dupla tributação com Portugal.
Quanto aos países com convenção, não é na declaração do IRS que tem de acioná-la, mas no próprio país da fonte, quando for declarar esses rendimentos. De forma resumida, a convenção livra-o sempre da tributação no país estrangeiro, nunca no país de residência, por isso é do lado de lá da fronteira que tem de acioná-la.