Querida R.,
Espero que este postal te encontre no teu jeito de criança feliz pela capital.
Por aqui, os dias são de pura felicidade. Estou diferente, sabes? Um bom diferente. Há algo neste sítio que me faz perder velhos hábitos e medos e não o digo só por dizer. Sinto-me melhor, livre, mais eu coração do que eu cérebro. Finalmente começo a viver ao sabor do vento, a perceber que o mundo não foi feito para ser pensado a cada instante.
Este fim-de-semana fui à praia. Sabes o quão bem me faz escutar o burburinho do mar; o quanto preciso de sentir os cabelos salgados e andar de pés descalços.
Parti sexta-feira num autocarro nocturno que custou 25USD e acordei já em Sihanoukville quando o sol se preparava para nascer.
Embarquei nesta aventura com uma das pessoas que fez questão de me recordar o quão pequeno é este mundo: chama-se Sofia e estudou ao mesmo tempo que eu na Faculdade de Letras na Invicta. Também ela procurou em Siem Reap um projecto de voluntariado e segue mais tarde para uma aventura de mala às costas. É um espírito de energia contagiante com quem sabe bem poder partilhar pequenos desabafos na nossa língua tão bonita.
Em Sihanoukville, apanhámos um barco até Koh Rong, uma ilha de mil encantos, onde nos esperavam cinco amigos de diferentes pontos do globo. Pessoas tão diferentes e, ainda assim, em perfeita sintonia.
Fugimos à civilização rumo ao Suns of Beaches, um hostel numa zona recatada da ilha onde as distracções não passam de pequenos cães, algumas galinhas e infindáveis mergulhos.
É um lugar onde nada para lá dele parece importar. Onde o horizonte não passa disso mesmo – de uma linha para lá do nosso alcance. É um lugar onde não há relógios e, por isso, facilmente cai no esquecimento a palavra ‘pressa’. O sol, o mar transparente, a areia fina, pequenos caranguejos, as camas de rede, o cheiro a livros viajados, a guitarra pousada na estante e o sorriso de quem, todos os dias, mantém este espaço tão acolhedor são suficientes para preencher a alma de quem por aqui passa.
Brindámos, jogámos às cartas, caminhámos com água pelo pescoço e de mochilas à cabeça e dissemos adeus à ilha com uma boa refeição Khmer perto do porto principal.
Não pude ficar o quanto queria porque segunda-feira foi dia de aulas mas, juro, R., e tu sabes, que trouxe comigo uma leveza imensa que nenhum elemento que não a água me poderia transmitir.
Estou de pele morena (talvez não muito) e parece que continuo a sentir os pequenos grãos de areia presos ao corpo e o sal colado à alma. Sei que vai ser uma semana com mais momentos de pendurar nas paredes.
Espero que continues a espalhar esse teu imenso sorriso pelas ruas e ruelas da cidade e que o sol do Outono te inspire e deixe feliz.
Um abraço imenso, de um espírito da selva para outro.
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