Querido K.,
Chegou mais um Natal e, com ele, costumavam chegar as nossas idas ao cinema com sundaes escondidos nos bolsos para ver O Hobbit e, até, Star Wars (com as tuas legendas adicionais).
Este ano, chegou até mim com sol e sabor a mar, numa pequena ilha no Camboja – Koh Rong Samloem –, onde as doze badaladas foram celebradas com brindes e não com presentes.
Depois de um reencontro improvável em Siem Reap com um amigo dos tempos de infância, fizemo-nos à estrada num autocarro nocturno rumo, novamente, a Sihanoukville, uma cidade no Golfo da Tailândia de onde saem os barcos para as ilhas de areia branca e águas cristalinas.
A viagem de dez horas numa cama pouco maior do que o meu corpo terminou às seis da manhã de dia 24 e, depois de um pequeno-almoço atribulado, apanhámos um ferry até M’Pay Bay, uma pequena aldeia de pescadores no norte da ilha.
Ficámos num hostel chamado Coast 23, perto do porto onde atracámos e a dois passos do mar. Um hostel não muito grande em tamanho mas imenso em hospitalidade.
O dia 24 é sempre um dia de euforia; de horas e horas passadas na cozinha e, depois, de devaneios junto à lareira, com pratos cheios de Natal. Desta vez, porém, foi um dia de plena quietude; de simbiose perfeita com a natureza.
Passámos a tarde na praia, de pés descalços e cabelos salgados, e, quando o Sol decidiu dizer-nos adeus, brindámos com vinho do Porto a novos encontros e aventuras.
À noite, foram muitos os que se juntaram à volta das pequenas mesas do hostel para partilhar histórias ao som do ukulele da April, uma Filipina de energia vibrante.
É estranho o quão fácil é falar com perfeitos desconhecidos quando em viagem. É como se não fizesse sentido de outra forma. O espaço e o tempo parecem fazer com que nós próprios nos transformemos. De volta ao ninho, em Portugal, não o faço e não consigo encontrar uma boa razão para tal.
Depois de jantar, avançámos uns passos até ao bar na areia, onde o pinheiro era feito de latas de cerveja e onde a meia-noite chegou com sorrisos e brindes a um Natal diferente.
Segunda-feira, acordei para um pequeno-almoço delicioso de panquecas e fruta na companhia de pessoas de diferentes pontos do globo. Depois de um bom café gelado e partilhas sobre os vários países e tradições, rumámos até Clear Water Bay, uma praia em que as águas são absolutamente transparentes e em que, na areia, há pouco mais do que pequenas cabras e um hostel repleto de decorações inspiradas. Caminhámos pela areia, pela selva e até, pela água, alguns em silêncio para melhor absorver o envolvente, outros a cantar Stand By Me sem timidez.
Chegámos ao destino paradisíaco por volta das duas da tarde, com fome e sede de conhecer o tal refúgio que ali se encontra: o Driftwood. Com pratos de arroz frito e chás gelados, conversámos numa mesa redonda desse hostel que foi construído há pouco mais de um ano pelas mãos de locais. Um sítio com uma energia estranhamente positiva, com os seus espanta-espíritos feitos de materiais reciclados e quadros com mensagens bonitas.
Dia 25 nunca foi vivido com olhos tão abertos de espanto para o Mundo. Despedimo-nos do Natal com uma cerveja num restaurante local, com a sensação de que não podíamos ter escolhido melhor lugar para escapar nesta época quase sempre dedicada à família.
A verdade é que o Natal não tem por que ser associado a um sítio ou a um clima. É uma construção de memórias e pessoas e sei que levo comigo um baú repleto de momentos felizes passados nesta ilha.
Espero que também tu tenhas tido um Natal feliz, K., com o teu pequeno aprendiz e os brinquedos que, claro, só ele recebeu.
Um até já, com saudades desse teu jeito de Kevin McCallister.
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