Querida E.,
espero que este postal te encontre cheia de projectos felizes com os jovens do Velho Continente. Sei que continuas a encontrar luz em transformar a vida de tantos desta nossa geração, por vezes desesperada e tantas vezes inspirada.
Hoje escrevo-te sem nenhuma aventura em particular para partilhar. Escrevo-te sobre o meu quotidiano em Siem Reap.
Dia 15 disse até já aos meus pequeninos da terceira classe e infantário da Smiling Hearts, a escola que me deixou abraçar o desafio de ensinar Inglês a crianças. O sítio-janela que me permitiu ver, sem filtros, a realidade deste canto do mundo. Despedi-me com lágrimas nos olhos e desenhos nas mãos. Cartas de amor, de carinho, escritas por pessoas tão pequenas e, ainda assim, tão grandes.
Fi-lo porque decidi abraçar outro projecto, desta vez ligado à defesa dos direitos das mulheres. Conheci esta semana a Directora da Rachna Satrei, Maly, uma mulher com um espírito imenso e ideias brilhantes que tem dedicado os seus dias a transformar aqueles de todas as que se vêem aprisionadas pelo género com que nasceram.
Mulheres que, privadas de educação, são obrigadas a trabalhar horas sem fim nos campos e em casa. Mulheres com uma força tremenda e espírito aberto, ainda que tantas vezes ensinadas a mantê-lo fechado. Fui recebida de braços abertos e convidada a fazer parte da verdadeira vida Khmer, em piqueniques em Angkor e reuniões de família.
Estou feliz. Sei que estou no lugar certo, a fazer o que devia estar a fazer. É o tal plano que o Universo tinha reservado para mim.
Esta semana, acordei já três vezes antes do sol o fazer, primeiro para ir a uma aula de Yoga que me deixou tontamente feliz e depois para dar aulas aos meus três alunos de Português. Mudámos o horário e começamos agora às 6 da manhã, para lições cheias de energia e vontade.
Ser flexível é importante, sei-o bem, e ser flexível sem ter de o fazer com sacrifício é, provavelmente, uma das coisas que mais me tem permitido ser feliz, onde quer que esteja. Encontrar sempre o lado B das coisas, como poder ver o nascer do sol da minha varanda, dia sim dia sim.
Nestes últimos dias, disse também muitas vezes olá e adeus em reencontros felizes e outras despedidas agridoces. Explorei a cidade com amigos que se fizeram à estrada por aqui e vi partir os voluntários com que partilhei momentos de pendurar na parede. Avizinham-se tempos de completa descoberta… outra vez. Novos amigos, novas aventuras, uma nova Siem Reap, porque, não tenho dúvidas, os sítios são feitos de pessoas.
Espero ansiosamente pelo nosso reencontro. Por nos sentarmos perto da água, algures, e recordarmos juntas todos as pequenas coisas que partilhámos na Sardenha.
Um até já, E., com uma saudade imensa dos teus Gaumarjos.
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