Querido I.,
Tenho saudades tuas. Espero que este postal te encontre bem e feliz em terras de ticos. Escrevo-te porque sei que serias a companhia perfeita para os meus últimos devaneios e porque dia três faz três anos que embarcámos juntos na nossa tão bonita aventura sarda.
Esta semana fui, finalmente, aos templos de Angkor, esse imenso império outrora esquecido e agora, novamente, grandioso. Comprei o passe de sete dias, que posso usar no espaço de um mês, e, terça-feira, o Chan, o meu aluno, levou-me a conhecer esse mundo infindável de templos.
Começámos por Angkor Wat, onde pequenos macacos cumprimentam quem passa e onde o tempo nunca será suficiente para apreciar todas as gravuras ou explorar todos os cantos.
Fomos, depois, até Bayon, o templo em Angkor Thom onde há dezenas e dezenas de Buddhas que, ao sorrir, fazem qualquer um esboçar também um sorriso. É, devo dizer, o que mais me fascinou de todos os que visitei. Encontrei-o sob a luz de uma tarde solarenga e quase vazio, pelo que pude vê-lo sem pressa e absorver tudo com a ajuda do sol.
Fomos ainda ao Pre Rup, um templo com uma vista absolutamente deslumbrante onde muitos param para ver o pôr-do-sol, e voltámos para Siem Reap – eu com a sensação plena de que tinha viajado no tempo.
Sábado, com o bichinho da curiosidade a saltitar incessantemente, peguei na minha bicicleta vermelha e rumei a novos templos: Banteay Kdei e Ta Prohm. O primeiro encheu-me o espírito. Por ser, talvez, um dos menos conhecidos, percorri quase sozinha os seus imensos corredores, com gravuras de Apsaras e a estátua de um Buddha rodeada de cores.
Ta Prohm, pelo contrário, não me fascinou, não pelo templo em si, que tem árvores a crescer por entre as paredes, mas sim pelas pessoas. Construído em honra da mãe do rei Jayavarman VII, é um dos templos com mais turistas e onde o percurso é fixo e não se pode, simplesmente, andar sem destino perdidos na beleza das coisas.
Como não podia deixar de ser, tive de voltar para o nascer do sol em Angkor Wat. Segunda-feira levantei-me às quatro da manhã e pedalei às escuras para encontrar um cantinho onde o reflexo das torres do templo se visse na água.
Não fui para o lugar onde, em geral, se tiram as melhores fotografias mas sim para um em que há menos pessoas e onde me pude sentar numa pequena pedra a respirar a brisa fresca da madrugada.
Ainda assim, foram muitos os que, como eu, esperaram ali o momento em que o sol, sempre tão generoso, se erguesse da vegetação. Muitos e barulhentos, com as suas selfies e lancheiras, é verdade, mas não deixa de ser bonito partilhar com totais desconhecidos um nascer do sol: algo que, de volta a casa, pensamos ser tão banal e que aqui concentra dezenas e dezenas num espectáculo de contemplação.
Rumei, depois, a Baphuon, dentro de Angkor Thom, e perdi-me nos seus recantos, acabando por sair já no Elephant Terrace. Pedalei até Preah Khan, construído em homenagem ao pai do rei Jayavarman VII e, tal como Ta Prohm, um templo invadido pela selva.
Por sorte, conheci nos corredores uma cambojana que me levou até um lugar escondido por entre as ruínas onde se encontra a “queen statue”, que ela insistia em dizer que eu tinha de ver. Lá, deparei-me com a pessoa mais pequena do mundo a rezar e pus a queimar um pau de incenso. Em troca, recebi um imenso sorriso e algo que compreendi como um invocar de boas energias. São estes pequenos acasos que, aqui, dia sim dia sim, me fazem sentir feliz, sem ses ou porquês.
Se pudesse, regressava todos os dias. Há algo no parque de Angkor que me deixa em paz. A água do fosso, o silêncio na selva, as ruínas de algo tão maior do que nós.
Espero que continues a escrever, I., e com a mesma sede de explorar o desconhecido que sempre tiveste.
Até já e um abraço imenso daquela que não quer(ia) ser abraçada.
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