A UMM traz saudades a muitos entusiastas da marca, suscita a curiosidade de amantes de automóveis e provoca indignação em alguns defensores do que se produz no país.
A União Metalomecânica continua a laborar, mas é quase certo que não seria um nome que ficou na memória se não fosse a sua ligação à indústria automóvel e o orgulho que, ainda hoje, esse passado suscita.
O UMM foi uma viatura que decididamente marcou uma época e chegou mesmo a aventurar-se no campo do desporto automóvel, conseguindo resultados honrosos em provas com um grau de dificuldade elevado, como o célebre Paris-Dakar.
Tornou-se num modelo icónico e no site da empresa, uma das imagens de fundo é ainda uma foto do jipe puro e duro, made in Portugal.
UMM: um ícone com cunho português
No final dos anos 1950, Bernard Cournil, engenheiro-mecânico francês, adaptou um dos Jeep que o exército dos Estados Unidos da América deixara para trás durante a II Guerra Mundial. Cournil transformou o carro para trabalhar na agricultura, um veículo que podia montar várias alfaias agrícolas e com facilidade de acesso em terrenos difíceis.
A empresa Hotchkiss, construtora de carros de luxo até 1955, iniciou no mesmo ano a comercialização dos Jeep, em França. Como resultado do interesse e empenho (e sucesso) dos seus “tratores”, Cournil acabou por ser distribuidor regional Jeep e obteve, mais tarde, a licença da Jeep Willys para produção dos Jeep alterados.
Em 1960, Cournil foi reconhecido como construtor de automóveis, com o Cournil Tracteur JA1. No ano seguinte, modificou significativamente a frente do carro para melhorar a visibilidade exigida nos trabalhos de campo. As formas originais do Cournil permaneceram até 1986.
De 1971 a 1977, sob alçada do filho de Bernard, Alain Cournil, construíram-se apenas 53 veículos, com a empresa familiar a atravessar graves dificuldade financeiras. Em 1977, pai e filho decidiram vender a marca: no mercado francês, os direitos foram vendidos à empresa de armas Gevarm; fora do mercado francês, os direitos ficaram sob alçada de uma empresa de metalurgia portuguesa, a União Metalomecânica.
Made in Portugal
Enquanto a produção dos Cournil continuou nos mercados em que a Gevarm estava implantada, a partir de 4 de julho de 1977 a União Metalomecânica iniciou a produção dos UMM no mercado interno.
As carroçarias do jipe “português” eram feitas na fábrica de Mem Martins, em Lisboa, e encaminhadas para Setúbal, onde se realizavam montagem e pintura. Os primeiros UMM não negaram as suas raízes e chamavam-se 4×4 Cournil, com versões Tracteur e Randonneur.
Grande parte das encomendas destinava-se ao Estado, com os jipes a servirem diversos ramos das Forças Armadas, Bombeiros e Polícia, entre outros. O arranque de produção dos jipes – e que veio e impulsionar a história da UMM – teve alguns fatores favoráveis, como encomendas para forças armadas estrangeiras, das quais há registos (e viaturas) no exército holandês. A exportação viria a ser um braço forte da UMM.
O jipe UMM conheceu seis tipos carroçaria: Station Wagon, porventura a mais bem sucedida a nível comercial e aquela que, ainda hoje, mais facilmente se encontra nas garagens dos adeptos dos UMM; a Soft Top, com estrutura que permitia tornar o jipe descapotável; a Pick up e o comercial Van; e as variantes de “caixa aberta” – Chassis-cab e Crew-cab -, esta com cabine dupla.
Os UMM eram produzidos com duas distâncias entre eixos (2560 mm e 3078 mm), ambas disponíveis nas variantes Soft Top, Station Wagon e Pick-up. O UMM de dois lugares estava disponível apenas na opção mais curta, enquanto os “carros de trabalho”, ou seja, de cabine simples e dupla, eram servidos apenas com chassis longo.
Uma aventura no deserto
Em 1982, o UMM estreou-se com uma evolução do motor de origem Peugeot, um Diesel 2.3 com 76 cavalos de potência. O carro português teve direito a destaque no rali Paris-Dakar, já equipado com motor 2.5. Rumaram à aventura 3 unidades UMM, com José Megre como líder da equipa lusitana.
Os todo-o-terreno made in Portugal conseguiram chegar ao final da prova, o que constituiu, por si só, uma vitória. O feito deu mais credibilidade à marca, nomeadamente em matéria de fiabilidade e robustez mecânica.
No ano seguinte, foram introduzidas melhorias no jipe da União Metalomecânica, como a nova caixa de 4 velocidades ZF, carroçaria com portas maiores e novo tablier.
A marca participou novamente na dura prova desportiva, naquele ano com 4 viaturas, duas com motor a gasolina (2.7 V6 PRV) e duas com o mesmo Diesel de 76 cavalos da edição anterior.
A resistência de máquinas e pilotos foi posta à prova e, mais uma vez, todos chegaram à famosa praia de Dakar.
O período de 1982 a 1984 foi uma época áurea para os UMM, na prova de todo o terreno mais dura do mundo. Em 1985, os carros portugueses voltaram a participar com 5 viaturas no Paris-Dakar.
Os UMM a gasóleo não sofreram grandes alterações relativamente aos anos anteriores. Os carros a gasolina substituíram o 2.7 V6 pelo 3.0 V6, com cerca de 240 cavalos. Apesar de algumas peripécias, os jipes UMM voltaram todos a cortar a meta em Dakar.
Em meados de 1985, o UMM Cournil terminou a carreira e deu lugar ao Alter, destacando-se a nova frente com faróis embutidos na carroçaria e as 3 escovas colocadas na parte superior do pára-brisas.
O novo UMM Alter também marcou presença no Dakar – dois carros com novos motores a gasolina e um com o Diesel 2.5 -, mas sem o sucesso das edições anteriores. Nenhum dos 3 carros chegou ao fim da prova.
Entretanto, as versões “civis” conheceram êxito além-fronteiras, nomeadamente em França, aquele que passou a ser um dos principais mercados de exportação com o Alter.
O UMM Alter II implementou melhorias – nomeadamente uma nova caixa de velocidades, suspensão e caixa de transferências – e brilhou sob os holofotes do Salão de Paris, em 1986. A UMM apresentava o Alter Turbo, com intercooler, 110 cavalos de potência, caixa de 5 velocidades, direção assistida e discos de travão ventilados.
Os jipes portugueses voltaram a destacar-se em 1988, então no âmbito das grandes viagens: 3 UMM Alter chegaram a Lisboa, terminando uma viagem de 18 mil km, entre Macau e a capital portuguesa.
“Morte no deserto português”
Nos anos seguintes, e até cerca de 1993, a UMM continuou com a produção, introduzindo alterações, melhorias nas carroçarias e algumas experiências com outros motores.
Surgiu mesmo o Troféu UMM, que levou à produção de uma versão adaptada à competição, com elementos como bacquets, roll-bar, dois depósitos de combustível e dois pneus, entre outros. A base mecânica era o motor 2.5 de 110 cavalos.
Na segunda metade dos anos 90, a aposta na UMM decresceu significativamente, apesar de a marca ter planos para dar continuidade ao projeto nacional e ter apresentado protótipos para substituir o Alter II.
Alguns autores e estudiosos do mundo UMM consideram que a decisão do Estado – ao importar veículos de outras marcas – não se justificava, uma vez que existia produção automóvel própria. Foi este um dos principais motivos do declínio da marca nacional.
Já nos anos 2000, com falta de apoios e os jipes concorrentes a conquistarem terreno, a UMM tentou resistir, mas as encomendas quase a regime de conta-gotas ditaram o fim dos jipes portugueses.
Hoje em dia, os UMM são tidos como carros de culto. Há uma enorme legião de fãs em Portugal que tratam de os manter em circulação, restaurar e voltar a dar glória à sigla da União Metalomecânica. São automóveis que cultivam a amizade, e que mantém o espírito vivo de um carro único, Made in Portugal.