Apesar de, legalmente, os dois estados civis se terem aproximado nos últimos anos, há ainda um tema onde o casamento ainda é muito diferente da união de facto: direitos em caso de separação.
Para os cidadãos formalmente casados, uma separação (divórcio) não tem muito que saber do ponto de vista da divisão de bens: ela é regulada de acordo com o regime de partilha que escolheram no momento de dar o nó. Para os casais que vivem em união de facto, a história já é outra. Saiba o que diz a lei e como pode antecipar alguns desafios.
A forma mais fácil de sumarizar o que acontece é esta: na união de facto, direitos em caso de separação são praticamente inexistentes.
A verdade é que, ao contrário do que acontece com os casamentos, a lei portuguesa é omissa sobre a forma como os unidos de facto podem dividir o que têm quando optam por separar-se. O resultado? Ou chegam a um acordo entre si, ou aplicam-se as regras gerais que se aplicariam entre quaisquer outros desconhecidos.
Como garantir alguns direitos em caso de quebra da união de facto?
A única forma de assegurar alguns direitos em caso de separação numa união de facto é estabelecendo antecipadamente as suas próprias regras, assinando um contrato de coabitação.
O que é um contrato de coabitação?
O contrato de coabitação é um documento celebrado pelos dois elementos do casal numa escritura notarial do registo civil. Neste documento, ambas as partes concordam com uma metodologia para dividir património, responsabilidades e dívidas durante e após o tempo em que vivem sob o mesmo teto. De forma mais simples, o contrato de coabitação permite definir o regime de bens, preenchendo o “buraco” que existe na lei.
E quando não existe contrato?
A verdade é que, na maioria dos casos de união de facto, não existe um contrato de coabitação. Nessas situações aplica-se o regime geral das obrigações e dos direitos reais, ou seja, aplica-se a lei de forma cega como se o casal não se conhecesse.
Se está nesta situação, é sempre aconselhável procurar um advogado que o ajude a chegar a acordo com o ex-parceiro sobre a forma como dividem o património, fazendo por deixar imperar o bom senso. Sabemos, no entanto, que essa cordialidade nem sempre é possível.
O regime geral das obrigações e dos direitos reais
Entramos então na fase mais crítica de uma união de facto. Como já vimos, neste caso são direitos gerais e não específicos do fim da relação amorosa.
O que a lei diz é que, para os bens que o casal comprou em conjunto (ou seja, durante o tempo em que manteve a relação), é preciso “encaixá-los” numa de duas categorias: a da compropriedade ou a do enriquecimento sem causa.
A compropriedade
A compropriedade é aplicável quando se considera que determinado bem (móvel ou imóvel) foi comprado por ambos os elementos do casal. Neste caso, a lei dita que são ambos proprietários desse bem, na mesma proporção em que contribuíram para comprá-lo.
Um exemplo: se ambos compraram um carro mas um pagou só 10% de entrada e o outro pagou os restantes 90% em prestações, então o carro é detido em 10% pelo primeiro e em 90% pelo segundo.
Claro que, em caso de litígio, será necessário comprovar quem pagou quanto – tarefa que pode ser muito difícil de concretizar.
O enriquecimento sem causa
Quando se procura informação sobre união de facto e direitos em caso de separação, é frequente haver algum receio sobre o elemento com menos posses iniciais beneficiar da melhor condição financeira do ex-parceiro.
A verdade é que é para evitar isso mesmo que existe a figura do enriquecimento sem causa, segundo a qual uma pessoa que enriquece sem justificação à custa de outra tem de devolver-lhe tudo o que ganhou.
Um exemplo: se um elemento do casal comprar um carro com o dinheiro do parceiro, não pode assumir que o carro lhe pertence – mesmo que seja o seu nome a figurar nos documentos do automóvel.
E a casa, para quem fica?
A partilha do imóvel de residência do casal é outro dos “temas quentes” da união de facto e dos direitos em caso de separação. Desde há pouco tempo, também é o único tema em que a lei já tem uma palavra a dizer.
A forma como se resolve o problema da casa quando o casal termina a união de facto vai depender, por um lado, de o imóvel ser arrendado ou comprado e, por outro, a quem pertence.
Se a casa for arrendada
Havendo filhos, estes devem ser mantidos na casa onde estão e, por isso, fica com a casa o progenitor que também ficar a cuidar dos filhos.
Não havendo filhos, a casa arrendada fica para o elemento do casal que provar precisar mais dela. Para esta avaliação devem considerar-se, para cada um dos elementos do casal:
- A situação económica;
- A idade;
- O estado de saúde;
- A proximidade da casa em relação ao local de trabalho;
- A (im)possibilidade de viverem noutra casa.
Se a casa for propriedade dos dois
Se o casal comprou a casa em conjunto, então são donos do imóvel em partes proporcionais àquelas em que contribuíram para o pagamento.
Nestas situações, o que ficar a viver na casa tem de pagar uma renda ao que sai. Convém notar, no entanto, que essa renda será calculada para a percentagem que pertence ao elemento que sai, e não com base no valor total da propriedade.
Se a casa for propriedade só de um
Também pode acontecer que a casa seja propriedade de apenas um dos elementos do casal, e esse é um grande desafio da união de facto. Direitos em caso de separação à parte, não seria justo o dono da casa ficar sem metade; por outro lado, o parceiro pode não ter para onde ir.
Nestes casos, o que dita a lei é que se avalie quem precisa mais daquele imóvel. Caso se chegue à conclusão de que o parceiro não proprietário precisa mais da casa do que o outro, então ele deve permanecer na residência, embora pagando uma renda ao ex-companheiro. O valor dessa renda pode ser acordado entre os dois ou, se não conseguirem chegar a um consenso, será definido pelo tribunal.
Assegurar direitos em caso de cessação de uma união de facto não é fácil. Regra geral, a forma mais fácil de prevenir conflitos futuros é mesmo assinar o contrato de coabitação, que pode parecer algo exagerado no início da relação, mas pode ajudar muito no momento da separação.
Artigo originalmente publicado em julho de 2019. Última atualização em maio de 2023.