Share the post "Vilarinho da Furna: aldeia do Gerês que o rio Homem engoliu"
A história de Vilarinho da Furna tem algo de encantador e de triste, ao mesmo tempo. Uma aldeia até hoje lembrada, mas que jaz sob as águas, deixando-se apenas entrever quando os meses quentes e a seca conspiram entre si.
Parece quase um segredo guardado pelas águas do rio, podendo passar despercebido aos mais distraídos ou desconhecedores desta história com quase meio século. Foi o momento em que decidiram que Vilarinho da Furna passaria a ser nome de barragem e não mais de aldeia.
Nos tempos em que a omnipresente figura de António Oliveira Salazar dominava o país, o protesto público era um conceito algo abstrato, para não dizer perigoso. Por isso, aos habitantes de Vilarinho da Furna não foi dada sequer escolha. Antes, foi imposto um prazo de saída.
Assim, era uma questão de tempo até que as águas da albufeira da novíssima barragem invadissem os campos de cultivo, chegassem às portas das casas e cobrissem toda a aldeia em tons de ruína. Venha conhecer um pedaço de história de uma das mais belas regiões do país.
Vilarinho da Furna: o Gerês debaixo de água
O nome original era Vilarinho da Furna. Com a construção da barragem ficou Vilarinho das Furnas – assim, no plural. Lá terá uma razão que a razão desconhece, mas a verdade é que assim ficou. Era uma aldeia da freguesia de Campo do Gerês, onde a vida comunitária se fazia desde tempos quase imemoriais.
No entanto, o progresso acabou por bater à porta desta pequena aldeia e a notícia caiu como uma bomba junto dos seus habitantes.
A construção de uma barragem obrigaria ao abandono das casas, dos campos e de muitas zonas de pastoreio, porque a água da albufeira acabaria por devorar aquela paisagem. Entre o vale das serras Amarela e do Gerês, no concelho de Terras de Bouro, o rio Homem foi domado por uma parede de betão.
Em outubro de 1970 residiam na aldeia 250 pessoas (cerca de 57 famílias) que se apressaram a sair, tendo sido este sítio, gradualmente, apagado do mapa. Em 1971, as últimas pessoas abandonaram a aldeia, dando lugar à água. E Vilarinho da Furna perdeu-se para sempre.
Ver a aldeia em dias quentes
Mas as pedras que fizeram a aldeia de Vilarinho da Furna, não desistiram assim com tanta facilidade. Volta e meia fazem a sua aparição majestosa para lembrar que ali já houve vida, risos, dramas e conquistas.
Assim, de quando em vez, a aldeia “dá um ar da sua graça”, aparecendo sempre que o nível das águas desce (algo que pode acontecer com mais probabilidade no verão).
Nessas circunstâncias, o acesso até à aldeia deve ser feito a pé, percorrendo cerca de 1 quilómetro, desde a barragem, pela estrada de terra batida que ladeia o rio na margem esquerda. No entanto, se for de carro, estacione na margem direita e não esqueça alguns apetrechos essenciais:
- Calçado confortável
- Roupa confortável e fato de banho
- Água (muita) e comida
- Chapéu para o sol, que pode ser inclemente
Museu Etnográfico de Vilarinho da Furna
O que ficou foi a memória das gentes desta aldeia granítica, ligada a uma comunidade agro-pastoril minhota, cujos membros se dividiam em líderes e representantes (um zelador e outros seis elementos), posições sempre rotativas entre famílias.
As casas típicas eram compostas por dois andares: o andar térreo, para guardar o gado e recolher as máquinas agrícolas, e o andar superior que servia de habitação.
A resiliência e a vontade em preservar a memória fizeram com que alguns antigos moradores de Vilarinho da Furna fundassem “A Furna”, uma associação que protege o que resta da cultura da aldeia, sobretudo as estórias e o património imaterial, como as estórias e as lembranças.
Além disso, existe ainda o Museu Etnográfico de Vilarinho da Furna que garante que este pedaço de história “afogado” não é esquecido.
Este Museu faz parte do Núcleo Museológico de Campo do Gerês e foi inaugurado em 1989 com o objetivo de preservar a memória e o espólio da aldeia submersa de Vilarinho da Furna.
O povoado, a vida e a organização comunitária agro-silvo-pastoril, o culto religioso, o dia a dia e as lidas domésticas, os ofícios tradicionais (o sapateiro, o carpinteiro e o artesão) são alguns dos tópicos abordados e representados neste museu que lembra a aldeia, enquanto recorda a honra dos seus antigos habitantes.
- Como chegar: Acesso a Campo do Gerês: seguir a N101 e ER205-3 até Terras de Bouro. Em Terras de Bouro, seguir a N307 para Campo do Gerês. (Coordenadas GPS: 41°45’0.72″N 8°11’49.68″W)
- Horário: Todos os dias, das 08h30 às 12h30 e das 13h30 às 17h30.
- Preço: 1€ a 2€.
Se tem mais curiosidade em saber como era a vida em Vilarinho da Furna nos momentos imediatamente antes da chegada das águas da barragem, veja aqui um documentário onde ficará a entender melhor a vertente comunitária da aldeia.
Vilarinho da Furna: onde comer
Quem vai à região onde se encontra Vilarinho da Furna, tem que arranjar um bocadinho de tempo para passar pela aldeia de Brufe e ir ao restaurante O Abocanhado que se encontra a uma altitude de aproximadamente 800 metros.
Afinal, trata-se de um edifício construído de raiz, num exercício (reconhecido) de integração na paisagem, sendo hoje mais um socalco na vertente da serra Amarela, de onde se pode usufruir de toda a profundidade do vale do rio Homem. A vista é deslumbrante e a cozinha deliciosa.
Em Terras de Bouro o difícil é comer mal. O restaurante Toca do Caçador é um espaço a visitar, já que daquele forno a lenha saem muitos dos pratos regionais imperdíveis.
O Borrego Assado no forno e o Cozido à Portuguesa (ao domingo e por encomenda) são de chorar por mais. Claro que não podiam faltar os rojões ou o bacalhau. Vale uma, duas ou, quem sabe, três visitas.
Bem juntinho à Estrada nacional 205-3 fica este restaurante familiar, quem tem como característica única as enormes vidraças que proporcionam uma vista deslumbrante sobre o rio.
Para comer, bem, não se brinca em serviço. Assim, não perca o bacalhau com broa, o mimo de boi grelhado ou o cabrito do Gerês no forno, as mais sonantes propostas de uma ementa suculenta e que não se compadece com grandes dietas.
O que ver na região
Parque Nacional da Peneda Gerês
É absolutamente deslumbrante e nunca ninguém fica farto de ir ao Gerês. Abrange território de 22 freguesias distribuídas pelos concelhos de Arcos de Valdevez, Melgaço, Montalegre, Ponte da Barca e Terras de Bouro.
Esta área protegida forma um conjunto com o parque natural espanhol da Baixa Limia – serra do Xurés, constituindo com este, desde 1997, o Parque Transfronteiriço Gerês-Xurés e a Reserva da Biosfera com o mesmo nome. Espécies arbóreas únicas, cascatas e lagoas, paisagens de cortar a respiração. Obrigatório, quando rumar a Vilarinho da Furna.
Soajo
É uma das mais típicas aldeias portuguesas e pertence ao concelho de Arcos de Valdevez, nas fraldas da serra da Peneda.
A aldeia do Soajo foi vila e sede de concelho entre 1514 e meados do século XIX, mas a sua história remonta a tempos muitos mais antigos, como pode ser comprovado pelos achados arqueológicos na zona. Especial atenção para a impressionante colecção de espigueiros.
Cascata do Arado
Esta formidável queda de água está localizada perto da aldeia da Ermida, freguesia de Vilar da Veiga (Terras de Bouro).
Caracteriza-se por se localizar num curso de água de alta montanha, onde o desnível do rio Arado é vencido por uma sucessão de cascatas que terminam num lago de águas cristalinas. O caminho para esta cascata faz-se a partir da aldeia da Ermida.